O que é isso?
Uma cabeça de burro.
Uma cabeça de… burro. Uma cabeça de burro.
Em minha casa não tem janelas. Roubaram janelas dessa casa. Eu sonhei com essa casa. É a minha casa e de meu irmão. Eu sonhei e ela não tem janelas. Os vinhedos roubaram as portas e chegaram quando você imaginou a casa e sentiu a casa no fundo da floresta macia, onde pastam os unicórnios multicor.
Você esteve sonhando com essa casa. Ela esteve sonhando com você também. Essa casa esteve sonhando com você, roubaram as janelas dessa casa. Roubaram as janelas, ela só tem uma porta, mas os vinhedos roubaram as portas, e ficou apenas uma. De cima da árvore, não, da outra; não, daquela outra; não, daquela ali; não, a adiante; não, essa; não, essa; não, aquela outra; não, essa não; não. É, essa. Ali. Ouça:
— E o seu irmão? — perguntou o urubu. — Quero ver o seu irmão. Onde está seu irmão?
— Não te interessa.
A ave feia crocitou de cima da árvore:
— Tomara que o cachorro te coma, maldito.
Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro.
Veio vindo pela porta e quase já não era mais nada quando mergulhou na escuridão do corredor. Apareceu na porta, banhado pela luz (nauseante) do topo do teto, e viu que era grande como um arranhacéu. Vermelho. De voz doce e mansa. Chegou abrindo a boca:
— Meus dentes são de titânio — disse o cachorro. — Quer ver?
Abriu a bocarra para ele, que se encolheu.
— Não, valeu.
— Mas eu quero te morder.
Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de burro Cabeça de b
Urro.
Cabeça de burro.
Ele vai te morder.
Eu sei.
Na minha casa não tem janelas onde tem palmeiras onde cantam os sabiás onde estão os pássaros e as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá. Tenho a cabeça de burro. A cabeça de burro. É um retrato da cabeça de burro. Na parede. Um retrato da cabeça de burro pelas paredes, por todas as paredes. Um retrato da cabeça de burro por todas as paredes da minha casa sem janelas.
Ela sonha com você também, esteve sonhando a vida toda. Esta casa esteve sonhando com você, e você esteve sonhando com ela. Os unicórnios comem a grama que nasce entre os vinhedos. Os vinhedos comem a grama que nasce entre os unicórnios. A grama come os unicórnios que vinhedam entre o nascer. Veja:
No fundo de uma cama um boneco de cera. Um boneco de cera no fundo de uma cama pendurado na parede. Uma pintura do boneco na parede — mas! É uma pintura pintada, oval, com moldura. Uma foto, uma pintura, uma fotografia. Sem janelas. Uma pintura do boneco de cera sem as janelas — os olhos? Da alma! De nada. Ali os unicórnios! Agradeça:
A sua casa branquinha e todos os móveis branquinhos pequenininhos que dentro dela você parece um gigante. Mas é casa? E se for? É que ali você não pode morar, quem disse, eu disse, quero voltar, não pode, mas você não gostou quando eu saí você me viu e você quis chorar eu não te quis fazer chorar eu quero falar sobre as tulipas, vai dormir feche as janelas, eu sei, então fecha, pronto fechei. Sinta:
Os unicórnios galopando pelas colinas, os unicórnios sabem quem somos, os unicórnios de plástico sabem quem somos, eles sabem quem nós somos, entre os vinhedos e as árvores, manchados de uva, sem janelas na floresta macia. Maquiavélicos monstros! É a casa! Ela não tem janelas! Mas e a cabeça de burro? Faz-se silêncio no camarim. Ele tem quatro olhos, o irmão tem só a cabeça — e vai sangrar até morrer.