Olha eu aqui, novamente. Em um ônibus cheiro de pessoas desconhecidas; sujas; deprimidas; odiosas; depravadas; crescidas.

Me irritando por coisas fúteis, mais uma vez. Meus fones quase estouram meus tímpanos, quem liga? Eu só desejo não ouvir tantas conversas desnecessárias num dia tão horrível! Afinal, todos temos dias ruins algumas vezes. Todavia, as minhas raridades são dias bons.

E esse mais um novo dia, começa com o desprazer de um casal bêbado e chapado ao último. De fato, odeio pessoas sem os princípios básicos de convivência e educação, DROGA! Mal comecei o dia e já está horrível!

-Por Cleópatra! -sussurro. -Desculpa, mas daria para parar de jogar sua "namorada" em cima de mim? -tiro um lado dos fones e espero uma resposta.

Termina de engolir a língua da amante e finalmente responde-me: -Desculpa... -o bafo de cachaça tonteia-me por segundos e de leve. -Nós casamos... Eu acho... -soluça e continua falando "besteira".

"-Caralho! Um casalzinho, ótimo dia!! Como estou feliz...!"

Veja só, a rua W3 tem uma nova loja! Será que eu li certo? É uma locadora? Quanto tempo não acho uma... Uh! Estou criando expectativas!? Pode não ser...

-Ei!?

Mas pode ser que seja!

-Ei!?

Contudo não tenho certeza!

-Ei!? Tá me ouvindo, cara?

("Como? 'cara'? O caralho!). -Claro, eu ouvi tudo -sorriu.

-Concorda?

-Aham! (Vai para o inferno!). -Mas deixa eu ensina-lo uma coisinha, que estava fazendo errado?

-Sim, já somos amigos –me dá um soco leve no braço.

(Não sou "seu amigo", nem sou homem!!)

Puxo a "Esposa" e a beijo de verdade, deixando minha marca única na memória daquela mulher. Fiz ela estremecer com um só beijo de tempo médio. Fiz aquilo que o "Marido" deixou a desejar. Fiz dentro de um ônibus lotado. Fiz e faria de novo! Bêbado míope que saiu de um boieiro!

-QUE!?

-Motorista! Eu quero descer aqui! -levanto o braço e grito. - Por favor, abra as portas!

-Volte aqui! Sua puta do inferno!

-Agora, eu sou mulher. Bom saber! -ergo a mão mostrando somente o dedo do meio. Por que esse gesto e um sinal de ofensa ou má educação? É só um dedo!...

Droga, vou ter que caminhar várias quadras! Que puta vontade de vomitar, aquela velha comeu merda ou o que? Vou ter que lavar, não, desinfetar a minha boca!

Acho que ela deixou algo na minha garganta ou foi só a língua dela?!

... Vomito todo meu café da amanhã, um chiclete e um dente dourado.

-Eita! Não era só a língua mesmo... Pelo menos, o gosto mortífero mudou para o de vomito e consegui um dente. Sinceramente, espero que não seja falso, como a cara dela.

-Não olhe, meu filho. Aquela moça só deve estar passando mau... -vira o rosto do moleque, quando o pega no colo.

"Passando mau"? Estou assim desde que nasci.

Mas ela é mãe, entendo que só queira proteger seu filho do mundo. Pena, a minha mãe não estar mais aqui, por que agora eu tenho coragem de dar um soco bem no meio da fuça dela.

Sim! Eu sou filha da maior PUTA, sou filha de uma puta! Aquela... Vaca...

-Ella!

Aproxima-se uma garota morena. Que vestia um vestido negro de tamanho médio com um cinto branco marcando o busto, um casaco branco e leve, calçando um salto preto e levando uma bolsa média de alça. Cabelo preso em um coque e dois brincos pequenos em suas orelhas.

-O que aconteceu hoje? -empoem um ar de autoridade, como se eu fosse filha dela e tivesse aprontado. Amizades...

Não adianta tentar mentir para essa pobre alma, já me viu de todas as formas possíveis e, mesmo assim, está comigo...ainda.

-Beijei a "esposa" de um bêbado no ônibus e, minha cara amiga, a moribunda comeu merda, só pode! -pego uma garrafa de água e jogo naquela nojeira.

Começa a rir: -Meu deus! Que sorte! Você podendo pegar até uma miss, beijando chapadas! -gargalha da minha cara.

-"Meu deus"? Por favor?! -começamos a caminhar, deixando a minha primeira refeição do dia para trás.

-Você sabe que eu ainda sou religiosa!? Não se faça de surpresa...

-Sei o seu "religiosa"... Não minta para mim.

-Para com isso! Eu sou religiosa... Ainda.

-É sim... Até tocarem o seu ponto fraco –delírio em risos sinceros.

-Ok...! -fica brabinha.

Como ela ainda me suporta? Sério, acho que nem eu mesma me suportaria. Ela tronou-se uma mulher incrível...

Quase me perco nas lembranças, mais uma vez.

-Ella! Isa! -chama uma baixinha fofinha de cabelos curtos e arroxados. Usando uma blusa branca e por cima um colete azul marinho com rosas brancas, saia preta que ia até um palmo acima do joelho, meias (¾) pretas. Assim estava a pequena garota.

-Finfi! Como está? Ontem saiu mais cedo, sem falar nada –enche as bochechas e faz bico, como se realmente estivesse braba, que morena bobinha.

Tenho sorte de tê-las como companheiras de...

Acho que sou um poço de azar para ambas. Apareci na vidas delas e cometi tantos erros. Será que em algum momento passou nessas cabecinhas que eu sou o motivo para ainda estarem aqui?

-Ella?!

-Que foi? -volto a conversa.

-Você está distraída, mais que o normal, hoje. Aconteceu algo? -limpa os óculos a baixinha, revelando suas pintinhas.

-Liga não. Ela teve o útero limpo com um beijo que deu numa qualquer no ônibus –gargalha a morena.

-Para tudo! Me conta melhor essa história! -curiosa que só, essa Finfi.

-Eu penso que vão ter de deixar para falar da minha vida depois, já chegamos.

Paramos em frente de um prédio com uns tintas andares externos e quarenta internos no solo. Resumindo, o lugar mais chato do mundo. Trabalho...!

-Tudo bem. Isa, conte-me no almoço.

-Claro.

"Suas cretinas, como podem tronar a minha vida interessante?"

"[...] Os erros do passado podem afetar, tanto, o presente? Quer dizer, é normal ter tantos problemas? [...]"