Alistamento militar obrigatório
Silva
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 13/12/20 09:45
Avaliação: Não avaliado
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Não recomendado para menores de catorze anos
Capítulo Único Alistamento militar obrigatório

18 anos. O ano que marca a nossa maioridade... (Só isso né? Porque independência dos pais é outros quinhentos.) E tudo bem dizer que as meninas sofrem mais e tal... (Eu sei, eu sei... menstruação, TPM, gravidez, desigualdade salarial e afins não podem sequer ser comparadas aos sofrimentos masculinos)

Mas tenham um pouco de empatia, pois sofrimento é sofrimento. E vocês garotas, jamais terão a vergonha de ter uma ereção indesejada ou o horror de um alistamento militar obrigatório. E sem a bendita reservista você praticamente não existe. Sem faculdade, emprego, carteira de motorista e dignidade.

Enfim, vamos a minha relevante e motivacional experiência de vida. Chegou 2018 e eu completei a famigerada maioridade (Penal). Quando eu era um pirralho, imaginava que com 18 anos iria sair de casa e fazer o que eu quisesse tipo andar por aí com meu carro curtindo a vida adoidado (Igual nos filmes e tal...) Mas parafraseando um grande filósofo roxo chamado Thanos, a realidade tende a ser decepcionante.

Eu iniciei minha graduação na faculdade no mesmo ano. Então por querer adiantar logo as coisas fui na junta militar da minha cidade. Foi difícil de achar, tive que ir de Kombi inclusive. O lugar parecia com tudo menos algo militar. Eu esperava algo temático com aquela clássica pintura de camuflagem, soldados guardando a entrada como se fosse um filme do Rambo ou algo do gênero.

A junta era basicamente uma casa com grades enferrujadas e paredes pichadas. Depois passar da entrada, havia um pequeno corredor e uma porta de madeira. Lá dentro, haviam algumas cadeiras e um balcão onde uma senhora digitava num computador perto de uma impressora. Eu dei minha identidade, ela fez um cadastro (Que eu poderia ter feito em casa) e ela me disse para esperar um e-mail e então me apresentar no quartel. Isso foi em janeiro daquele ano.

Ok, voltei pra casa tranquilo achando que tinha cumprido meu dever como um bom cidadão de 18 anos. Só que... Eu comecei o primeiro período, depois veio o segundo, 2018 acabou e nada do maldito e-mail chegar na minha caixa de entrada. Acabei indo lá de novo em 2019 e a senhora consultou minha situação no site. Minha data de seleção tinha sido em julho, ou seja, eu era oficialmente um refratário (Alguém que não comparece à seleção no quartel)

Ela deu entrada no meu nome para uma nova seleção e eu teria que passar na junta de novo um mês depois para saber a data e pagar a multa. E o pior de tudo isso? Minha mãe iria me matar se soubesse. Fora que isso aumentava minhas chances de ficar no exército (Segundo meu tio) e com certeza era algo que não queria.

Passei lá no outro mês e paguei a multa, uns 5 reais. Tive que faltar outro dia de aula na faculdade porque a junta só funcionava pela manhã. Finalmente saiu a nova data e o local para alistamento. Olhando no Google Maps, o quartel ficava no percurso do meu ônibus para a faculdade. O problema é que eu não fazia ideia de onde era. E o mais aterrorizante foi quando a senhora disse pra mim:

— Chegue lá às 5h da manhã.

Isso era impossível. Não tinha como eu dar uma desculpa que fizesse minha mãe acreditar que eu tinha alguma prova extrema na faculdade com esse horário. O trajeto de busão até a faculdade durava mais ou menos umas 2 horas e eu passava o tempo escutando música, jogando, vendo animes ou dormindo. Geralmente eu saia de casa as 5:50 e chegar até a integração do busão levava uns 15 minutos no clássico expresso canelinha. Logo, eram mais de 6:00 quando eu finalmente entrava no bendito ônibus. Todo suado inclusive.

