Se tem algo que não posso reclamar em minha vida, esse algo é a minha infância. Apesar de muitas coisas que me marcaram de forma negativa, não posso negar que foi uma infância e tanto. Infelizmente creio que minha memória favorita não seja a mesma de minha mãe ou de meu pai, mas me lembro de quando eu era feliz nadando nas águas de Lambari.
Aquele pequeno pedaço de Minas Gerais era nossa morada por um pequeno período de tempo todo ano, ficávamos em um pedaço da cidade que era próximo a fonte de águas gaseificadas. Minha mãe, meu pai, meu irmão e eu. Eram horas de viagem e eu adorava sentar com meu pai no banco do ônibus e compartilhar os fones de ouvido enquanto observava a paisagem passar pela janela. Me lembro perfeitamente das noites frescas onde íamos para jantares temáticos; minha noite favorita era a noite cigana, composta por comidas típicas, danças, roupas lindas e muita música. De manhã caminhávamos pelas ruas de pedra, conhecíamos pessoas maravilhosas de lugares que nunca imaginaríamos - como o seu Ângelo, o italiano mais simpático do mundo - e comprávamos pequenas lembranças.
Minha parte favorita era, com certeza, a água. Eu passava o dia inteiro nadando nas piscinas e caminhando pelo rio, meus pais tinham que, literalmente, me tirar da água. Nadava pelas águas aquecidas e pelas águas quase congeladas, competia em troca de sorvetes de palito e depois ia encontrar meus pais para almoçar, tentava de todo jeito roubar um gole de caipirinha mas sempre era pega. Brincava que estava sendo perseguida por tubarões, que estava nadando em praias no Caribe, que mergulhava nos mais profundos mares.
Acredito que seja uma de minhas memórias mais felizes porque posso afirmar com todas as letras: eu era livre naquele tempo. Era livre de rótulos, de deveres, de padrões. Tudo o que eu deveria fazer em Lambari era me divertir nas águas e dançar com os ciganos, mesmo sabendo que a noite eu teria crises de asma e de bronquite, o chiado em meu peito era apenas uma memória do quão eu havia vivido e explorado tudo naquele dia.
Há muito tempo que não vou para a pequena cidade, nem sei se as noites ciganas ainda existem ou se seu Ângelo ainda está vivo. Não sei se as fontes ainda dão água nem se o rio segue cristalino. Mas eu sei que em minha memória tudo isso ainda acontece, como um filme que se repete; acho que dentro de mim sempre haverá a criança que adorava ir para Minas, talvez em meu sangue ainda corra um pouco das águas de Lambari.