Nós somos invisíveis. Perante você, perante a sociedade. Mas o que nos torna invisíveis se não somos diferentes de você? O que faz surgir essa indiferença que nos segrega de tudo e de todos? Nós não somos humanos? Nós somos animais?
Diferente de outros como eu, tive a sorte de conhecer minha família, tive planos e sonhos como qualquer outra pessoa. Acordo todos os dias pensando que algo possa surgir e melhorar as condições em que vivo, mas nem sempre esse pensamento vem à tona quando percebo que estou vivendo em um pedaço do inferno; pagando pelos pecados que nunca cometi.
Os robôs de nariz e cabeça erguida, caminhando pela calçada apressados e fervorosos, parecem ter um rumo em mente; uma direção. Sabem para onde ir, e possuem um lugar para retornar. O fluxo desses robôs — quase sempre aparentemente cegos — era sempre grande, invadindo o nosso pequeno e sujo espaço. Acredito que suas responsabilidades e atarefas são tão extensas que os tornam cegos.
Poderia me sentir um lixo, misturando-me aos entulhos que ali existem. Um simples pedaço de papel ou papelão jogado e descartado, porém, sinto-me muito pior que isso; acho que sou indigente, inexistente, irreal, um rabisco que fora apagado por uma borracha.
Nem sempre nós tomamos o mesmo rumo e muito menos temos um final predestinado. Alguns se rendem a uma vida mais acabada do que já é, outros, como eu, tentam seguir em frente em uma caminhada incessante, com uma esperança que aparenta se esgotar diariamente.
Nós vivemos como você. A única diferença é que, ao contrário de você, nós simplesmente não existimos. Ou melhor, para você e para qualquer outra pessoa, não podemos existir. Parece que são vocês quem nos fazem reais. Nós vivemos como você. A única diferença é que somos indigentes, invisíveis em um mundo onde tudo parece ser mais importante e real. Nós vivemos como você, mas parece que nossas vidas são mais pútridas que as suas.
Você.
Nós somos como você, mas seus pensamentos e suas ações nos tornam divergentes. Queremos existir, queremos ter voz, mas não podemos, porque ninguém ouve e muito menos vê alguém invisível. E isso nos cansa e nos desmotiva, fazendo-nos ficar sentados e cabisbaixos em uma calçada qualquer, olhando e observando, em silêncio, aquele mesmo fluxo de robôs passarem em nossa frente e nos ignorarem como se fossemos invisíveis.
Não tema! Olhe nos meus olhos! Trate-nos como qualquer outra pessoa! Eu não sou invisível, a não ser que você queira que eu seja. Nós somos invisíveis aos seus olhos cegos.