Eu estava com muito medo nesse dia, não só por pelo horário já avançado, mas porque tudo o que eu tinha ouvido sobre a seleção no quartel era aterrorizante. Eu era (sou) um virjão. Sabe o que é mais triste ? Eu nunca fiquei pelado com alguma garota e o Estado iria me obrigar a ficar pelado com um monte de caras. Eu tinha até pesadelos com isso e as dúvidas me corroíam. “Raspar ou não? Eu seria zoado se deixasse os pelos ou seria mais zoado ainda se raspasse tudo? E se do nada ele subir lá?” Bom, finalmente chegou o dia e agora sim o quartel parecia uma instalação militar. Arame farpado por cima do muro, um brasão grande sinalizando o batalhão e região, dois oficiais na entrada, um canhão no pátio... Coisas militares.

Felizmente, a seleção ainda não tinha começado. E eram 8h. 8h malditas horas. Não seguir a orientação da junta foi a melhor coisa que eu poderia ter feito. Uma coisa que eu curti foi a propaganda militar. Tinha uma TV e passava vídeos dos caras com armas na mata, os navios nos mares e os aviões decolando ao som de Skyrim. (Dohvakin!) Tinham também umas cadeiras acolchoadas do tipo consultório médico. Tava lotado e ainda teve um cara que ficou xingando o soldado no portão por ter sido barrado pelo atraso. E eu acabei conversando com um cara gordinho, achei curioso ele querer ficar. A gente falou sobre animes, games, sobre o hype pela última temporada de Game of Thrones... E o tempo passou rápido. O engraçado é que nem ele nem eu dissemos nossos nomes.

A gente responde um questionário sobre a nossa saúde, escolaridade, família e tal... E então, a temida seleção começa. Eu me tremi todo, principalmente pelo que ouvia dos meus parentes, e depois de ter assistido “Nascido para Matar” foi que traumatizou mesmo. Bom, primeiro vem o dentista e te examina. Todo mundo passou nessa etapa. Depois o sargento nos levou para um corredor e mandou encostar na parede. Ele era um cara forte e careca estilo Terry Crews (Julius). O sargento perguntou se algum de nós tinha algum problema crônico. Asma, diabetes, hipertensão e afins.

(Temendo ficar pelado, ainda me fiz de desentendido dizendo pro sargento que eu era diabético achando que seria liberado.)

— É mesmo, docinho? – Ele percebeu meu nervosismo e fez a piada. Os caras riram e eu já aceitava minha sentença de morte depois dessa.

O próximo teste era a visão. Ficávamos a uma certa distância e tentávamos dizer as letras que estavam no quadro da parede. Eu fui agraciado com a miopia, minha vista de longe era horrível e meu óculos também estava vencido. Isso foi a minha salvação. O sargento me mandou para a sala de dispensa, mas ainda pude ouvir quando ele mandou todo mundo tirar a roupa. Nunca fiquei tão feliz por ser míope. Enfim, fui dispensado. Pegar a reservista foi mais "tranquilo" do que eu esperava, mas ainda assim eu fiquei com o famoso cagaço por todo o processo.

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Postado 31/05/21 13:11

Infelizmente, por ser uma menina não entendo seu nervosismo, mas já ouvi histórias de um parente e ele sempre dizia que era um ambiente neutro. Nem bom, nem ruim. Contudo, acho que todos os homens, ao se alistar/ter que servir, podem passar por situações ruins extremamente ruins. Entretanto, este local pode ser um lugar de aprendizado que levará para toda vida ou o pior do mundo. Literalmente, ninguém sabe o irá passar ao chegar lá, a única maneira de saber é vivenciando.

Bom, esta é minha opinião, e como não obrigada a passar por isso (infelizmente, se fala tanto de direitos iguais, mas nunca debatem sobre as mulheres terem que se alistar obrigatoriamente) não terei uma experiência como essas.

Beijos, fique bem! <3

Postado 14/12/20 15:13

Para mim foi totalmente diferente. Passei pelo período obrigatório e foi uma das melhores/piores coisas da minha vida. Agradeço por ter servido. Inspirei-me com essa crônica... Farei algumas das minhas desventuras.

Postado 27/10/21 17:44

Cara, esse texto é muito bom! Descreve bem esse tipo de situação. O alívio de ser dispensado é real.

Congrats, Silva!

Postado 27/10/21 22:02

Grato parceiro, com toda a certeza fiquei até leve quando saí de lá kkk