Naquela pequena aldeia perdida entre colinas e florestas densas, as noites sempre foram assombradas por rumores sobre uma criatura lendária: o Chupa-Cabra.
Para os moradores, ele não era apenas uma lenda, mas uma presença inquietante que se esgueirava nas sombras, como um sussurro que se tornava um grito ensurdecedor na plena escuridão.
Na casa de Dona Elvira, uma velha que sempre mantinha um olhar atento e desconfiado, a história do Chupa-Cabra era mais do que um conto. Ouvira os vizinhos falar sobre as cabras que desapareciam e como, nas primeiras luzes da manhã, encontravam os corpos das pobres criaturas, secos e marcados por garras.
O medo se espalhara pela aldeia como fogo em pasto seco; cada noite trazia consigo o receio de que a próxima vítima seria um dos seus.
Dona Elvira, porém, tinha uma conexão especial com os animais. Cuidava de suas cabras como se fossem suas filhas, alimentando-as com carinho e sussurrando palavras de conforto.
Mas, numa madrugada silenciosa, ela despertou com o som de balidos desesperados. Seu coração disparou; era o sinal de que algo estava errado.
Com uma lanterna trêmula em mãos, a velha saiu de casa, a névoa envolvendo seus pés. As sombras dançavam ao seu redor enquanto ela se aproximava do cercado.
Um grito cortante ecoou na escuridão. Quando a luz da lanterna atingiu o local, lá estava a cena que a gelou até os ossos: uma de suas cabras jazia no chão, com a barrigada espalhada no solo e olhos esbugalhados.
Mas, ao invés de se deter ali, um movimento ágil chamou sua atenção. Uma figura híbrida se movia entre as árvores, a silhueta parecendo se fundir com a escuridão.
O coração de Dona Elvira afundou; ela podia sentir a presença do Chupa-Cabra. Não era mais um mito ou uma história contada à luz da fogueira. Era real, e estava à espreita.
Decidida a confrontar o medo, a velha ergueu a lanterna e a direcionou para a figura. O que viu a fez estremecer.
Ali estava o Chupa-Cabra — uma criatura de aparência grotesca e fascinante. Sua pele era acinzentada, coberta por escamas finas que refletiam a luz como metal envelhecido. Os olhos, grandes e brilhantes, pareciam lanternas vivas, mas havia neles uma tristeza profunda, quase humana.
Seus membros eram longos e magros, com garras curvas e afiadas que pareciam feitas para rasgar, mas também para escalar e se esconder. A boca, repleta de dentes pontiagudos, não exibia raiva — apenas dor. E em seu rosto, uma estranha mistura de feições humanas e bestiais revelava uma alma em conflito.
Quando o ser deu um passo à frente, Dona Elvira sentiu um puxão em seu coração. A criatura não era apenas um monstro; era um ser perdido, um híbrido entre humano e besta, marcado pela dor de sua própria existência.
“Ajude-me”, sussurrou a criatura com uma voz rasgada. “Eu não queria fazer isso.”
Era um apelo desesperado, e enquanto as palavras ecoavam na mente de Dona Elvira, ela percebeu: aquele ser estava preso em um ciclo de horror, incapaz de controlar sua natureza.
O Chupa-Cabra não era apenas um devorador — era uma alma atormentada, cercada pela solidão e pela necessidade.
A velha sentiu compaixão pela criatura, mas sabia que a aldeia jamais aceitaria isso. As mães ensinavam seus filhos a temer o Chupa-Cabra, a vê-lo como um demônio a ser exterminado.
Naquele momento, Dona Elvira fez uma escolha. Ela pegou uma de suas cabras do cercado e a ofereceu à criatura.
“Leve-a e vá, antes que descubram que esteve aqui”, disse ela, com a voz embargada.
A criatura hesitou, a dor em seus olhos misturada à gratidão, e em um movimento ágil, desapareceu na floresta, levando consigo a cabra.
As noites seguintes foram marcadas por um silêncio profundo. Não houve mais relatos de desaparecimentos, e a aldeia começou a respirar aliviada.
Mas Dona Elvira sabia o que acontecera. Em seu coração, havia um vazio — uma ligação com a criatura que a sociedade nunca entenderia.
E assim, em uma dança macabra entre luz e escuridão, o Chupa-Cabra se tornou parte de sua história. Uma sombra que nunca a deixaria em paz.
Ela continuou cuidando de seu rebanho, mas em cada balido sentia a presença do que um dia fora um ser humano — um eco de sua escolha, perdendo-se na solidão da floresta.
E, em cada luar que se erguia, os olhos da criatura brilhavam, observando de longe, eternamente gratos e eternamente perdidos.

