Laércio e Catarina viviam em Joanópolis, uma pequena cidade situada entre Minas Gerais e São Paulo. Com muito esforço, Laércio mantinha um sítio com criação de porcos, um vasto pomar e um belo milharal — herança do pai de Catarina, que era professora. Apesar da vida rural, Laércio trabalhava como mecânico na capital paulista.
O casal tinha sete filhos: seis meninas — Elisa, Melina, Irina, Natália, Judite e Sol — todas muito bonitas, e o caçula Bernardo, entre 12 e 13 anos. Magro, sardento, de cabelos ruivos e olhos amendoados, Bernardo era alto para sua idade e extremamente estudioso. Seu tio Adamastor, irmão mais velho de Catarina, decidiu levá-lo para São Paulo. Sem filhos e com boas condições financeiras, queria custear os estudos do sobrinho.
Madalena, irmã mais velha de Laércio, costumava visitar a família e sempre insistia: — Catarina, Laércio... Vocês deviam ter deixado Elisa batizar o Bernardo. Já vi muito disso acontecer...
— Lena, essas bobagens não existem. O padre Joaquim disse que um batismo basta — respondeu Laércio, tentando encerrar o assunto.
— Sei não, viu? Tenho medo... — retrucou Madalena, séria.
— São só lendas, cunhada. Histórias dos antigos pra nos assustar — disse Catarina, com sua serenidade de professora.
O tempo passou e Bernardo cresceu. O menino magro deu lugar a um médico cobiçado, belo e musculoso, cuja virilidade atraía olhares por onde passava. Inteligente, já possuía propriedades herdadas de Adamastor, que havia falecido e deixado tudo em seu nome.
— Preciso viajar, Josefa. Cuide de tudo por aqui — disse Bernardo à governanta.
Em Joanópolis, todos aguardavam ansiosos por sua chegada. Uma festa surpresa estava preparada, mesmo sendo tempo de quaresma. Naquela noite, uma tempestade intensa tomava conta do céu. Trovões ensurdecedores e relâmpagos cortavam a escuridão. Bernardo sentia-se perseguido, nervoso e ofegante. Ao atravessar uma moita de bambu, caiu em um pântano repleto de porcos. Os suínos se aproximaram de seu corpo nu, como se quisessem devorá-lo. De repente, suas mãos estavam cobertas de sangue — mas ele não sentia dor. De onde vinha aquele líquido rubro?
— Senhor! Senhor! — chamou a aeromoça, preocupada.
Bernardo acordou sobressaltado na poltrona do avião, suado.
— Me desculpe... Era só um pesadelo.
Ao chegar de táxi, sentia uma presença familiar, difícil de decifrar. Era uma mistura de aperto e emoção — afinal, estava de volta ao lugar onde nasceu.
— Meu filho! Que saudade! — disseram Catarina e Laércio, recebendo-o com carinho. No salão, estavam suas irmãs, colegas de infância e o novo padre da paróquia, Dimitri.
— Este é o novo padre, filho — apresentou Laércio.
— Satisfação, Bernardo — disse Dimitri, sentindo uma energia densa e opressora no ar. Tentou disfarçar, mas a sensação era palpável.
— Está suando frio, padre. Posso ajudá-lo? — ofereceu o doutor.
— Não, não foi nada. Apenas um resfriado. Preciso voltar à capela. Depois venha me visitar, quem sabe no culto de domingo? — despediu-se apressado.
Na igreja, ajoelhou-se diante do altar. Algo não estava certo com aquele jovem. Dimitri já havia sentido aquilo antes, durante o Propedêutico, numa comunidade nos confins do Paraná.
— Bernardo, você está um gato! Todas as garotas estão te devorando com os olhos! — brincou Sol, a irmã mais nova.
Mas foi Glayce quem chamou sua atenção: uma jovem negra, de cabelos encaracolados e olhos azuis, alta e com corpo escultural. Jornalista e amiga de Elisa, estava na cidade para fazer um documentário sobre cultura e lendas locais.
— Maninho, essa é Glayce! — apresentou Elisa.
— O prazer é todo meu, senhorita — disse Bernardo, beijando-lhe a mão. A química entre os dois era evidente.
— Bernardo, você nem parece o mesmo! — brincou Ariel, amigo de infância.
— Que surpresa boa! Cadê o Ruan?
— Está com a Sol. Estão namorando.
— Malandro! Sempre dizia que ia casar com uma das meninas. E você, o que tem feito?
— Assumi o comércio do pai. Transformamos em pousada. Depois vá lá conhecer!
Bernardo sentia-se em casa, como se tivesse voltado à infância. E agora, estava encantado por Glayce como nunca estivera por ninguém.
Na segunda noite em Joanópolis, durante a quaresma, a lua cheia surgiu entre nuvens. Era domingo. Enquanto os pais e irmãs foram ao culto, Bernardo ficou em casa, indisposto.
Quando a lua despontou, sua pele começou a queimar. Rasgou as roupas, enquanto pelos escuros e grossos cobriam seu corpo. Seus olhos tornaram-se rubros, sua boca se alongou em um focinho suíno. Dentes viraram presas. Gemidos de dor se transformaram em grunhidos.
Seus pés viraram cascos, mãos se tornaram garras. Curvado, assumiu a forma de uma criatura suína e medonha. Cães latiam, porcos se agitavam. A criatura estava sedenta por sangue. Em ataque feroz, arrancou cabeças de pit bulls e devorou porcos do chiqueiro.
Um vizinho ouviu os gritos e correu à paróquia. Laércio e Catarina voltaram às pressas, assustados com a ausência do filho e a carnificina. A polícia foi chamada. Glayce entrevistou o cabo e registrou tudo.
Padre Dimitri apareceu para consolar a família. Agora tudo fazia sentido. Sua intuição estava certa. Havia algo não humano em Bernardo.
Pensamentos do padre voltaram ao Propedêutico: estudos antigos, relatos verídicos, lendas do folclore brasileiro.
Só restava uma hipótese...
O sétimo filho daquele casal era, na verdade, o lobisomem porcão.