“É engraçado como a vida é frágil, insignificante e pode acabar em instantes. Agora não tenho mais sonhos, tornei-me vazia, sem vida, com o destino selado e infelizmente não morri... tenho o corpo ainda quente e o pensamento acorrentado. Passo os longínquos dias a remoer meu pecado, e acabei por tornar-me uma pessoa que tem o presente como algo putridamente inexistente. Ele roubou minha alma, e você a levou junto contigo para o inferno.
Veja bem, não é que eu deseje ardentemente retornar ao passado. Apenas estou procurando aquele céu prometido, que me foi tão rapidamente e sem avisos retirado, por aquele em quem eu mais confiava. Você sabia, mas por algum motivo não me avisou que por mais que eu chorasse, minhas lágrimas não seriam capazes de apagar meu pecado. É claro que você não poderia ter me avisado! Você não sabia falar...
E agora, mesmo estando com os olhos fechados, vejo desenhadas perfeitamente em minha mente as mais hediondas lembranças que não quero ver... lembrar...
As alegrias dos sorrisos, as singelas trocas de olhares, a minha ridícula inocência e a nojenta perversidade que ele tinha no olhar, que eu não soube interpretar a tempo...
Com ódio me pergunto como podem todos ser tão ridiculamente felizes, em suas vidas alegremente tão agitadas, tão cheias de amigos. Eu só tinha ele, mas agora sem tê-lo aqui ao meu lado eu não mais encontrarei motivos para ser feliz, eu já me acostumei a essa excruciante dor, afinal, eu mereço ela, por ele ter feito o que fez a mim e eu ter feito o que fiz a você.
Ah, quisera eu poder desejar começar tudo de novo, mas esta casca solitária sabe guardar apenas tristeza e rancor, desde o dia em que ele me estuprou, até o dia que você nasceu, o tempo que passou, até o dia em que meu ódio por ele finalmente te matou. Nunca mais ouvi falar dele... mas por que você teve que nascer com a mesma maldita cara que ele?
Não quero acabar como uma alma sem salvação... Não tenho o direito, eu sei, mas peço perdão...
Espero que seu pai esteja agora queimando, ou vá no futuro queimar, no mesmo inferno para o qual te mandei quando te matei... o mesmo inferno para o qual serei mandada agora, no momento em que me matarei.”
Com ódio, mamãe.