Era uma noite enluarada na velha fazenda de Seu Antão. Por décadas, ele fora um homem honesto e trabalhador, mas a terra árida que herdara parecia ter perdido toda a esperança. A seca castigava os campos, os animais definham, e a pobreza se tornava insuportável. Cansado de lutar contra o destino, Antão começou a murmurar, a reclamar baixinho — mal sabia ele que as trevas estavam escutando.
— Pai, os bichos vão morrer de fome... — alertava Pedro, seu filho de oito anos, com os olhos marejados.
— Filho, eu não sei mais o que fazer. Não temos dinheiro nem comida... — respondeu Antão, com a voz embargada. A essa altura, pensamentos sombrios já rondavam sua mente. Pela primeira vez, considerou o suicídio.
Naquela mesma noite, colocou Pedro para dormir e saiu para a varanda, acendendo seu cigarro de palha. Foi então que deu de cara com um senhor idoso, maltrapilho, de olhar profundo e andar arrastado.
— O senhor teria algo pra eu comer? — pediu o velho.
— Não temos nada, meu senhor... nem pra nós. — respondeu Antão, desolado.
O velho sorriu, e sua voz mudou de tom.
— Eu posso lhe ajudar.
— Mas como, se o senhor está pedindo comida?
De repente, o vento soprou gelado. O velho começou a gargalhar. Seus olhos tornaram-se vermelhos como brasas, e um cheiro de enxofre tomou o ar. A figura diante dele já não era apenas um homem.
— Faça um pacto comigo... e terás tudo o que deseja.
Antão hesitou. Sentia-se tentado, mas não tinha coragem.
— Eu posso mudar sua história — insistiu o velho. — E o preço? — perguntou Antão. — Não tenho nada a oferecer.
— Por enquanto, apenas sua alma... quando morrer.
O silêncio caiu como um manto. Antão olhou para a casa, pensou em Pedro, pensou na fome. E então, murmurou:
— Está feito.
Uma fumaça densa envolveu o velho. Sua forma se distorceu, transformando-se em uma criatura humanóide com cabeça e pés de bode, corpo de homem e asas negras. Era o próprio diabo.
Ele apresentou um contrato e uma caneta de pena. Furou o dedo de Antão, que assinou com o próprio sangue. O vento soprou mais uma vez, e o diabo desapareceu.
O galo cantou. Antão acordou assustado. Teria sido um pesadelo?
Mas ao abrir a porta, viu um milharal repleto de espigas, hortaliças viçosas, vacas com bezerros e porcas prestes a parir. A terra florescia como nunca antes. E naquele mesmo instante, um moço do cartório chegou à propriedade com uma notícia: o tio-avô de Antão havia morrido e deixado toda a herança para ele.
Antão ficou em choque. Ficara rico da noite para o dia.
O tempo passou. A fazenda prosperava, mas Pedro começou a definhar. Ficava magricela, pálido, sem forças. Foi então que Antão voltou a murmurar, e o velho apareceu novamente.
— Você aqui de novo? Achei que fosse um pesadelo...
O velho gargalhou e, diante dos olhos de Antão, transformou-se novamente no diabo — cabeça e pés de bode, corpo de homem.
— O que você quer de mim? — perguntou Antão, apavorado.
— Vim buscar seu filho.
— Mas você pediu minha alma! — protestou Antão.
— Era parte do acordo. Preciso de uma alma inocente.
Antão tentou renegociar, implorar, resistir. Mas era tarde demais. A criatura estendeu a mão e, com um gesto sombrio, transformou Antão em um espantalho murcho, preso no meio do milharal. Seus olhos, agora ocos, observavam o campo que florescia às custas de sua alma.
O diabo, então, assumiu a forma de uma velha senhora, gentil e acolhedora, que se prontificou a cuidar de Pedro até que ele crescesse, se casasse e tivesse filhos.
Mas essa... é outra história.
Continua...

