Desliguei o motor do carro, convicto de que o trânsito iria se estender — afinal, minutos se tornam horas facilmente. Não conseguia escolher o pior: as buzinas, os palavrões ou a vida medíocre de todas aquelas pessoas.
Não valia a pena perder a calma. Coloquei música, tentando não contaminar minha mente com a poluição de impaciência.
Quanto tempo permaneci ali é uma informação vaga.
— Quer comprar uma bala, moço?
Estaria mentindo se dissesse que não me assustei ao vê-la; aquele pequeno ser totalmente abandonado pela generosidade do destino.
No meu bolso, apenas algumas notas e um exemplar pequeno dos poemas de Fernando Pessoa. Não hesitei. Comprei umas vinte balas, talvez, e doei o livro para a menina.
— Essa é a melhor coisa que você pode fazer na vida. Ler.
Ela me olhou, confusa, mas ajeitou o livro debaixo do braço. A fome em seus olhos devorava a minha alma.
— Obrigada.
Quando ela saiu batendo nos vidros de outros carros, esqueci que era homem grande.
Chorei.

