O Sacrifício-Part. 1
Robson Pinheiro Cruz
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 21/09/25 21:34
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 4min
Apreciadores: 0
Comentários: 0
Total de Visualizações: 56
Usuários que Visualizaram: 1
Palavras: 596
Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

Título: O Sacrifício

Autor: Robson Pinheiro Cruz

Data:07/07/2023

Capítulo Único O Sacrifício-Part. 1

Era uma noite enluarada na velha fazenda de Seu Antão. Por décadas, ele fora um homem honesto e trabalhador, mas a terra árida que herdara parecia ter perdido toda a esperança. A seca castigava os campos, os animais definham, e a pobreza se tornava insuportável. Cansado de lutar contra o destino, Antão começou a murmurar, a reclamar baixinho — mal sabia ele que as trevas estavam escutando.

— Pai, os bichos vão morrer de fome... — alertava Pedro, seu filho de oito anos, com os olhos marejados.

— Filho, eu não sei mais o que fazer. Não temos dinheiro nem comida... — respondeu Antão, com a voz embargada. A essa altura, pensamentos sombrios já rondavam sua mente. Pela primeira vez, considerou o suicídio.

Naquela mesma noite, colocou Pedro para dormir e saiu para a varanda, acendendo seu cigarro de palha. Foi então que deu de cara com um senhor idoso, maltrapilho, de olhar profundo e andar arrastado.

— O senhor teria algo pra eu comer? — pediu o velho.

— Não temos nada, meu senhor... nem pra nós. — respondeu Antão, desolado.

O velho sorriu, e sua voz mudou de tom.

— Eu posso lhe ajudar.

— Mas como, se o senhor está pedindo comida?

De repente, o vento soprou gelado. O velho começou a gargalhar. Seus olhos tornaram-se vermelhos como brasas, e um cheiro de enxofre tomou o ar. A figura diante dele já não era apenas um homem.

— Faça um pacto comigo... e terás tudo o que deseja.

Antão hesitou. Sentia-se tentado, mas não tinha coragem.

— Eu posso mudar sua história — insistiu o velho. — E o preço? — perguntou Antão. — Não tenho nada a oferecer.

— Por enquanto, apenas sua alma... quando morrer.

O silêncio caiu como um manto. Antão olhou para a casa, pensou em Pedro, pensou na fome. E então, murmurou:

— Está feito.

Uma fumaça densa envolveu o velho. Sua forma se distorceu, transformando-se em uma criatura humanóide com cabeça e pés de bode, corpo de homem e asas negras. Era o próprio diabo.

Ele apresentou um contrato e uma caneta de pena. Furou o dedo de Antão, que assinou com o próprio sangue. O vento soprou mais uma vez, e o diabo desapareceu.

O galo cantou. Antão acordou assustado. Teria sido um pesadelo?

Mas ao abrir a porta, viu um milharal repleto de espigas, hortaliças viçosas, vacas com bezerros e porcas prestes a parir. A terra florescia como nunca antes. E naquele mesmo instante, um moço do cartório chegou à propriedade com uma notícia: o tio-avô de Antão havia morrido e deixado toda a herança para ele.

Antão ficou em choque. Ficara rico da noite para o dia.

O tempo passou. A fazenda prosperava, mas Pedro começou a definhar. Ficava magricela, pálido, sem forças. Foi então que Antão voltou a murmurar, e o velho apareceu novamente.

— Você aqui de novo? Achei que fosse um pesadelo...

O velho gargalhou e, diante dos olhos de Antão, transformou-se novamente no diabo — cabeça e pés de bode, corpo de homem.

— O que você quer de mim? — perguntou Antão, apavorado.

— Vim buscar seu filho.

— Mas você pediu minha alma! — protestou Antão.

— Era parte do acordo. Preciso de uma alma inocente.

Antão tentou renegociar, implorar, resistir. Mas era tarde demais. A criatura estendeu a mão e, com um gesto sombrio, transformou Antão em um espantalho murcho, preso no meio do milharal. Seus olhos, agora ocos, observavam o campo que florescia às custas de sua alma.

O diabo, então, assumiu a forma de uma velha senhora, gentil e acolhedora, que se prontificou a cuidar de Pedro até que ele crescesse, se casasse e tivesse filhos.

Mas essa... é outra história.

Continua...

❖❖❖
Notas de Rodapé

“Seu Antão” — Personagem arquetípico do homem do campo brasileiro, representa a luta contra a natureza e o destino. O nome remete à tradição oral, evocando figuras paternas e respeitadas.

“A terra árida que herdara” — A herança simboliza não apenas bens materiais, mas também o fardo ancestral de sobrevivência em condições hostis.

“Pensamentos sombrios já rondavam sua mente” — Indício da fragilidade emocional diante da miséria, abrindo espaço para forças ocultas.

“Cigarro de palha” — Elemento típico da vida rural, usado aqui como ritual de transição entre o mundo real e o sobrenatural.

“Olhos vermelhos como brasas” — Imagem clássica do diabo na literatura popular, remetendo ao folclore e à iconografia cristã.

“Contrato assinado com sangue” — Símbolo do pacto irrevogável, presente em narrativas demoníacas desde o Fausto de Goethe até lendas sertanejas.

“Milharal repleto de espigas” — Representa a abundância ilusória, fruto de um acordo profano.

“Pedro começou a definhar” — A prosperidade material contrasta com a decadência espiritual e física, sugerindo que nada é gratuito.

“Espantalho murcho” — Metáfora da punição eterna: Antão torna-se parte da paisagem que tanto desejou cultivar, mas sem vida ou liberdade.

“Velha senhora gentil” — A transformação do diabo em figura acolhedora reforça a ideia de que o mal pode se disfarçar de cuidado e proteção.

Apreciadores (0) Nenhum usuário apreciou este texto ainda.
Comentários (0) Ninguém comentou este texto ainda. Seja o primeiro a deixar um comentário!

Outras obras de Robson Pinheiro Cruz

Outras obras do gênero Drama

Outras obras do gênero Fantasia

Outras obras do gênero Mistério

Outras obras do gênero Sobrenatural