You know, baby girl
Tháiza Lima
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 01/03/16 22:04
Editado: 05/09/16 14:55
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 4min a 6min
Apreciadores: 4
Comentários: 1
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Palavras: 763
[Texto Divulgado] ""
Não recomendado para menores de catorze anos
Notas de Cabeçalho

Inspirada na música Young God, da Halsey. Eu estava escutando a música e me veio uma vontade de escrever sobre problemas de pessoas e romances absurdos.

Espero que gostem ^^

Capítulo Único You know, baby girl

Foi em um domingo qualquer, como todos os outros domingos de Janeiro, os que não há nada para fazer a não ser sentir o Sol quente e beber tanta água quanto seu corpo permitir, porque senão você fica desidratado e todas essas coisas que adultos se preocupam.

Eu estava na piscina, ou no que sobrou da piscina. Agora era só um buraco com lajotas quebradas que antigamente – ou pelo que minha mãe me relatava – eram de um tom límpido de ciano.

Sentada em um cobertor listrado, o traseiro dolorido de ter esperado mais de uma hora até ouvir o barulho incomparável do Fiat Uno de 2005 preto dele, com mais arranhões que eu posso contar e os bancos de tecido barato tão gastos e confortáveis quanto se podia ser. O carro dele, sua presença mágica e o riso malicioso que refletia suas intenções ao preservar uma amizade comigo.

Eu só revirava meus olhos e ignorava todas as aproximações, todas as cantadas, todos os movimentos de seu corpo e, principalmente, todas as suas promessas insanas.

Linda como sempre, garotinha, disse com uma sobrancelha arqueada.

"Esfarrapado como sempre", e cansado, e desgastado, e corroído pelo tempo. Era o que eu queria dizer. Ele sempre parecia estar à frente do tempo, um velho no corpo de um adolescente que faz pose de rebelde sem causa. Um ancião escondendo sua sabedoria com palavras chulas e vadias de esquina, enterrando sua filosofia junto com garrafas vazias de bebida e corpos que já não mais respiravam.

Eu entrei no carro, o cheiro de cigarro era familiar.

Logo, logo, seremos lendas, ele diz, pesando o olhar sobre mim.

Faço um ruído, minha cabeça apoiada no buraco que anteriormente tinha uma janela. O que eu era nesse mundo?

Já decidiu se quer continuar comigo ou viver para sempre em indecisão?, ele fala, acelerando o carro o máximo que aquela lata-velha podia.

Não respondo.

Perto dele eu não sou nada. Ele é o rei da poesia, o rei do pensamento.

O rei de tudo. O rei da minha alma.

Seus lábios se encostam nos meus, e eu sinto o gosto de licor. E sangue. E algo que parece com geleia de amora, então era um dia de bom humor.

Já pensou em como seria se fôssemos deuses? Se o mundo nos pertencesse e pudéssemos voar acima de todos que pensam que estão acima de nós?

Eu sorrio, e saímos do carro. Há um penhasco na nossa frente e o mar agitado metros à frente - e abaixo também. A luz do sol da tarde é ofuscada por nuvens carregadas de chuva, uma chuva prevista desde o ano anterior, mas que por algum motivo decidiu despencar logo nesse domingo plano e sem graça.

Você se sente como uma jovem deusa quando está comigo?

Novamente não respondo, eu só quero me embebedar com o gosto amargo de sua boca, com amoras e álcool e desejo e desespero e tristeza e aquela ansiedade que ele sente sempre que está perto de mim.

Porque, olhe, ele sabia que eu não queria conversar. Eu era uma deusa, uma rainha, a poeira da sola de um sapato e o casaco que esquenta quando o cobertor está muito longe. Eu queria o mundo e o odiava, e não almejava nada mais do que me sentir estabelecida em uma cidade que não fosse essa vila antiquada.

Escute, pequena, eu preciso que me responda. Eu escutei.

Vou partir hoje à noite, rumo a imortalidade e a imutável constituição divina. Preciso saber se quer me acompanhar ou se vai perder meu tempo distraindo-me com seus lábios de cereja e... Esse olhar que me faz querer perder o controle.

Eu só pude sorrir.

E então ele me disse: Olhe bem, garotinha, nós seremos lendas vivas. Nós seremos os deuses da nova era e os reis e rainhas da era após essa. Ou ao contrário.

Eu ri baixinho, de novo, com sua confusão. Tão adorável que eu queria ficar ali para sempre e depois disso, acompanhando sua lógica difusa e todas as palavras sem sentido para minha mente.

Eu fingi que acreditei em suas palavras.

Ele me beijou debaixo do cobertor de estrelas e dirigiu seu Fiat negro pelas montanhas do interior.

Ele me deixou na piscina e a chuva caiu. Ele se foi.

Eu sempre quis mais do que o gosto de licor em seus lábios.

E agora eu só tinha meus pensamentos afogados na água gelada enquanto eu afundava.

Rumo a imortalidade e a imutável constituição divina.

Ou rumo ao gosto eterno de geleia de amora, junto de sorrisos insanos e palavras indecentes.

❖❖❖
Notas de Rodapé

O Fiat é um dos únicos carros que conheço o nome '-' enfim, é um pequeno texto que pode parecer meio sem sentido no início, mas tem mais significado do que aparenta -q

Se você chegou até aqui, muita obrigada >< expresse sua opnião se quiser, só de ter lido já me deixa feliz.

Apreciadores (4)
Comentários (1)
Postado 25/09/16 09:18

Estou indignada! Como é que um texto tão bom como esse ainda não tem comentârios? Absurdo!

Poxa, moça, eu (ainda) não li obras suas, mas que escrita maravilhosa você possui! Nossa, o texto fluiu lindamente. Amei o contexto, fez uma grande diferença. Poderia ter sido só uma crônica reflexiva, mas essa pitada de história criou um contexto que se encaixou perfeitamente!

Você pensou em cada detalhe (aliás, amei a escolha da marca do carro <3), cada gesto... tudo! Eu me senti na pele da personagem. Usou os melhores termos pra descrever os pensamentos dela.

Achei esse texto bem... único. Todas essas comparações, de Rei, Rainha, Deusa; junto com o que está acontecendo... Sério, amei essa obra! Teve uma pegada diferente, mas muito legal de se ler. Li mais de uma vez, só pra garantir que não tinha deixado passar nenhum detalhe. Esse é uma daquelas crônicas que a gente sempre relê <3

Meus mais sinceros parabéns pela obra, ficou excelente!