O som constante do chuveiro pingando, misturado com a respiração ruidosa daquele jovem escorado à parede do box de seu velho banheiro quebravam o silêncio do lugar.
- ... Mamãe... – palavras aleatórias eram ditas pelo jovem. – Por que não consigo dormir? Deve ser porque te vi... Por que não me deixa dormir? – indagava deixando um sorriso adornar o rosto. – Eu só queria dormir sem medo de acordar. Quero esquecer tudo...
Sozinho não importava o quanto perguntasse. Nada passaria de um monólogo tedioso.
Em vão, começava a cantar canções com versos repetitivos na esperança de calar seus pensamentos e se livrar de fantasmas do passado.
Imagens de um corpo totalmente sem pele, outro com marcas de estrangulamento. Já não havia mais nada ali, mas sua mente ainda lhe pregava peças ao olhar para os locais onde se encontravam anteriormente. Até as manchas de sangue já inexistentes ainda faziam seu nariz arder apenas por recordar de seu odor.
- Mamãe como posso dormir desse jeito? O que mais deseja mamãe?! Já está morta. Assim como ele... Por que quis defendê-lo?! Eu apenas fiz o que era certo... Apenas me deixe em paz. Sei que no fundo me odiava e agora atormenta minha mente para que eu me mate também. Isso finalmente te deixaria feliz? Teria orgulho de mim? Ou simplesmente preferia que eu me humilhasse a ponto de chamar aquele homem de pai? Eu não entendo... Aquele idiota não te merecia. Mamãe... Ele fez isso... Colocou-me contra você... Levou-me a fazer algo imperdoável...
Estava ciente de seus crimes. Sabia de seus pecados, mas faria tudo de novo se necessário. Sem nenhum remorso.
- Eu nunca, mamãe, nunca o chamaria de pai. – repetia a si. - Ele fez de nossas vidas... Minha vida um inferno, mas você ainda preferiu ficar ao lado dele. Escolheu aquele cara no lugar do próprio filho! Realmente não me arrependo. A primeira vez que me senti realmente vivo foi após matá-lo. Deixá-lo irreconhecível. Mas por que você não ficou feliz? Chamou-me de assassino. Rejeitou-me como filho. – algumas lágrimas manchavam seu rosto. – Sinto frio... – pronunciou apoiando-se na parede próxima a si, finalmente levantando do chão. E, levando a mão a torneira, permitiu que a água quente escorresse do chuveiro, logo enchendo o box de vapor.
Lentamente abriu a porta saindo daquele pequeno cubículo. Permitindo que o vapor se espalhasse por todo o banheiro.
- Suas palavras ainda ecoam em minha cabeça... “Eu não te conheço”. “Você não é meu filho”. “Saia daqui”. “Assassino!”. Sabe o quanto essas palavras me machucaram? Eu não queria te matar mamãe. Apenas calar sua voz naquele momento, mas você se recusava a fazer silêncio, então levei minhas mãos contra seu pescoço até não ouvir mais nada. Agora me diga por que essa voz continua na minha cabeça?! – indagou gritando, apoiando as mãos sobre a pia, levantando a cabeça aos poucos encarando o espelho embaçado do armário. – Esse é o estado que me deixou mamãe. – ditou usando as costas da mão para desembaçar o espelho. – É perturbador ser observado por alguém morto. E o pior é quanto me responde.
‘Já é tarde, querido... ’ – podia ouvir as vozes de sua cabeça e o reflexo feminino que lhe abraçava pelas costas no espelho.
- Apenas assim você é carinhosa comigo, mamãe... – levou uma das mãos até seu ombro, enquanto podia ver claramente pelo reflexo que segurava a mão daquela mulher. – Apenas assim...
‘Ainda dói... ’ – voltou a ouvir a voz analisando as marcas de agressão no pescoço do reflexo. – ‘Dói como aquele dia... ’
- A culpa foi apenas sua, mamãe... – respondeu fechando os olhos.
‘Então por que se culpa? Ainda perde o sono... ’ – apenas se manteve de olhos fechados, sem nenhuma resposta. – ‘Assassino... Sabe o que acontecerá quando encontrá-lo?’
- Não serei pego vivo.
‘Então... ’
- Não precisa ficar feliz, mamãe. Não farei o que deseja. Não ainda. – sorriu. – Cansei de você atormentar minhas noites. O seu reflexo me irrita. Adeus mamãe... Nunca mais nos veremos. – ditou fechando a mão em punho lançando contra o espelho. Antes que estilhaçasse com o impacto, ainda teve a sensação de ver uma lágrima abandonar o reflexo da mulher. – É normal que haja sangue após matar alguém. – ditava parecendo hipnotizado ao olhar o líquido que escorria dos cortes em sua mão. – Agora finalmente poderei dormir sem ser perturbado outra vez. – voltou a encarar o armário agora aberto, revelando alguns frascos de calmante e outros sem rótulos. – Após derrotar um monstro sempre devemos esperar pelo prêmio...