Ritual
Tudo estava preparado para aquele momento, aquela sala quadrada estava completamente escura, se não fosse as velas posicionadas em seus cantos, na mesa o que residia era uma toalha roxa com algumas pequenas inscrições, duas velas em suas beiradas e ao centro um círculo mágico rodeado de pequenas pedras preciosas, que continha uma pequena camada de água a cima do círculo. Andava pela sala com seus passos leves, carregando um pequeno incensário metálico e redondo, preso por correntes a um anel que estava em meu dedo do meio da mão esquerda, enquanto na mão direita carregava um punhal cerimonial, recitando antigos cânticos até que a fumaça preenchia toda aquela pequena sala.
Ao terminar este primeiro trabalho, me sentava sobre a mesa devagar, para não atrapalhar a harmonia que havia sobre seus itens, e coloco o incensário do lado oposto do círculo mágico. Coma lâmina do punhal a cima do incensário, o banhava com sua fumaça devagar, enquanto conjurava o encantamento do mesmo, o tornando a ferramenta perfeita para meu trabalho, e a partir desse momento, a fumaça não era a do incenso, mas a do próprio punhal, o acompanhando para onde sua lâmina ia. E nesse momento, passo a ponta da lâmina em movimentos circulares pela água, e então subo esses movimentos criando uma pequena espiral com a fumaça que saia do punhal, e logo a água subia acompanhando o movimento da fumaça, e ao chegar ao cume da pequena torre que havia construído, ela se aglutina de forma densa em uma esfera, que aos poucos tomava a forma de uma pequena caveira, se condensando na forma de cristal e flutuando a cima do círculo que estava desenhado sobre a mesa. Com minha mão esquerda livre, apoiava aquela caveira que era fria ao toque, a puxando para perto de meu rosto e a olhando nas cavidades dos olhos.
-Aqueles que fogem de mim deverão agora ouvir meu chamado, aqueles que estão além do alcance devem estender suas mãos, aqueles que a tudo querem devem perecer aos meus pés, aqueles que são temidos devem estremecer à minha presença, aqueles que a tudo são, devem se tornar nada devido a minha grandeza.
O ar em volta de mim se agitava, mesmo em uma sala fechada se criava vento, que rodeava pelos cantos da sala, ao invés das velas se apagarem, seu fogo foi levado como a uma linha tênue pelo vento, e logo incendiava a fumaça, causando pequenos incêndios em pleno ar, sem danificar nada que habitava aquela sala, e aos poucos vozes roucas e pequenos gruídos saiam das labaredas, sem realmente ser possível distinguir qualquer coisa que falavam, o fogo tomava várias formas desde humanas até animais, até o ponto de que todos se união ao cristal que estava em minhas mãos, criando desenhos vermelho-fogo por toda ela, até fossa ocular entrar em plena combustão, e assim se inicia movimentos estranhos da mesma, onde a mandíbula se mexia como se falasse, ao mesmo tempo que era movida para os lados, sem sair de seu lugar na composição geral. Ao terminar este momento, a caveira volta a flutuar mesmo a cima de minha mão, e ria de uma forma doente enquanto me encarava.
-O que queres de mim minha cara? Já não é sofrimento demais ter-me atado a ti?
-Sofrimento maior é ter que ouvir suas mesmas e incessantes indagações todas as vezes que precisamos conversar sobre algo, me cansa ter que estar perto de ser tão incômodo
-Se tens esta opinião sobre mim, por que não se cansa em me invocar? Estou aqui por que pedistes, e não por que gostaria de estar.
-Você sabe o que faz aqui, tudo está pronto para cumprir sua parte não? Estou cansada de esperar.
-Minha cara, sua paciência é muito ínfima para tal empreitada, porém com sua sorte agora parece que o caminho está mais aberto, logo poderás retornar.
-Logo? Logo demanda muito tempo que não possuo neste momento, estou morrendo a cada segundo que estou aqui.
-Isto não é apenas o castigo merecido – A caveira ria. – Estás aqui pelos seus próprios pecados, queres voltar sem ter pago sua penitência, e ainda me recrimina por demorar a tal?
-Não quero perder noção de quem sou, isto é pedir muito?
-Para alguém em sua situação atual, claro que é, inclusive me invocaste pela própria força de seu pecado.
-Você fala sobre pecado, mas és o próprio pecado personificado! Como ousas me criticar.
-Minha cara, estou no meu dever aqui, apenas o mal pune o mal, estou sendo bonzinho com a senhorita por lhe permitir mais uma chance, claro que com o preço adequado.
-Preço adequado!? Você apenas quer tudo de mim, o que serei eu se pagar o que me pedes.
-Continuará sendo você mesma, mesmo depois de voltar, algo que a maioria no seu estado nunca alcançou.
-Mas o que serei eu então depois de voltar? Serei eu ainda uma humana? Ou apenas algo a se decompor?
-Você deixou de ser humana logo após de se banhar no seu próprio pecado, por amor você tirou uma vida para recuperar outra, por amor você destruiu tudo o que existia a sua volta, e agora clama por libertação? Os grilhões que te prendem a este mundo são fortes demais para serem rompidos assim, você se afundou na própria cobiça disfarçada de amor, não podes mais ser chamada de humana.
-Então o que sereis a partir de agora?
-Agora, minha cara, será como aquilo que você cria, será um ser em decomposição andante na terra, o que te anima será apenas um resquício de sua antiga alma imortal, mas que foi destroçada pelo próprio pecado, e sua punição será espalhar a destruição descontrolada, até que pagues com as almas dos mortos o mesmo que pagou para criá-los, mas vamos, por que o tempo urge, seu corpo não mais resistirá sem sua presença.