Aproximando-se de mim com uma mistura de admiração e reverência, Nara inclinou a cabeça em respeito.
- Deus Órfão - ela falou, com voz firme e pesarosa. Uma guerreira. - Venho me oferecer como sua campeã.
Me mandam assim, aproximando-se demais.
-Deus Órfão - repetiu, como se eu fosse surdo.
Olhou para mim aquela garota do deserto. Tinha sede, fome, fedia e, é claro, era pobre.
Eu ri. E mais, apontei para a tosca tenda ao meu redor, onde ela encontraria o Deus Órfão. Eu disse: - Não vês o decrépito velho que sou?
A testa de Nara se franziu em confusão, seus olhos estreitando sobre meu convite de um dedo médio, esquelético, erguido.
Ela vem de longe, pensei.
- Podes viver como um eremita, Deus Órfão - ela respondeu, voz inabalável. - Mas as lendas falam dos artefatos que você possui, artefatos de poder inimaginável. Se alguém pode mudar as terras de meu povo, é você.
Minha risada se foi, substituída por uma sensação de curiosidade diante tal convicção. E cansaço. Era mais cansaço.
- Você acredita no poder desses artefatos? - perguntei.
Nara assentiu com firmeza. - Eu vi o desespero nos olhos do meu povo, senti os tremores de medo que abalam nossa terra - explicou ela.
- Mas também ouvi os sussurros de esperança, as lendas do Deus Órfão que possui os meios para fazer de nosso mundo um paraíso.
Ela vem de longe, pensei de novo, com mais dó.
Estudei Nara por um longo momento, te digo. Com sinceridade, procurei em seu olhar quaisquer motivos para matá-la. É sim, matar, já fiz por menos. "Ela veio de longe...", pobre garota.
Olhei bem afundo nos olhos negros dessa guerreira. No entanto, tudo o que encontrei foi tolice.
Pra mim, era o bastante.
- Talvez você esteja destinada a isso... mesmo. - a mão esquerda do Deus Órfão surgiu da areia, vestida com uma luva cinza, adornada. Ele seguiu o olhar dela, que cresceu como grande e escuro ônix.