A avenida está parada devido ao engarrafamento, e acabo tendo que dirigir como uma tartaruga. Ligo o rádio, na esperança de aliviar esse silêncio tão constrangedor, e paro em uma estação de música pop.
Bato os dedos no volante ao ritmo da música. É tão fácil ignorar um problema, e bem melhor do que enfrentá-lo. Dou uma espiada no passageiro sentado ao meu lado. Rick. Ele não parece nem um pouco contente. O que posso fazer? Estamos quites.
Olho para a janela, fingindo observar a vista lá fora. Não falamos nada desde que saímos de casa, e qualquer tentativa de diálogo falha antes mesmo de começar.
Encaro a neve que caí, chateada. Sempre gostei dela, mas dessa vez eu só conseguia pensar em como ela veio em um momento ruim. Tinha mesmo que nevar hoje? Do jeito que as coisas iam, eu teria que passar pelo menos uns quarenta minutos dentro daquele carro com ele. Bem, talvez a culpa não fosse da natureza afinal, mas aquele gelo estava de matar. Literalmente.
Suspirei. A temperatura aqui dentro estava mais fria que do lado de fora. Olhei pra ele novamente e mordi o lábio. Eu tinha que parar de ser tão covarde.
–An... Como vão indo as coisas na faculdade? - Perguntei, nervosa. Caramba, ele era meu namorado. Por que era tão difícil falar com ele?
Rick me olhou pela primeira vez em dias. Digo, me olhou de verdade, nos olhos. Engraçado. Isso não fez meu coração palpitar como um dia ele teria feito.
–Por que a pergunta? - Ele disse, desconfiado.
–Não posso saber como vão as coisas na vida do meu namorado? - Dei de ombros, me desculpando. Talvez fosse melhor ter ficado com a boca fechada.
–Claro que pode. Mas você nunca pergunta.
Olho novamente pra fora, querendo estar em qualquer lugar, menos ali. Aumento o volumo do rádio, um claro sinal de que não quero começar a brigar. A conversa está encerrada novamente.
X X X
Termino de colocar as últimas peças de roupa dentro da mala e a fecho. Era isso. Tudo o que eu tinha que fazer agora era abrir a porta, dizer o que estava preso em minha garganta e ir embora. Eu tinha tudo planejado na minha mente, como um filme. Uma cena que se repetia várias e várias vezes e que eu finalmente poderia tornar realidade. Mas era tão difícil e complicado. Eu estava com medo.
Me sentei na cama, tentando reorganizar meus pensamentos. Eu não queria magoá-lo, mas era exatamente isso que eu vinha fazendo a bastante tempo. De uma coisa eu tinha certeza: eu não estava me sentindo bem com tudo aquilo, com a forma que nós dois estávamos vivendo. Essa era a parte em que o fim começava. Eu tinha que terminar.
X X X
–Você está indo embora? - Ele perguntou, incrédulo. - Está me deixando?
Essas palavras foram o suficiente para me fazer ficar ali, parada, sem me mexer. Eu estava sem fala. Segurando com firmeza a alça da minha mala, forçava as palavras a saírem, mas meu corpo não me obedecia mais.
Os minutos pareciam se arrastar como horas enquanto ele me encarava, esperando por uma resposta. Eu conseguia enxergar a dor em suas feições.
–Não vai me dizer nada, Nicole? - Ele sussurrou, com raiva.
–Não posso continuar com isso. - Soltei, sem querer.
Sempre imaginei que apesar de nossas diferenças e conflitos, Rick e eu seríamos fortes o suficiente para superar tudo, qualquer coisa que aparecesse na nossa frente. Tínhamos um ao outro, isso não deveria bastar? No começo, achei que sim, mas ultimamente eu vivia em dúvida. Parada ali na sala, em frente a ele, eu tive certeza da resposta. Não, isso não bastava. E isso não era uma novidade.
–Você quer acabar com a gente? É isso, Nick? - Ele disse, desesperado, enquanto passava as mãos pelo cabelo.
Mas eu não estava acabando com nosso relacionamento. Algo havia morrido entre nós a muito tempo. Não era só ele que estava sofrendo, eu também estava.
–Nicole, não seja tola. Podemos dar um jeito nisso. Não vamos resolver nada assim, de cabeça quente. Vamos dormir um pouco, esfriar a cabeça e conversar amanhã.
–Não, Rick! - Gritei enquanto a primeira lágrima descia pelo meu rosto. - Eu passei tempo demais procurando um erro. - Continuei, com medo de não ser capaz de fazer isso.
–Nicole, me escute…
–Escute você, Rick! - O cortei. Agora que eu comecei, a vontade que tinha era de ir até o fim. - Nós nunca resolvemos nada, simplesmente vamos levando. Vamos empurrando essa bola de neve, e ela já está tão grande que não consegue mais se mexer. Nosso relacionamento está em um impasse. Ele não se mexe! Sinto como se tudo isso estivesse escapando por entre os meus dedos. Pelos nossos dedos. Não dá mais…
–Nick... - Ele suplicou meu nome, desanimado - Podemos tentar, Nick. Nós podemos…
– Podemos o que? Cansei de tentar, eu não quero mais isso. - Implorei, soluçando. - Não quero mais tentar.
Eu odiava essa parte. Lágrimas caíam descontroladamente dos meus olhos e minha cabeça rodava. Quando me dei conta, ele estava me abraçando, forte, e lágrimas dele caíram pela minha cabeça.
– Por favor, Nick... Nicole... Não faça isso comigo.
Enquanto os braços dele passavam pela minha cintura e permaneceram ali, pensei em tudo o que tínhamos vivido. Foram tantas promessas, tantos sonhos. E agora tudo estava perdido.
–Pense nas coisas boas que tivemos juntos. Que vivemos juntos. - Ele implorava.
Eu tentava pensar nisso. Mas imagens de como tudo foi por água abaixo insistiam em me visitar. Todas aquelas brigas desgastantes, discussões sem fim. Todos os dias, sete vezes, atuávamos nas mesmas cenas. A rotina era tão repetida que eu estava enjoada. E toda vez que eu tentava falar com ele sobre isso brigávamos de novo. Eu precisava dar um basta.
Ergui meus braços e o afastei de mim, limpando meus olhos com a palma da mão. Eu precisava encontrar um jeito de dizer isso a ele. Eu odiava tudo isso, odiava a forma que ele me fazia sentir. Eu não conseguiria dormir se não encontrasse um jeito de dizer. Eu magoava ele? Sim, mas será que ele não pensava que estava me magoando? Eu também era humana e eu também sentia dor. Se amar era sentir isso, então eu não queria mais sentir esse sentimento.
O erro do nosso relacionamento era que não fomos feitos um para o outro. Incompatibilidade. Não importava o que a gente fizesse, iríamos parar no mesmo buraco. Tudo o que restava era um adeus. Apenas isso. Eu não podia mais suportar suas lágrimas.
–Eu sei que você me pedirá pra esperar. Você quer continuar como se nada estivesse errado. Mas já não há tempo pra mentiras, Rick. Eu vejo o pôr do sol em seus olhos.
Fomos levando por muito, muito tempo, mas eu tinha que dizer. Eu tinha que fazer isso. Segurei novamente a alça da minha mala e me dirigi para a porta. Ele não fez nada pra me impedir de ir embora, porque não havia nada mais pra dizer. Eu odiava essa parte, essa parte do fim. Mas eu não poderia continuar. Acabou, e não tinha mais jeito. Sem volta.