Uma menininha loura piava no meio da neve, como um pintinho que se desprendeu da galinha - ela chorou a noite todinha e ninguém sequer a notou, de fato, Beatrice Mancini, de apenas seis anos, havia sido deixada no porto de Londres, sua mãe lhe disse algumas palavras antes de desaparecer dia a dentro: "Espere sentada aqui, meu amor, papai e eu já voltamos! Espere só vinte minutinhos, o hotel é logo ali...", ela depositou um suave beijo no nariz da menina e se foi.
Beatrice observou os sobretudos esgarçados de seus pais desaparecerem no meio da multidão, ficou imóvel com seus grandes olhos azuis curiosos, ela vestia um vestido verde que fora de outras seis meninas antes dela, seus sapatos apertavam e fediam, seu rosto estava sujo como se ela tivesse acabado de sair de dentro de uma chaminé.
Ela esperava e esperava entre uma tosse e outra. Viu o sol subir e descer muitas vezes naquele dia, ficou amiga das sombras que mudavam sempre de lugar, enquando ela permanecia sentada em cima daquele barril de... Do que era...?
Beatrice não conseguia entender uma só palavra do que aqueles estranhos ao redor dela diziam, afinal, acabara de chegar da Itália com seus pais, mal sabia o italiano, seria impossível entender o inglês. Ela era uma menina muito obediente, pois sabia o peso das surras e berros caso desobedecesse...
Mas se passaram muitas e muitas horas e não havia um só sinal deles.
Ela se pôs de pé em cima do barril, para tentar enxergar além das cartolas, carruagens e fumaça da cidade grande. Todos pareciam muito irritados e assustados ali naquele porto, foi então que Beatrice começou a pensar que talvez, também devesse ficar assustada.
O que o papai e a mamãe diziam mesmo caso algum dia ela se perdesse? O nome do papai era Frederico Mancini, ele era marceneiro nascido província de Perugia e a mamãe se chamava Martina Bianchi, também vinda de Perugia. Mas... Ela não fazia ideia de como isso ajudaria naquele lugar tão estranho.
Por sorte, a mamãe havia deixado com Beatrice, uma bolsinha com pães e torradas, Beatrice foi comendo aos poucos e quando deu-se por si, já era noite, a neve estava congelando cada centímetro de seu corpinho e eles ainda não haviam voltado.
A criança viu uma a uma as luzes de bares e bordéis acendendo e as risadas, o cheiro de peixe, de alcool, de graxa, de perigo iam deixando-na cada vez mais assustada, ela estava tremendo mais de medo do que de frio, então decidiu deixar de ser obediente e pulou daquele barril cheio de musgo, não sabia para onde iria, mas queria achá-los.
Pensou então, que gritar o mais alto possível com certeza seria a melhor solução, afinal, mamãe sempre diz que ela grita tão alto que se o mundo fosse de vidro, se quebraria em mil pedaços... Pois bem, pôs-se a gritar.
Gritou e gritou na neve até ficar roxinha, gritou até seus pulmões queimarem de frio, mas ninguém, ninguém ouvia.
Então, chorou, chorou até as lágrimas congelarem uma a uma em seu pequeno rosto perfeitamente sujo.
Beatrice, de seis anos, não fazia ideia de quanto era vinte minutinhos... Mas parecia ser uma eternidade, até que, totalmente desolada e assustada, praticamente congelando, a passarinha cessou o piar e caiu na neve.
Não é comum ver um bebê desistir assim... Se deitou bem ali no meio do caminho, aonde qualquer carruagem poderia triturar seus ossinhos frágeis e italianos.
Talvez tenha adormecido, ou morrido por alguns segundos, até que algo a empurrou para bem longe e ela foi rolando e se debatendo pela neve, fez um barulho tão oco, que o bêbado que tropeçou nela, pensara se tratar de um saco cheio de batatas.
Morto de fome que estava, pois o salário de pintor era uma piada, ficou enlouquecido para achar o tal saco de batatas... Mas, espere... O saco chorava? Meu Deus, o que é isto... Isto é...
"Um anjo..." - o pintor bêbado esfregou os olhos incrédulo de se deparar com aquela preciosidade branca de olhos azuis e cabelos tão louros que quase o cegavam - O que faz aqui no meio do caminho...? - ele aninhou a criança em seus braços fedorentos.