A Carranca do Jardim
Robson Pinheiro Cruz
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 01/10/25 15:00
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 4min a 5min
Apreciadores: 0
Comentários: 0
Total de Visualizações: 30
Usuários que Visualizaram: 1
Palavras: 719
[Texto Divulgado] "Desejo Insano — Versão Hot" No camarim número 6, entre espelhos quebrados e fantasias rasgadas, Rafael ainda veste a pele do monstro — literalmente. Quando Dênis, o produtor, entra no recinto, o que começa como provocação teatral se transforma em um ritual de instintos primitivos. Desejo Insano é um conto de terror queer onde o medo e o desejo se confundem, e o palco se torna território de caça. Quando a luz apaga, não há mais personagem — só carne, suor e pulsação.
Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

Título:A Carranca do Jardim

Autor:Robson Pinheiro Cruz

Data:23/09/2024

Capítulo Único A Carranca do Jardim

No século XIX, na Fazenda Boa Esperança, o ciclo do café se desenvolvia de forma intensa, sustentado pelo trabalho escravo, que era fundamental para o avanço da cafeicultura no Brasil. O casarão da fazenda, imponente e grandioso, abrigava Rosalie, uma bela jovem de olhos azuis, pele rosada e corpo escultural, com cabelos louros como raios de sol. Ela mal conseguia conter a ansiedade enquanto aguardava a visita do Duque da região.

O jardim da propriedade era repleto de plantas variadas e flores exóticas, mas, ainda assim, algo parecia faltar. O Duque, o elegante Renato, trazia consigo um presente especial vindo de Portugal: uma carranca de madeira nobre, entalhada com detalhes cuidadosos, destinada a adornar o jardim da sinhá Adeláide, sua futura sogra.

Adeláide era uma mulher forte e determinada, proprietária de uma próspera lavoura de café, um engenho de cana e centenas de escravos. Após a morte súbita de seu marido, o Capitão Curiolando, que falecera de um infarto, toda a riqueza e responsabilidade recaíram sobre ela. Rosalie, sendo filha única, sentia o peso do legado que herdara, enquanto sua vida se entrelaçava com as expectativas da alta sociedade e as realidades da época.

— Mamãe, Renato está demorando. Será que ele não passou pelas currutelas? — questionou Rosalie, ansiosa.

— Isso é um despropósito, Rosalie! O senhor Renato é um Duque de boa família, um homem íntegro e, acima de tudo, ele te ama, minha querida — respondeu Adeláide.

— Sinhá, Sinhá! — gritou Rosa, esbaforida. — O sinhosinho Duque vem chegando!

— Rosa é Senhor Duque — completou Adeláide, corrigindo a escrava.

Uma comitiva de escravos se aproximava, puxando uma grande carroça que trazia uma estranha criatura. Era uma escultura de um animal com cabeça de leão, boca aberta e dentes à mostra, asas de águia, mas com pele que lembrava escamas, como uma esfinge entalhada em madeira, produzida por uma artesã muito rica, dona muitos vilarejos em Portugal, conhecida como Celina. Muitos diziam que ela era uma bruxa e que tinha um pacto com o “tinhoso”, como comentavam os escravos que vinham daquela região.

— Isso é pura crendice e superstições! — retrucava Adeláide.

A estátua, colossal, causava medo.

— Gostou, Dona Adeláide? — perguntou Duque Renato.

— Não precisava, Renato — respondeu a futura sogra.

Rosalie estava impressionada com o presente dado pelo noivo e encontrou um lugar no jardim, bem no meio. No entanto, os escravos se benziam com receio, afirmando que aquilo não era uma boa ideia, ainda mais por sua origem. Celina era famosa e respeitada na corte, mesmo tendo fama de bruxa.

Naquela noite de lua cheia, todos estavam no casarão quando ouviram gritos e choros vindos do lado de fora. Algumas escravas choravam, segurando troncos pequenos em seus braços; eram os corpos sem cabeça e sem pernas de duas crianças de cerca de oito anos.

— Foi essa coisa, sinhá — disse uma delas, com lágrimas nos olhos.

— Não diga besteira! Deve ter sido uma onça. É impossível! — pronunciou Adeláide.

As crianças foram enterradas, e toda a senzala entrou em luto. Com o passar dos dias, as plantações de café começaram a secar, e os animais da fazenda morreram misteriosamente. Renato estava de viagem para Portugal e despediu-se da sogra e de sua amada Rosalie.

— Quanto voltarás, amado? — perguntava Rosalie. — Terei de aguardar as transações de meu pai nas províncias, minha Rosalie — respondeu o Duque.

O Duque partiu com pesar, como se fosse a última vez que visse a noiva. Dias se passaram, e até a beleza do jardim estava se esvaindo. Numa noite de lua cheia, Rosalie e sua mucama foram para o jardim do casarão para se refrescar. De repente, ouviram um urro ensurdecedor. Quando olharam para trás, viram um imenso leão alado, com pele de serpente e dentes afiados. Não houve como escapar; a criatura abocanhou a bela Rosalie, arrancando-lhe a cabeça.

Joana, a mucama, conseguiu reunir forças para correr até o portão da senzala e gritou, gritou, até que foi devorada viva. Os escravos começaram a clamar pelos orixás, e a grande besta se afastou, tornando-se estátua novamente. Porém, já era tarde demais. Adeláide não se conformou e mandou partir a estátua em pedaços e queimá-la numa imensa fogueira com o auxílio do padre vindo da capital, para desfazer a maldição.

Portanto, o Duque Renato estava viúvo mesmo antes de se casar. Lembrando que toda crendice e superstição têm seu fundo de verdade.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Carranca: Escultura tradicional brasileira, geralmente usada em embarcações do rio São Francisco para afastar maus espíritos.

Ciclo do Café: Período histórico de grande expansão econômica no Brasil, especialmente no século XIX, marcado pela produção e exportação de café.

Currutelas: Pequenas vilas ou povoados, muitas vezes com fama de locais de diversão ou comércio informal.

Orixás: Divindades do candomblé e da umbanda, religiões afro-brasileiras que mesclam elementos africanos, indígenas e católicos.

Lua cheia de sangue: Fenômeno lunar associado a presságios em diversas culturas, frequentemente usado em narrativas de terror e mistério.

Apreciadores (0) Nenhum usuário apreciou este texto ainda.
Comentários (0) Ninguém comentou este texto ainda. Seja o primeiro a deixar um comentário!

Outras obras de Robson Pinheiro Cruz

Outras obras do gênero Fantasia

Outras obras do gênero Ficção Científica

Outras obras do gênero Mistério

Outras obras do gênero Sobrenatural