A Maldição
Robson Pinheiro Cruz
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 28/09/25 10:42
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[Texto Divulgado] "Desejo Insano — Versão Hot" No camarim número 6, entre espelhos quebrados e fantasias rasgadas, Rafael ainda veste a pele do monstro — literalmente. Quando Dênis, o produtor, entra no recinto, o que começa como provocação teatral se transforma em um ritual de instintos primitivos. Desejo Insano é um conto de terror queer onde o medo e o desejo se confundem, e o palco se torna território de caça. Quando a luz apaga, não há mais personagem — só carne, suor e pulsação.
Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

Título: A Maldição

Autor: Robson Pinheiro Cruz

Data:12/12//2024

Capítulo Único A Maldição

Laércio e Catarina viviam em Joanópolis, uma pequena cidade situada entre Minas Gerais e São Paulo. Com muito esforço, Laércio mantinha um sítio com criação de porcos, um vasto pomar e um belo milharal — herança do pai de Catarina, que era professora. Apesar da vida rural, Laércio trabalhava como mecânico na capital paulista.

O casal tinha sete filhos: seis meninas — Elisa, Melina, Irina, Natália, Judite e Sol — todas muito bonitas, e o caçula Bernardo, entre 12 e 13 anos. Magro, sardento, de cabelos ruivos e olhos amendoados, Bernardo era alto para sua idade e extremamente estudioso. Seu tio Adamastor, irmão mais velho de Catarina, decidiu levá-lo para São Paulo. Sem filhos e com boas condições financeiras, queria custear os estudos do sobrinho.

Madalena, irmã mais velha de Laércio, costumava visitar a família e sempre insistia: — Catarina, Laércio... Vocês deviam ter deixado Elisa batizar o Bernardo. Já vi muito disso acontecer...

— Lena, essas bobagens não existem. O padre Joaquim disse que um batismo basta — respondeu Laércio, tentando encerrar o assunto.

— Sei não, viu? Tenho medo... — retrucou Madalena, séria.

— São só lendas, cunhada. Histórias dos antigos pra nos assustar — disse Catarina, com sua serenidade de professora.

O tempo passou e Bernardo cresceu. O menino magro deu lugar a um médico cobiçado, belo e musculoso, cuja virilidade atraía olhares por onde passava. Inteligente, já possuía propriedades herdadas de Adamastor, que havia falecido e deixado tudo em seu nome.

— Preciso viajar, Josefa. Cuide de tudo por aqui — disse Bernardo à governanta.

Em Joanópolis, todos aguardavam ansiosos por sua chegada. Uma festa surpresa estava preparada, mesmo sendo tempo de quaresma. Naquela noite, uma tempestade intensa tomava conta do céu. Trovões ensurdecedores e relâmpagos cortavam a escuridão. Bernardo sentia-se perseguido, nervoso e ofegante. Ao atravessar uma moita de bambu, caiu em um pântano repleto de porcos. Os suínos se aproximaram de seu corpo nu, como se quisessem devorá-lo. De repente, suas mãos estavam cobertas de sangue — mas ele não sentia dor. De onde vinha aquele líquido rubro?

— Senhor! Senhor! — chamou a aeromoça, preocupada.

Bernardo acordou sobressaltado na poltrona do avião, suado.

— Me desculpe... Era só um pesadelo.

Ao chegar de táxi, sentia uma presença familiar, difícil de decifrar. Era uma mistura de aperto e emoção — afinal, estava de volta ao lugar onde nasceu.

— Meu filho! Que saudade! — disseram Catarina e Laércio, recebendo-o com carinho. No salão, estavam suas irmãs, colegas de infância e o novo padre da paróquia, Dimitri.

— Este é o novo padre, filho — apresentou Laércio.

— Satisfação, Bernardo — disse Dimitri, sentindo uma energia densa e opressora no ar. Tentou disfarçar, mas a sensação era palpável.

— Está suando frio, padre. Posso ajudá-lo? — ofereceu o doutor.

— Não, não foi nada. Apenas um resfriado. Preciso voltar à capela. Depois venha me visitar, quem sabe no culto de domingo? — despediu-se apressado.

Na igreja, ajoelhou-se diante do altar. Algo não estava certo com aquele jovem. Dimitri já havia sentido aquilo antes, durante o Propedêutico, numa comunidade nos confins do Paraná.

— Bernardo, você está um gato! Todas as garotas estão te devorando com os olhos! — brincou Sol, a irmã mais nova.

Mas foi Glayce quem chamou sua atenção: uma jovem negra, de cabelos encaracolados e olhos azuis, alta e com corpo escultural. Jornalista e amiga de Elisa, estava na cidade para fazer um documentário sobre cultura e lendas locais.

— Maninho, essa é Glayce! — apresentou Elisa.

— O prazer é todo meu, senhorita — disse Bernardo, beijando-lhe a mão. A química entre os dois era evidente.

— Bernardo, você nem parece o mesmo! — brincou Ariel, amigo de infância.

— Que surpresa boa! Cadê o Ruan?

— Está com a Sol. Estão namorando.

— Malandro! Sempre dizia que ia casar com uma das meninas. E você, o que tem feito?

— Assumi o comércio do pai. Transformamos em pousada. Depois vá lá conhecer!

Bernardo sentia-se em casa, como se tivesse voltado à infância. E agora, estava encantado por Glayce como nunca estivera por ninguém.

Na segunda noite em Joanópolis, durante a quaresma, a lua cheia surgiu entre nuvens. Era domingo. Enquanto os pais e irmãs foram ao culto, Bernardo ficou em casa, indisposto.

Quando a lua despontou, sua pele começou a queimar. Rasgou as roupas, enquanto pelos escuros e grossos cobriam seu corpo. Seus olhos tornaram-se rubros, sua boca se alongou em um focinho suíno. Dentes viraram presas. Gemidos de dor se transformaram em grunhidos.

Seus pés viraram cascos, mãos se tornaram garras. Curvado, assumiu a forma de uma criatura suína e medonha. Cães latiam, porcos se agitavam. A criatura estava sedenta por sangue. Em ataque feroz, arrancou cabeças de pit bulls e devorou porcos do chiqueiro.

Um vizinho ouviu os gritos e correu à paróquia. Laércio e Catarina voltaram às pressas, assustados com a ausência do filho e a carnificina. A polícia foi chamada. Glayce entrevistou o cabo e registrou tudo.

Padre Dimitri apareceu para consolar a família. Agora tudo fazia sentido. Sua intuição estava certa. Havia algo não humano em Bernardo.

Pensamentos do padre voltaram ao Propedêutico: estudos antigos, relatos verídicos, lendas do folclore brasileiro.

Só restava uma hipótese...

O sétimo filho daquele casal era, na verdade, o lobisomem porcão.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Joanópolis é conhecida como a “capital do lobisomem” no folclore brasileiro, sendo palco de diversas lendas e festivais relacionados à criatura.

Quaresma é o período de 40 dias que antecede a Páscoa, tradicionalmente associado à reflexão, penitência e abstinência. Muitas lendas populares ligam esse tempo a manifestações sobrenaturais.

Propedêutico é uma etapa inicial de formação nos seminários católicos, voltada ao discernimento vocacional e fundamentos da fé.

Lobisomem porcão é uma variação regional do mito do lobisomem, presente em narrativas do interior do Brasil, onde o sétimo filho não batizado pode se transformar em uma criatura híbrida entre homem e porco.

Batismo múltiplo é uma crença popular segundo a qual o sétimo filho deve ser batizado por uma irmã para evitar maldições — prática comum em comunidades rurais brasileiras.

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