Lisboa, um dia de 1500.
Caro Heitor,
Escrevo essa certo de que no momento em que a receber não estarei mais a fazer parte do mundo dos viventes, ou talvez não possuam mais notícias minhas por pelo menos 5 invernos, estas foram a premissas “sine qua non” que impus em meu testamento para que esta chegasse lacrada em suas mãos.
Sei que irá me chamar de insensível, mas estou certo de que tu, dentro de toda a sua indulgência e magnificência será capaz de entender o meu fugaz desejo de somente trazer desta maneira os meus mais profundos sentimentos.
Ah sim meu caro Heitor, sentimentos, dos mais nobres, elevados e estimados por sua pessoa, os quais você lutou abertamente para que eu os proferisse em voz alta aos quatros cantos do mundo e que foram tão negados e repudiamos por minha pessoa. Não espero que me entenda, nem tão pouco que compreenda que o amei de maneira calada, escondida, negando e difamando esse amor louco que nutria por ti.
Sim, louco a ponto de me fazer deixar parte da minha herança em testamento; apesar de saber que irá negar cada centavo desse dinheiro maldito, como tu mesmo disseste e que foi o motivo de nossa separação e discórdia. Se eu soubesse no auge das minhas vinte primaveras que iria me arrepender amargamente em acatar todas as decisões de meu pai ao invés de correr para seus braços e juntos desbravar o mundo no além mar, mas não, cai na tolice de um casamento sem paixão e nas obrigações matrimoniais que apenas me enfadam e tiraram todo o vigor e sonhos de minha juventude.
Agora você sabe que todas as nossas missivas eram preenchidas de sentimentos que não existiam. Apenas os sentimentos de saudades eram puros e verdadeiros e todo o amor matrimonial que eu tentava colocar em palavras era o que deveria estar sentindo ao seu lado meu caro.
Minha frustração e saudade eram tão grandes que cheguei a dizer o seu nome numa noite após bebedeiras, não sei se meu êxtase foi completamente entendido pela outra parte, mas a discrição de que o nosso matrimônio não era do agrado de ambos sempre foi uma presença constante, então daquele dia para a frente não tivemos mais a necessidade de compartilharmos a cama, já tínhamos dois herdeiros exigidos para agradar nossas famílias, então porque ficarmos nos enganando não é mesmo?
Amo meus filhos querido amigo, mas a sua presença me faltava constantemente e me senti cada vez mais afundado num passado em que compartilhamos da companhia um do outro, de maneira sincera e sem intenção. Porque lhe afastei tão indulgentemente não é mesmo? Me lembro da sua coragem em me propor que te seguisse para onde estava indo, mas me lembro ainda mais da minha urgência em negar e ficar na miséria sentimental que me impus.
Não sei se sou capaz de continuar a descrever o quanto fui e sou miserável por negar que lhe amava como jamais amei alguém meu caro amigo, mas sei que se eu não o fizer agora o meu espírito não será capaz de descansar em paz, por isso, antes de viajar na busca desse novo mundo através do oceanos eu preciso deixar por escrito : Lhe amei no passado e ainda lhe amo, agora e para todo o sempre e nunca deixei ou deixarei de lhe amar da maneira mais profunda e sincera.
Sei que o nosso passado não há de voltar, aquele momento ficou para trás, tenho o arrependimento de não lhe dizer o quanto lhe amei, não espero teu perdão por minha covardia e falta de histamina, apenas espero que continue sendo feliz e alegre, como sempre foi e que faça bom uso do que lhe deixo, em nome de nossa amizade e de minha ardente paixão por ti.
Seja feliz, como eu jamais fui.
Daquele que sempre amou-lhe, Pedro.