Meu melhor amigo (parte segunda)
Nilton Victorino Filho
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 30/07/19 12:01
Gênero(s): Cotidiano
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 4min a 6min
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Comentários: 3
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Palavras: 748
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Capítulo Único Meu melhor amigo (parte segunda)

Uma grande amizade começa sempre sem ser forçada, ela é imposta pela ocasião e vai crescendo, para nunca mais morrer. Já havia completado 2 anos, desde a tragédia que se abatera na minha família, havia sido transferido do Instituto Sampaio Viana para essa nova casa, com o tempo, peguei o habito de chamar orfanato de casa e, convenientemente, esse lar tinha o nome de Casa da Infância. Era 1970 e, eu completaria 4 anos de vida, a vida já tinha me mostrado o pior das tempestades e eu havia sobrevivido à ela, no começo eu tinha me debatido, deixado a tristeza ganhar e, vi que isso me afogava mais e mais.

Num determinado ponto, como um naufrago, submergi à superfície, respirei e senti o ar de lá e gostei, resolvi boiar na água e deixar a correnteza me levar.

Enquanto esperava na portaria as pessoas resolverem a papelada da internação, uma freira passou no corredor e me viu, ajoelhou-se na minha frente e percebendo a minha aflição, sem mais nem menos, abraçou-me, levantando-me da cadeira.

Lá em cima, suspenso nos braços dela, como quem já havia se esquecido do carinho, senti a paz que há muito tempo não sentira mais, encostei a cabeça do ombro dela e chorei...Agora, com 50 anos, lembrei-me do momento e as lagrimas voltaram.

Momentos depois, já afeito do momento, olho para o grande saguão e vejo a claridade do ambiente, muito diferente do lugar de onde eu vinha, no escritório, a madre da Glória ainda discutia a minha internação, a madre Brasil havia se sentado ao meu lado e segurava a minha mão, a manhã jogava um sol no meio do saguão, através da grande porta de vidros.

Essa mesma porta é aberta pela moça da recepção, aparecem duas figuras, uma senhora com jeito de sofrida e seu filho que, sabendo que ia ficar só, chorava.

A madre Brasil levantou-se, mas, não largou a minha mão e fomos assim, encontrar os recém chegados, ainda segurando a minha mão, ajoelhou-se diante do guri, que era mais baixo que eu, pôs-se a acalma-lo e disse que ele teria vários amigos, apontou pra mim e disse que eu seria o primeiro.

Olhamo-nos e eu estendi-lhe a mão, ele retribuiu, ainda soluçava.

Daí para frente, quem via um, procurava o outro...a gente parafraseava os "Originais do Samba", denominava-nos de... a corda e a caçamba, as freiras e as moças preferiam nos chamar de dupla diabólica.

Num passeio à Serra da Mantiqueira, subimos numa arvore e nos perdemos do resto do grupo, era noite fechada, quando os bombeiros nos acharam eles estranharam a nossa tranquilidade diante do perigo, acabou que, passamos a noite no batalhão e voltamos no dia seguinte como heróis.

Diferentes em tudo, eu era introspectivo e ele era solto e, é claro, que a habilidade no esporte veio primeiro pra ele, o Fernandinho era um malabarista da bola, isso lhe dava o direito de escolher o time, a primeira escolha era sempre eu.

Fomos fazer um jogo de amizade, que em toda época do aniversário do colégio Catarina Labouré, a Casa da Infância era o convidado.

E, era sempre a mesma história, tendo o colégio anfitrião meninos mais velhos, a derrota era certa sempre, participávamos do jogo por participar e íamos pro resto da festa, ou seja, muita comida e doces.

Nessa ocasião a coisa mudou, quando fazíamos as filas pra os comprimentos habituais, um dos meninos do Catarina passou do lado do Fernandinho e sorriu da pequena estatura dele, ao fazê-lo, passou a mão em sua cabeça, como se afagasse um bebê.

Ah, o macaquinho virou o cão na quadra, o menino grande tomou a bola entre as pernas seis vezes seguidas, a cada uma delas a torcida das meninas gritava Olé.

Não restou outra alternativa, a não ser sair de quadra chorando, nesse instante já se configurava a nossa vitória, a madre Dolores, constrangida, queria consertar as coisas, já que o Fernandinho, continuava arrasador, fazia gols e olhava desafiador para o banco de reservas.

Tirou o Sebastião do gol e deu a camisa de goleiro ao Fernandinho e, aí ficou bem pior, o macaquinho fechou o gol.

Era uma aliança selada, sem protagonismos, dois guris tentando ser felizes num mundo governado por pessoas tristes, aprendi as letras primeiro e as ensinei para ele, sempre que eu queria calma para ler, vinha ele brincar, quando eu conseguia ler, tinha que contar para ele a minha impressão e, por conta disso, virei contador de histórias.

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Comentários (3)
Postado 30/07/19 13:19

Se superou meu amigo

Postado 16/03/20 14:43

Suas obras são sempre um tiro bem no meio do meu coração! Eu quero um livro sobre isso, quero ver estampado em cada muro. Meu camarada, que talento, que delicadeza... De todas, a parte que mais me fez imergir totalmente na história foi o seguinte trecho "Num determinado ponto, como um naufrago, submergi à superfície, respirei e senti o ar de lá e gostei, resolvi boiar na água e deixar a correnteza me levar." você é sensacional! Que talento!

Postado 05/10/20 19:10 Editado 05/10/20 19:11

Esse texto é emocionante do início ao fim. Esse final é a cereja do bolo e é lindo ver o motivo pelo qual o narrador tornou-se contador de histórias. É lindo e emocionante, como todas as obras que você escreve. As palavras transbordam a sinceridade que há nessa amizade.

Obrigada por compartilhar conosco!

Meus parabéns, Nilton ♥