Deveria ter começado esse diário em outros tempos, em tempos felizes, mas por que na época iria me importar com isso?
Tinha acabado de me casar com um homem rico, voltado de uma viagem inesquecível pela França que conheci não só a capital, mas também pequenas cidadezinhas. Podia comprar tudo o que queria, ele sempre estava pronto a me satisfazer, nada me faltava, então por que iria escrever um diário? Se soubesse, teria escrito. O meu maior arrependimento foi não ter eternizado aqueles bons momentos, para me lembrar de que ele não foi sempre assim. Ele era extremamente gentil e educado, mas aos poucos algo mudou nele. Não sei se foi por ser dono de uma boate, de estar sempre em contato com aquelas piranhas ou se alguma delas o enfeitiçou. Ele deixou aos poucos de me procurar e sempre que o questionava o motivo dele chegar tarde, ele dizia que eram negócios. Aos poucos esta desculpa se transformou em um “não se meta” ou em um “não interessa”.
Me sinto tão culpada! Deveria ter fechado os olhos para as aventuras dele, para ele chegar tarde. Ele me dava tudo o que eu queria, mas eu não soube ficar quieta. A culpa é toda minha!
Me lembro da minha mãe dizendo para mim: não o confronte. Finja que nada está acontecendo. Ele é rico, minha filha, lhe dá uma vida de princesa. E daí que ele tem uma mulher por fora? Se ele não deixa nada faltar dentro de casa, então você tem mais é que fingir que não vê.
Deveria ter ouvido a minha mãe. E não foi apenas uma vez. Ela me alertou disso diversas vezes que liguei para ela. E você, meu querido diário, o que tem a dizer sobre isso? Sou realmente culpada como eu me considero? Você acredita que quando liguei para a minha mãe, dizendo que o Gerson me empurrou com violência e me fez cair sentada no sofá e logo depois ele saiu batendo a porta, ela me disse “bem feito, eu falei para você não falar nada”? Começo a pensar que ela tem razão. Deveria ter ficado quieta. Não sei onde ele está agora e com quem. O que faço?
Onde foi parar aquele perfeito cavalheiro com quem me casei? Sabe, acho que aos poucos ele foi mudando, eu é que não queria ver. Uma resposta torta aqui, um comentário ofensivo ali… E eu fazendo tudo para esconder isso das pessoas. Sempre ficava sorrindo, não importando como me sentia por dentro, completamente destruída. Casei completamente apaixonada por alguém que agora me desdenha para os amigos. E aqueles desgraçados dão risada. Em toda festa que vamos, sou obrigada a mostrar que ele é o homem perfeito. Quando vamos ao shopping, sou obrigada a ir nas lojas que ele quer e não posso nem mesmo entrar em alguma loja em que algum item chamou a minha atenção. Tudo na minha vida gira em torno dele e eu, tenho sempre que fingir que está tudo bem.
Estou tão cansada! Se pelo menos a minha mãe me apoiasse! Meu pai me apoiaria. Coitado do meu pai. Ainda bem que ele não está mais aqui. Eu seria uma decepção para ele, ter escolhido alguém como o Gerson para me casar. Coitado do meu pai. Ele não me culparia. Ele iria sim é me tirar desse casamento, mas eu hoje em dia não posso contar com ninguém.
Ele está chegando. Ouvi o barulho do carro. Até logo.