A névoa ainda não se dissipara quando Elric cruzou os portões de Brinwald. As ruas, estreitas e lamacentas, cheiravam a peixe podre e ferrugem.
Do mosteiro, restava-lhe apenas o silêncio — e um pequeno saco de moedas presas sob a túnica. Ouro e prata, deixados por Padre Aldred, “para a travessia”, dissera ele antes de calar-se de vez.
Elric não sabia ao certo o que buscava primeiro: companheiros ou coragem.
Mas sabiam-lhe dizer que ambos se encontravam no mesmo lugar — a Taberna do Cão Negro, o antro onde aventureiros e mercenários bebiam até esquecer seus próprios nomes.
O lugar exalava fumaça, cerveja azeda e um calor pegajoso que colava nas roupas.
As mesas eram pedaços de madeira rachada, e os rostos ali — homens de barba grossa, mulheres de olhar cansado — pareciam entalhados em pedra e pecado. Elric aproximou-se do balcão, tentando ignorar as risadas e os olhares curiosos.
O taberneiro, um homem largo como um barril, o mediu de cima a baixo. — Noviço? — perguntou, limpando um caneco com um pano encharcado.
— Já não — respondeu Elric, mais baixo do que pretendia. — Procuro viajantes. Homens que saibam lidar com o mar.
— Mar? — o taberneiro arqueou a sobrancelha. — O único mar que esses conhecem é o de cerveja.
Alguns riram por perto. Elric engoliu a vergonha e abriu a bolsa de moedas sobre o balcão.
O som do metal calou as gargalhadas.
— Pago em prata e ouro, — disse ele — a quem for digno de confiança. — o taberneiro o olhou por um instante, e então inclinou-se.
— Ouro atrai dentes afiados, rapaz. Cuidado com o que mostra.
Foi quando a música mudou.
Uma melodia leve e melancólica escapou do canto mais escuro da taberna. Uma voz feminina, rouca, mas bela como uma oração antiga, começou a cantar:
“Nas terras onde o sol não dorme,
Corre o rio sem nome e cor.
Ali o vento traz promessas,
E o chão se abre em flor.
Mas ai daquele que ousa colher...
Pois colhe junto o próprio ardor.”
Os dedos dela dançavam sobre um alaúde gasto, e cada nota parecia pesar mais que o vinho servido.
Era Maeve Darran, a barda nascida do fogo de Brinwald — cabelos em brasas ruivas, pele salpicada de sardas e olhos negros, profundos como poços.
Elric sentiu o peito apertar.
A canção falava de coisas que só ele deveria saber. Da flor. Da jornada.
Seria acaso… ou ironia divina? — pensou olhando-a. Maeve terminou a melodia e aproximou-se, o alaúde pendendo no ombro.
— Bonita bolsa essa, noviço. — disse, com um meio sorriso. — E mais bonita ainda a conversa que ouvi. Uma viagem ao Oriente, não é?
Elric se sobressaltou.
— Estava ouvindo? Aliás, já conhece o oriente?
Maeve sentou em cima do balcão riu e respondeu uma das perguntas:
— Eu apenas improvisei do que ouço aqui e... — ela olhou para toda a taberna, antes de continuar em um tom mais calmo e comedido.
— Difícil não ouvir quando o ouro canta mais alto que o alaúde. — respondeu ela, ajeitando-se ao balcão. — Ouvi dizer que busca companheiros. Pois bem, encontrei-me voluntária.
— Não aceito mulheres nessa jornada — replicou, firme, mas sem convicção. — Será longa, perigosa.
Maeve deu uma risada curta. — Homens morrem em viagens perigosas todos os dias. Mulheres, ao menos, sabem cantar antes de morrer.
Elric desviou o olhar.
— Eu não tenho como pagar muito e uma barda, é desperdiçar dinheiro, quando eu preciso mesmo é de uma espada.
— Não quero seu ouro. — ela interrompeu. — Sei me custear. — Passou o dedo pela borda do copo. — Onde há taverna, há ouvidos. E onde há ouvidos, há moedas.
Elric suspirou. — Ganha bem aqui. Por que partiria?
Maeve o fitou com os olhos sombrios.
— Porque é um inferno cantar pra homens que só sabem olhar pra minha pele e não pra minha música. — A voz vacilou, mas não cedeu.
— Sonho em ver o mundo. O mar de lava que dizem existir no sul, as águas salgadas que engolem navios, os animais com presas de marfim... e as pessoas do Oriente, com olhos pequenos e palavras sábias.
Elric a observava — e algo dentro dele se movia.
Naquele instante, ele percebeu: Aquilo era fé.
Não a fé dos monges ajoelhados em pedra fria, mas a fé viva, ardente, que fazia uma mulher sonhar com terras invisíveis, das quais só ouvia falar da boca de possíveis mentirosos.
Ela fala de mares e monstros como quem fala de Deus— pensou.
Mas talvez seja assim que o divino se revela — não nas orações, mas na fome de ver o que está além.
Maeve estendeu a mão.
— Então? Posso ir?
Elric hesitou por um momento que pareceu uma eternidade.
Depois, segurou a mão dela.
— Se for por fé… então que venha.

