Dizem que o mar guarda segredos que jamais deveriam ser ouvidos. E entre os sussurros das ondas e o silêncio das profundezas, vive uma lenda que poucos ousam repetir em voz alta: a história de Parthenope, a sereia que um dia foi luz — e se tornou sombra.
Com sua pele alva como a espuma do mar, olhos azuis como as águas mais cristalinas e cabelos dourados que irradiavam luz nas profundezas, Parthenope era considerada a mais bela de todas as sereias.
Mas sua beleza, tão divina quanto perigosa, desafiou a própria deusa dos mares. Num ato de vaidade e egocentrismo, brincou com os destinos dos navegantes, encantando embarcações e desviando rotas com seu canto sedutor. A punição veio como uma tempestade silenciosa: a deusa amaldiçoou sua essência, transformando-a em predadora. O canto que antes prometia amor, agora anunciava morte.
Nas noites de lua cheia, em que o céu se vestia com a neblina e o mar se calava, Parthenope emergia. Seus olhos tornavam-se fendas serpenteantes, os cabelos se convertiam em serpentes vivas, e sua boca revelava dentes de tubarão. A ilha onde habitava, envolta em névoa e mistério, era o palco de sua caçada.
— Essa era uma lenda contada há séculos, que perdura até atualmente marujos. Assim dizia o capitão Jorge à pequena tripulação. Os mais jovens riam, zombando da história, mas os mais velhos a escutavam com respeito — e um certo medo nos olhos.
O céu estava enevoado, e a lua jazia solitária no firmamento escuro. Enquanto isso, Erick, um jovem espanhol de olhos cor de mel, cabelos castanhos, barba por fazer e corpo esculpido, sentava-se na proa do barco, próximo ao farol. Era um belo rapaz de alma inquieta, exímio pescador com arpões, embora cético quanto às lendas que rondavam o mar.
Acendeu seu cigarro de palha enquanto conectava os fones de ouvido ao velho walkman. Foi então que presenciou uma cena inusitada.
Do outro lado, na areia, Manoel — o cozinheiro — caminhava em direção a um complexo rochoso. O jovem parecia hipnotizado, imóvel, como se atraído por uma força invisível. Ao chegar ao local, deparou-se com uma bela donzela: cabelos dourados, olhos azuis encantadores, entoando uma melodia hipnotizante.
Manoel se aproximou. A mulher o envolveu num abraço, beijando-o com intensidade e sussurrando algo em seu ouvido. Nesse instante, seus olhos assumiram a forma de olhos de uma cobra peçonhenta, sua pele tornou-se coberta por escamas ásperas, e os cabelos se transformaram em serpentes vivas.
A criatura híbrida — agora meio réptil, meio humano, meio peixe — abriu uma boca imensa, repleta de dentes de tubarão, e mordeu o pescoço do rapaz, sugando-lhe todo o sangue. Manoel caiu inerte ao chão, entre outros cadáveres apodrecidos que jaziam ali, esquecidos pela luz e pela esperança.
Erick ficou intrigado ao avistar, mais uma vez, outro dos marujos se aproximando do rochedo. Dessa vez, era seu amigo Saldanha — um homem negro, bem gordo, de meia-idade. O jovem assoviou, tentando chamar sua atenção, mas o homem sequer reagiu e continuou caminhando rumo ao complexo rochoso.
— Saldanha! Saldanha!... Caramba, esse caboclo tá surdo?
Prevenido como era, Erick levou consigo um arpão enferrujado. Ao se aproximar do local, sentiu um odor putrefato — uma mistura de carne podre e peixes em decomposição. Ao adentrar o recinto, arrepios tomaram seu corpo, como se a própria morte se fizesse presente.
Mesmo com os fones de ouvido, ouviu gritos abafados. Tinha certeza: eram de Saldanha. Apressou os passos, lançou o feixe da lanterna à frente e se deparou com uma cena aterradora — uma criatura horrenda segurava o coração de Saldanha nas mãos, enquanto seu corpo inerte jazia ao lado de outros cadáveres disformes.
O jovem marinheiro não fora seduzido pela melodia da sereia, graças aos fones que abafavam o canto hipnótico. A criatura avançou em sua direção, mas Erick não hesitou: lançou o arpão com precisão, transpassando o peito da entidade.
O que viu a seguir o deixou incrédulo. O monstro começou a se transformar, revelando sua verdadeira forma: uma bela jovem de olhos azuis e cabelos dourados, com uma longa cauda de peixe. Entre lágrimas, a sereia o agradeceu:
— Você me libertou, belo pescador...
Erick não compreendia.
— Há milênios fui amaldiçoada pela deusa Anfitrite, esposa de Poseidon. Por minha vaidade e ego, fui condenada a me tornar um demônio dos mares.
Comovido, o rapaz se aproximou.
— Talvez eu possa lhe ajudar... — sussurrou Erick.
— Apenas tire meu coração, para que eu possa descansar em paz.
O marinheiro, pesaroso, atendeu ao último pedido da sereia. Arrancou seu coração e o lançou ao mar. No mesmo instante, os céus se abriram em trovões e relâmpagos, como se o universo testemunhasse o fim de uma maldição ancestral.
O antes cético marinheiro agora sabia: as histórias do velho capitão Jorge tinham, sim, um fundo de verdade.
E assim, Parthenope foi imortalizada nas lendas do mar — e nas memórias do velho marinheiro Erick, que, mesmo após tantos anos, ainda sonhava com os olhos azuis da sereia e os sussurros de um amor impossível, embalado pelas ondas.