"Hoje o sol não brilhou.
"Os pássaros silenciaram.
Os risos se extinguiram.
E as lágrimas tombaram sobre meu rosto.
O coração, este, sangra em silêncio."
05.01.2010
Os olhos cor de ônix de Peter estavam cravados no espelho, fitando um reflexo que já não lhe pertencia. O terno negro moldava-se ao corpo esguio, ressaltando-lhe a firmeza dos músculos, mas em nada lhe conferia vaidade. O cabelo, disciplinado e penteado para trás, não era capaz de resgatar a dignidade que o semblante lhe roubava: pálido, abatido, com olhos vermelhos e inchados, denunciando a vigília de uma noite em claro.
O sorriso largo, outrora sua marca, havia desaparecido, sepultado sob o peso da dor.
Naquele dia, alegria era uma palavra profana.
Frustrado, ele lutava contra a gravata. Não pela falta de habilidade, mas porque a mente vagava — perdida em um luto que não lhe permitia sequer prender-se ao gesto mais banal.
— Você já está pronto? — a voz feminina rompeu o silêncio às suas costas.
Pelo espelho, Peter encontrou o olhar da jovem. Engoliu em seco, desviando para a própria imagem.
— A gravata... não consigo — confessou, num sopro quase inaudível.
O reflexo dela esboçou um sorriso frágil, e logo os passos hesitantes a conduziram até ele.
— Deixe-me ajudá-lo — murmurou, erguendo as mãos delicadas para desfazer-lhe o nó imperfeito.
Peter acompanhava-lhe cada traço: a mandíbula retesada, os olhos marejados que a franja não conseguia esconder, o vestido negro que, embora fosse cor favorita da jovem, naquela ocasião carregava um peso fúnebre. Ele sabia: Victória passara a madrugada em prantos. Tentara sufocar os soluços, mas ele os ouvira. Cada um deles.
— Pronto — disse ela, ajeitando-lhe a gravata com uma voz embargada.
— Obrigado — murmurou, num fio de voz.
Ela tentou sorrir, mas os lábios tremiam e cederam à torrente de lágrimas que lhe desciam abundantes pelo rosto.
— Estão... — ela soluçou, afastando-se dele — estão nos esperando lá embaixo. Eu... eu sinto tanto — sussurrou, antes de virar-se e desaparecer pela porta.
Peter permaneceu imóvel por um instante. Então, encarou o espelho mais uma vez. O reflexo devolvia-lhe um semblante vazio, olhos carregados de um peso inominável. Ao lado, sobre a cômoda, um porta-retrato. A imagem congelada de um sorriso radiante ao lado de uma jovem. Um sorriso que agora lhe parecia uma relíquia, distante e inalcançável.
Sentiu-se estrangeiro diante da própria vida: incapaz de reconhecer-se no garoto da fotografia, mas também no homem esgotado do espelho.
Impulsionado pela dor, agarrou o primeiro objeto que encontrou e o lançou contra o vidro. O estilhaço rompeu o silêncio e espalhou-se em mil cacos reluzentes pelo chão.
Peter apoiou-se no batente da porta. Uma lágrima quente deslizou silenciosa por sua face exausta. Assim como o espelho quebrado diante dele, Peter Bonneville estava em pedaços.