Smoke mantinha o olhar sobre Samuel enquanto sua expressão possuía uma tristeza indescritível. Havia percebido o quanto alguém que antes lhe fazia tão bem agora lhe fazia tão mal. O pior de tudo é que a culpa não era de ninguém além de si própria. Missbrukare sabia como Mendes era: uma pessoa que não amava ninguém além dele mesmo e não se importava com nada além de seus próprios desejos.
Porém, tente dizer ao coração que o que você sente é apenas atração carnal; você não tera controle nem capacidade alguma de fazê-lo seguir isso.
Era como a frase que sua mãe costumava lhe dizer: o coração é surdo quando se trata de ouvir seu cérebro.
Smoke respirou fundo ao se lembrar da citação escutada regularmente. Agora entendia completamente o que era lhe dito.
Se fosse há um ano atrás, estaria sorrindo como uma boba e seus olhos possuiriam tamanho brilho por vê-lo ali, deitado em sua cama com uma aparência angelical digna de ser comparada aos céus mas, no presente, tudo o que tinha eram seus lábios reprimidos demonstrando sua tentativa de segurar o choro que estava prestes a descer de seus olhos opacos, que agora sem brilho algum encaravam aquele que na realidade era um ser infernal em sua vida.
Mendes pendeu sua cabeça para o lado, buscando algum sinal que o ajudasse a entender o que se passava na mente da mulher à sua frente. O telefone tocou e seus olhares se encontraram mas, após alguns segundos, Sammy apenas deu de ombros, pegando o objeto eletrônico e uma cartela sobre a cabeceira e atendendo o celular enquanto acendia um dos cigarros.
— Alô, Jessie? Estou em casa. — A primeira tragada foi dada e algo foi dito do outro lado da linha. Ele se levantou e encarou Missbrukare novamente, desta vez de cima a baixo e caminhou até o banheiro, adentrando o mesmo sem fechar a porta, permitindo que ela ouvisse o resto da ligação. — Agora não, venha a noite. — A frase atuou como um soco no rosto de Smoke e as lágrimas antes presas foram liberadas, mas logo limpas com os pulsos da mesma enquanto se colocava de pé, vestindo suas roupas. — Ok. Tchau. — Peter arqueou uma das sobrancelhas ao vê-la se vestir; a mulher sempre ficava pela manhã para que repetissem a dose da noite anterior mais uma vez. A garota praticava a ação bruscamente, demonstrando sua raiva a cada movimento que fazia. — O que foi dessa vez? — Perguntou segurando um de seus braços, a fazendo parar o que fazia para encara-lo. Samuel franziu a testa ao ver que a moça chorava e depois soltou um riso. — Você está assim por causa da Jessie? Céus, você é patética. Não venha com seus pitis, você é apenas uma foda fixa e deixei isso claro desde o começo. Posso foder quem eu quiser, quando eu quiser então me poupe do seu showzinho. Você é só mais uma, isso nunca vai mudar. — Peter sorriu sarcasticamente antes de soltar o braço de Kare e tragar seu cigarro novamente.
Dizem que a dor de ser abandonada pela pessoa que ama não é algo tão catastrófico, que não é nada comparado a dor de perder alguém. O que essas pessoas não sabem é que quando isso ocorre, você perde sim alguém; você perde a si mesma. Era isso o que estava acontecendo com Smoke naquele momento enquanto o furacão de palavras a atingia, ela estava morrendo, perdendo um de seus poucos “eu’s” e enquanto desmoronava interiormente poderia ser considerada a pessoa mais forte do mundo por permanecer de pé diante dele, jurando mentalmente que não choraria, não em sua frente. Ele não merecia sentir o prazer de ver suas lágrimas e ele não as veria. Então, ela apenas suspirou lentamente e sorriu nasalmente, demonstrando seu cansaço.
— Sabe Mendes, você é idêntico ao cigarro em sua mão. O usuário inicia como uma forma de diversão mas, quando se dá conta você já se tornou um vício e ele se torna completamente dependente de ti. A cada dia que passa, necessita mais e mais de você, em proporções maiores que as anteriores. Você é como a droga mais viciante existente. — Shawn ouvia cada palavra cheio de si. Se orgulhava de ser assim e ouvir isso saindo da boca de Kare enquanto podia sentir a dor em cada palavra lhe causava certa satisfação. Tentou responder mas foi interrompido por ela, que estendeu a mão em sua direção como quem dizia “ainda não terminei”. — Porém, existem milhões, até mesmo bilhões de você. Qualquer um pode ser um fumante, basta querer. — Caminhou até a cabeceira, pegando a cartela e deixando o conteúdo a mostra. — Ambos, o cigarro e caras como você, podem ser encontrados em qualquer lugar e serem conseguidos facilmente por conta do baixo valor. Se um não pode ser tragado — pegou dois deles — sempre haverá outro, afinal, essa é a única utilidade que têm, para isso que foram feitos; para trazerem malefícios enquanto os disfarçam dando ao usuário um pouco de prazer temporário. Não se preocupe, Peter. Estou cansada de apodrecer lentamente a cada dia que passo sendo viciada em toda essa nicotina vinda de você. Aliás, cansei de caras-cigarros em geral. Não é algo que vale a pena. — Deixando a cartela novamente em seu lugar e pegando sua bolsa, sorriu para Samuel que a olhava com surpresa e certo tormento, não acreditando no que ouvira. Seu ego antes enorme se encolhia a cada segundo que se passava, desaparecendo completamente com as palavras proferidas e o olhar confiante de Smoke, que, antes de sair pela porta, ainda com um sorriso amargo deixou clara toda a determinação e certeza que tinha na frase proferida:
— Essa foi a última tragada que dei em você, Samuel Peter Mendes.