Experiência Fatal
Robson Pinheiro Cruz
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 12/09/25 17:38
Avaliação: Não avaliado
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Notas de Cabeçalho

Título: Experiência Fatal

Autor: Robson Pinheiro Cruz

Data:10/01/2025

Capítulo Único Experiência Fatal

Roger consumia as madrugadas em meio a suas incansáveis pesquisas. O campo da biogenética, exigente e implacável, não admitia amadores. Dedicava-se com afinco à clonagem de uma espécie raríssima de crocodilo, nativa das profundezas enigmáticas do Pântano de Scape.

— Estamos próximos, Ruan. A conquista é iminente — dizia Roger com convicção ao colega recém-formado, também cientista. Embora compartilhassem amizade e profissão, seus propósitos divergiam profundamente. Roger era movido pela paixão e pelo compromisso com o saber; Ruan, por sua vez, nutria ambições mais obscuras, sempre desejoso de ultrapassar os limites da ciência convencional.

— Vá repousar, meu caro. Eu assumo daqui. Você está há dias sem descanso — sugeriu Ruan com aparente solicitude.

— Tens razão. Passarei em casa por algumas horas. Qualquer avanço, não hesite em me contatar — respondeu Roger, entre um bocejo e um sorriso fatigado. — Retornarei o quanto antes.

— Está tudo sob controle — garantiu Ruan, esboçando um sorriso enigmático. O que Roger ignorava era que seu amigo conduzia, paralelamente, uma pesquisa confidencial a serviço do governo: um projeto audacioso que visava a criação de soldados geneticamente modificados, fundindo DNA humano com traços animais.

"Embora a ciência trilhe seus próprios caminhos com rigor e método, Ruan ponderava em silêncio: por que não recorrer, ainda que discretamente, aos arcanos da goécia? Afinal, as entidades que habitam os véus do oculto detêm saberes que transcendem a compreensão dos simples mortais. Seu anseio era claro — almejava o brilho do sucesso, o aplauso do reconhecimento e os frutos dourados da riqueza."

Num átimo, movido por uma determinação sombria, o cientista ambicioso abriu seu armário pessoal e retirou três artefatos: o tomo negro de invocações, velas ritualísticas e uma taça de prata ornamentada.

No centro do laboratório, traçou com precisão um pentagrama utilizando giz negro, acendeu incensos de aroma pungente e dispôs as velas em pontos estratégicos. Em seguida, verteu seu próprio sangue na taça, entoando encantamentos ancestrais em uma língua esquecida pelo tempo.

O ambiente, antes estéril e científico, transfigurou-se em um cenário lúgubre: uma névoa cinzenta e espessa tomou o ar, acompanhada por um odor fétido e inexplicavelmente orgânico. Com solenidade, Ruan ergueu a taça contendo seu líquido vital em direção ao vazio.

— Manifesta-te, Abigor. Necessito de tua sabedoria — bradou, com voz firme, embora o coração vacilasse.

Como o estrondo de pólvora em recinto fechado, a entidade surgiu. Um demônio de semblante humanoide, pele escamosa e quatro chifres — dois de bode que despontavam do alto da cabeça, e dois de carneiro curvando-se pelas laterais — montado sobre uma serpente alada de proporções colossais.

— Que pretendes, criatura ínfima? — sibilou Abigor, sua língua bifurcada dançando entre as palavras.

— Desejo transcender os limites do saber humano. Almejo aprimorar minhas pesquisas e conceber um DNA híbrido, invencível e absoluto — declarou Ruan, com voz trêmula, mas olhar resoluto.

— E o que me oferecerás em troca? — murmurou a entidade, com um timbre que parecia ecoar nas paredes do próprio espírito.

— Tudo o que desejares, desde que eu alcance o êxito, a fortuna e o reconhecimento global — respondeu Ruan, sentindo o peso do pacto iminente sobre sua alma.

— Muito bem, mortal. Tua alma será o tributo. Em troca, conceder-te-ei meu próprio sangue. Mescla-o ao DNA do crocodilo, e possuirás a criatura mais indestrutível já concebida — uma aberração diante dos olhos dos homens — declarou Abigor, com voz que parecia reverberar nas entranhas do universo.

O pacto foi selado. O demônio fez jorrar de seus pulsos escamosos o sangue viscoso, depositando-o no recipiente ritualístico. Em seguida, materializou um contrato reluzente, em folha de ouro, que Ruan assinou com o próprio sangue, selando sua condenação. Abigor desvaneceu-se na neblina negra, deixando apenas o odor do enxofre e o peso do destino.

Tomado por uma ansiedade febril, Ruan decidiu testar em si mesmo a fusão genética — batizada por ele de “super soro”. Sentou-se, diluiu o conteúdo do frasco em soro fisiológico e introduziu a mistura em sua corrente sanguínea.

As reações foram imediatas e devastadoras. Sua pele começou a arder como se consumida por fogo invisível; as veias pulsavam com violência, como serpentes em frenesi. A consciência humana esvaía-se, cedendo espaço a um instinto primal e sanguinário. Suas pupilas tornaram-se reptilianas, de tom rubro e brilho letal, semelhantes aos olhos de uma víbora venenosa. A visão aguçou-se, a boca alongou-se grotescamente, os dentes humanos caíram, substituídos por presas afiadas e predatórias. A língua bifurcou-se, serpenteando entre os lábios.

