A última coisa que eu vejo é sempre seu sorriso se distanciando entre um segundo e outro.
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Sei que voltei ali algumas vezes depois, naquele mesmo bar, naquela mesma esperança de reencontrá-la por ali. Nunca aconteceu. E, desde então, essa tem sido a memória para a qual eu sempre volto.
Foi como um suspiro. Um tempo tão mínimo que talvez não signifique nada perto das aventuras de qualquer outra pessoa além de mim. Foi ligeiro e pequeno, mas eu gosto da sensação que me invade ao rememorar esse dia. A dualidade melancólica e confortável dele sempre me destrói.
Gosto de voltar a ver o rosto dela, de relembrar seu sorriso com frequência e conversar as mesmas palavras com aquela estranha. Uma estranha que, talvez, eu conheça tão bem como conheço a mim mesmo. Pelo menos por alguns instantes.
Acho que esse miserável encontro de segundos me diz muito sobre a existência, como um todo. Andei percebendo, com isso, que voltar no tempo não é tão diferente assim de revisitar uma memória. Não é tão diferente de relembrar e cultivar um acontecimento que fez parte de sua vida.
A diferença é que dói mais uma vez. E de novo e de novo. Dói a cada vez que você torna a viver cada fragmento daqueles dias que não voltam mais.
Acredito que todo dia dói um pouco mais em mim pelo mesmo motivo. Todo dia eu crio uma nova memória sobre a mesma memória, é tão esquisito.
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A última coisa que eu vejo é sempre seu sorriso se distanciando entre um segundo e outro.
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Por mais idiota que pareça, escolhi viajar para uma sexta-feira qualquer em que estive num bar. Não tinha nada de muito especial sobre aquilo, na verdade, eu estava voltando de um dia exaustivo de trabalho, querendo tomar uma ou duas doses. Nada me chamara atenção, até o momento em que uma garota chegou ali.
Eram seis em ponto. Ela tinha um sorriso brilhante, olhos simultaneamente acesos e lastimosos. Ela ria alto e tratava o garçom com familiaridade, pedindo logo por uma mesa e uma cerveja a ele. Ela sentou na 16, pegou o copo entre os dedos compridos e olhou para mim, sorrindo mais uma vez.
Assistindo à memória, vejo meu rosto ridiculamente vermelho com um só gesto da garota. Ela era cativante, de alguma forma particularmente magnética. Tive vontade de saber quem era ela e ouvi-la contar sobre seu dia, ela parecia ser uma conversa memorável.
Mal acreditei quando ela me convidou para sentar em sua mesa. Conversamos por 2 horas a fio, foi tão divertido. Fiquei um pouco perdido entre os assuntos, nauseado, encantado e estupidamente envolvido. É estranho, acho que nunca tinha sentido isso tão rápido: não era um sentimento ainda, um amor ou um grande acontecimento. Mas era o princípio do princípio disso. O princípio e o pedaço de um instante maior que um segundo.
Ao final de uma frase qualquer, ela se levantou e disse que precisava voltar para casa. Falou que se divertiu muito com o papo, mas que estava cansada. Concordei levemente aturdido, também estava cansado. Ao fim de tudo, tinha sido um grande acaso esbarrar com ela por ali. Ela era um bom acaso, era sim.
Ela.
Acenou para mim, já com os pés na calçada afora. E entre um ou dois goles da minha cerveja, percebi que ela tinha ido sem nem me dizer qual era seu nome. Dei uma risada seca.
Fiquei só na mesa.
[...]
Sempre ouvi histórias de pessoas que viajavam para o passado, em luto, no intuito de passar mais um dia com entes ou bichinhos queridos que já se foram. Ou para salvar casamentos, voltando aos dias apaixonantes no início do relacionamento. Já soube até de casos em que pessoas mais velhas voltaram no tempo para reviver momentos importantes de suas vidas, os quais ficaram um pouco esmaecidos em meio a suas lembranças.
Eu nunca soube muito bem o que gostaria de visitar em meu passado. Não acho que tive grandes momentos, grandes amores ou grandes angústias. Não tenho lacunas que gostaria de reconquistar, nem pessoas pretéritas que gostaria de reencontrar. Não há muito para mim no passado, nunca houve. Mas eu sempre pensava sobre o assunto.
Um dia, então, eu de repente soube pelo que voltaria no tempo. Foi como um estalo, um brilho rotineiro e rápido que me recaiu sobre a mente. Por mais breve que aquela realização tivesse sido, tive vontade de buscar algo que deixei para trás.
[...]
O centro comunitário dos computadores quânticos estava vazio naquele dia. Eu me senti confortável e quase inspirado. Finalmente, aquele seria um dia diferente.
Respirei fundo, liguei a máquina, acessei o terminal e escolhi minha memória favorita. A tela iluminada me mostrou as instruções:
Regras da Viagem no Tempo:
1) Não é possível viajar para algum momento que o indivíduo não tenha vivenciado;
2) Não é possível alterar nenhum acontecimento do passado;
3) Não se pode passar mais do que 2 horas viajando e acessando memórias, por cuidado da saúde psíquica do usuário e da manutenção das teias temporais.
Fechei os olhos e mergulhei fundo demais em minha consciência. Então, antes de tocar qualquer lembrança, comecei a sentir que eu não era nada além de uma história que sempre regressa ao mesmo lugar.