Marcy chegou ao Museu da Kasbah com o coração acelerado. A jovem historiadora, na casa dos trinta, estava eufórica. Naquele dia, reencontraria Magnum — seu antigo namorado e atual instrutor. A amizade entre os dois havia se fortalecido após a morte trágica dos pais de Marcy. Magnum, um homem de presença marcante, na casa dos quarenta, exalava charme: corpo atlético, cavanhaque bem aparado, olhos negros intensos e tranças nagô. Por onde passava, atraía olhares.
— Magnum, você está atrasado... o que aconteceu? — perguntou Marcy.
— Perdi o avião, Marcy. Um descuido meu — respondeu ele, sorrindo.
Ela então notou o baú de madeira ao lado dele.
— Que baú é esse? Parece... pesado.
— É um artefato sumério. Na verdade, uma caixa. Ainda não a abri. Esperei por você.
Curiosa, Marcy o acompanhou até o hotel. No quarto, colocaram a caixa sobre a mesa. Era belíssima e sinistra, coberta por inscrições cuneiformes e desenhos alegóricos. Quando Magnum girou a manivela, uma melodia dissonante começou a tocar — suave, mas perturbadora.
De repente, uma nuvem de moscas emergiu da caixa, seguida por um odor fétido e sufocante. As luzes piscaram e o quarto mergulhou em trevas. O som da melodia se intensificou, e então... ele apareceu.
O palhaço.
Sombrio, grotesco, com olhos de serpente e dentes de tubarão. Em segundos, atacou o casal. Marcy tentou gritar, mas foi silenciada. Magnum lutou, mas foi vencido. Ambos foram estripados, degolados, e arrastados para dentro da caixa — como se ela fosse um portal para algo muito pior.
O quarto ficou em silêncio. Apenas o som da manivela girando lentamente permanecia. Sangue escorria pelas paredes e pelo carpete.
Dois dias depois, o inspetor Raul Vasques chegou ao hotel, acompanhado do historiador Dr. Elias Mourad, especialista em artefatos mesopotâmicos. O quarto estava lacrado, mas o cheiro ainda impregnava o ar. No centro, a caixa permanecia intacta — como se nada tivesse acontecido.
O inspetor folheava o diário de Marcy, encontrado entre os pertences. Elias observava a caixa com olhos arregalados, como se reconhecesse algo que jamais deveria ter sido tocado.
— Isso não é só uma peça antiga — murmurou Elias. — É a prisão de uma entidade. Ou pior... um convite.
Raul ergueu os olhos.
— Um convite pra quê?
Elias respirou fundo, e então começou a contar:
Dizem que nos tempos antigos, quando os deuses ainda caminhavam entre os homens, viveu Kushim — um astuto comerciante sumério. Ambicioso, mas ingênuo, ele foi ludibriado por Pazuzu, o demônio dos ventos pestilentos. Ao perceber o engano, Kushim recorreu a um mago sinistro, que forjou uma caixa de madeira encantada, feita para conter entidades malignas. Com coragem e desespero, Kushim aprisionou Pazuzu dentro dela.
Mas o mal não se extingue — apenas muda de forma.
Com o passar dos séculos, a criatura aprisionada começou a se transfigurar. Primeiro, assumiu a aparência de um bufão grotesco, com risos que ecoavam como lamentos. Depois, tornou-se um palhaço sombrio: pés de bode, corpo humanoide, mãos com garras afiadas como lâminas, dentes serrilhados de tubarão e olhos de serpente que hipnotizavam quem ousasse encará-lo.
A caixa, envelhecida mas viva, emitia um som hipnótico — uma melodia dissonante que atraía os curiosos. Bastava girar sua manivela para que o bufão emergisse, sorridente e silencioso. Mas à meia-noite, ele se transformava no verdadeiro demônio: o palhaço infernal.
O inspetor ficou em silêncio. A caixa parecia pulsar, como se escutasse cada palavra.
— E agora? — perguntou Raul.
Elias olhou para ele, pálido.
— Agora... ela está aberta. E o demônio está solto.
Continua...

