Amor, aproveita o dia
Que pela manhã há sol
E o vento é frio em tua face,
Pela manhã há calmaria
E o ônibus não tarda em chegar,
Nas primeiras horas o café energiza
E a preguiça é só para arrastar o sotaque do teu 'bom dia',
No abrir dos olhos há o rosto do outro
E um beijo, na face, de alegria,
No levantar da cama o chão é frio
E espreguiçar-se não é enfadonho.
Amor, a lua surge no horizonte,
O sol cerrou o dia, deu-se por esgotado
E o ônibus em que voltas vem lotado,
Olha bem que 'agora' já tem um ar tão desgastado,
O frio já não é ameno e não há calor para esquentar,
A chuva cai forte e o café da manhã deu-se por gelar,
As costas vem destroçadas da má postura,
Teus saltos machucaram-te os pés
E o alívio de tirá-los não compensa, do uso, a tortura,
A louça suja pende sob o balcão,
As moscas fogem de tuas mãos
E atacam sem compaixão os restos do prato,
A água gelada que desce em teu esôfago
É um agouro do banho trêmulo que está por vir,
O macarrão instantâneo que sai fervendo do microondas
É teu fingimento noturno de deleite,
O beijo na face bidimensional e plana do retrato de quem já se foi
É um mero lembrete do que não há,
Antes que possas cair no sono.
Se dois períodos dentre vinte e quatro horas podem ser tão opostos,
O que te fazes pensar que na vida também não ocorre o mesmo?
Aproveita a companhia de quem te quer bem
E queira bem aos outros também.
Hoje sou só um pouco da poeira que habita tua residência,
Já fui parte de tua vida, hoje não me resta sequer a resiliência,
Espero que possas fugir da solidão,
Antes que a manhã se torne penosa
E que todos os dias sejam a noite que não amanheceu.
Espero que possas conhecer um alguém
Que torne toda noite luminosa
E que para todo cansaço que se impor,
A aurora venha e torne o dia ao teu dispor.