Seus gritos de dor metamorfosearam-se em sibilos e grunhidos animalescos. A epiderme humana desprendeu-se como uma película gelatinosa, revelando uma cútis escamosa e reluzente. As mãos transformaram-se em garras de crocodilo, com unhas cortantes como lâminas.

Ruan já não era mais homem. Era uma criatura híbrida — um ser reptiliano, demoníaco e humano apenas em vestígios. Sedento por sangue, sua alma, outrora de um jovem cientista, agora habitava um corpo bestial, amaldiçoado pela própria ambição. Esse era o preço da transcendência: tornar-se aquilo que a humanidade jamais ousaria compreender.

— Passe-me a isca, Galeno! Esta madrugada de lua cheia promete fartura — exclamou Matias, o velho pescador do pântano, com olhos atentos e voz firme.

— Verdade, tio. Ainda bem que decidimos vir mais tarde — respondeu o rapaz de quinze anos, entregando ao tio as massinhas pegajosas preparadas para atrair os peixes.

A embarcação singela deslizava pelas águas turvas do pântano, um lugar de reputação assombrosa, especialmente nas horas mortas da madrugada. As raízes das árvores emergiam como braços retorcidos, serpentes deslizavam entre os juncos, crocodilos espreitavam em silêncio, e uma névoa espessa pairava como véu sobre o cenário. Nada, porém, que Matias não conhecesse — e Galeno, embora jovem, já se habituara àquela paisagem lúgubre.

Foi então que um som estranho rompeu o silêncio: um rugido profundo, quase um grunhido gutural, aproximava-se do barco. A princípio, atribuíram o ruído a um crocodilo — criatura comum nas regiões pantanosas de Browntown, nos arredores de Bishopville, Carolina do Sul, próximo ao riacho Scape Ore Swamp.

Mas não era um crocodilo. Era algo muito além.

O barco foi subitamente virado com violência. Quando Matias recobrou a consciência, encontrava-se nos braços de uma criatura colossal — um ser humanóide de dois metros, metade réptil, metade homem, com olhos flamejantes e pele escamosa.

Galeno, em pânico, apontou a lanterna e congelou diante da visão. Não sabia como reagir. A besta, com ferocidade inumana, abocanhou a cabeça de seu velho tio, ceifando-lhe a vida em um instante.

O jovem, tomado pelo terror, não teve escolha. Saltou da água e correu, com o coração em disparada e a alma marcada para sempre pelo horror que presenciara.

Tomado pelo pavor, o jovem Galeno correu em direção à rodovia, onde avistou um veículo se aproximando. Desesperado, acenou por socorro. O motorista era ninguém menos que o Dr. Roger, que deteve o carro imediatamente ao perceber o estado do rapaz.

— Estou a caminho do laboratório para buscar minha carteira — disse Roger, esforçando-se para transmitir serenidade. — De lá, levarei você à delegacia. Respire fundo, meu jovem. Tudo ficará bem.

Galeno tentou conter a ansiedade, inspirando profundamente.

— Você acredita que alguém vai confiar no que eu vi? — indagou, com a voz trêmula e os olhos marejados.

Roger silenciou por um instante, fitando o garoto com atenção.

— Confie em mim. Vamos esclarecer tudo — respondeu com firmeza.

Ao chegar ao laboratório, Roger foi tomado por espanto: a porta estava arrombada, os equipamentos destruídos, e não havia qualquer sinal de Ruan. O ambiente exalava uma vibração densa, quase palpável, como se algo invisível pairasse no ar. Subitamente, as palavras do garoto deixaram de soar absurdas.

Sem hesitar, Roger conduziu Galeno à delegacia, onde relatou o ocorrido — o estado do laboratório, o desaparecimento do colega cientista e o relato perturbador do jovem. Enquanto prestavam depoimento, o delegado recebeu em seu celular imagens estarrecedoras: registros do humanóide reptiliano, capturados por câmeras de segurança e por moradores da região.

O silêncio tomou conta da sala. Olhares incrédulos se cruzaram. E assim, entre relatos fragmentados e evidências perturbadoras, nasceu a lenda do Homem-Lagarto do Condado de Lee — uma criatura que, segundo os mais antigos, emergira das entranhas da ciência e do oculto, para assombrar os pântanos da Carolina do Sul.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Pântano de Scape: Local fictício inspirado no Scape Ore Swamp, na Carolina do Sul, conhecido por relatos do lendário "Homem-Lagarto do Condado de Lee".

Goécia: Sistema de invocação de entidades descrito em grimórios medievais, como o Lemegeton Clavicula Salomonis.

Abigor: Entidade demoníaca presente em tradições ocultistas, frequentemente associada à guerra e ao conhecimento estratégico.

DNA híbrido: Tema recorrente na ficção científica, envolvendo fusões genéticas entre espécies distintas para fins militares ou evolutivos.

Super soro: Referência simbólica à busca humana por aprimoramento físico e intelectual, com ecos em obras como O Médico e o Monstro e Frankenstein.

Matias e Galeno: Personagens que representam o olhar popular diante do inexplicável, conectando o terror científico à lenda folclórica.

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