Muriaé, cidade de morros sinuosos e noites quentes, guarda segredos que não aparecem nos mapas, apenas nas lendas sussurradas pelas bocas dos vivos. O rio que atravessa a cidade, calmo de dia, murmura outras línguas à noite. Línguas antigas, indígenas, de dor e sangue.
Dizem que, no tempo da colonização, os bandeirantes tentaram atravessar o rio. Os mosquitinhos que infestavam a margem, aparentemente inofensivos, traziam febre. Mas não era qualquer febre. Era a febre da maldição de um espírito torturado que protegia o rio. Uma entidade vingativa, transmutada num enxame voraz.
Eles riram. Mataram os índios. Cavaram com as mãos um pequeno altar de pedra sob a margem. Enterraram o corpo de uma jovem xamã chamada Cauarim, acusada de envenenar as águas com feitiçaria. A cada gota do seu sangue derramado, o rio ficou mais escuro. E naquela noite, pela primeira vez, o céu sobre Muriaé não teve lua.
No futuro atual...
Séculos depois, a cidade cresceu sobre esse solo amaldiçoado. Prédios, praças, escolas. Mas o altar segue lá. Enterrado. Respirando.
Nos últimos anos, moradores do bairro da Barra começaram a relatar um ronco estranho vindo do rio à meia-noite. Um barulho que parecia uma mistura de zumbido de mosquito com choro humano.
Pessoas começaram a desaparecer perto da ponte. Seus corpos jamais eram encontrados, apenas o eco de gritos afogados.
O ritual de Zina
Uma médium da cidade, Dona Zina, foi até as margens numa sexta-feira de lua minguante. Levou um espelho virado para o leito escuro e ofereceu pinga, vela preta e sangue de galinha preta.
No reflexo, viu a menina Cauarim, agora de olhos ocos, pele esverdeada e dentes apodrecidos, arrastando almas até o fundo do rio. Atrás dela, o enxame sob a forma de um mosquito humanóide, erguendo-se com asas em forma de mortalha e uma voz que perfurava os ouvidos como picadas:
“A cidade será alimento. Muriaé pertence ao rio. Ao meu enxame.”
Durante as cheias do bairro da Barra...
Desde então, quando chove em Muriaé, a água sobe e engole casas e ruas inteiras como se procurasse alguém.
Um rosto pode ser visto na água por alguns segundos. E dizem que quem olha por mais de sete segundos... desaparece nas águas turvas do rio.