Com o ar cada vez mais rarefeito, sentiu-se cambalear e precisou apoiar-se no corrimão, firmou-se no concreto antes de olhar para trás; não sabia há quanto tempo estava subindo, mas os degraus passados se estendiam numa descida que não parecia já ter pertencido a um ponto de partida, só ao abismo escuro e abafado. Voltou ao seu caminho cauteloso com cada movimento, pequenas velas o guiavam, mas queimavam tão rápido que, se parasse para descansar, a escuridão que vinha de baixo o alcançaria. Todo seu corpo doía e implorava pela renúncia, mas continuou se arrastando degrau por degrau até estar diante do patamar e, enfim, encontrá-la.
Sem claridade suficiente para distinguir seus traços, reconheceu-a ao sentir os efeitos da presença arrebatadora em sua pele, a memória que vivia em seu corpo o jogou num transe, seus ossos se lembraram do frio, e seus músculos do tremor de quando, entre o medo e a atração pelo mistério, paralisou-se por não saber se deveria fugir ou avançar. Passaram-se muitos anos desde a primeira vez que ficara diante dela, ele era só um jovem recém-formado quando foi acometido por dores agudas no abdômen que o levaram para uma cirurgia de emergência. Foi-lhe garantido que ficaria inconsciente durante todo o procedimento, mas algo o chamou e, como se apenas estivesse despertando de uma noite tranquila, acordou e levantou-se. Ao seu lado, viu o próprio corpo imóvel na cama sendo monitorado e manipulado, os beeps e as vozes da equipe médica se misturaram à confusão de seus pensamentos; no limite do desespero, virou-se para a porta da sala e se deparou com a mulher o encarando.
Vestida em um manto branco, seus olhos vívidos, embora cinzas, reluziram nele calmaria quando fizeram todo barulho cessar. Só naquele momento pôde ter certeza: existia um Criador e aquela era a sua mais bela e perfeita criação. A mulher estendeu sua mão enquanto seu semblante terno o convidava ao desconhecido. Antes que pudesse alcançá-la, o silêncio se dissipou, seu recém-descoberto mundo de paz ruiu e, quando abriu os olhos, estava em seu corpo novamente, sendo encarado por rostos familiares.
Esperou por ela a vida inteira sem ânsia, tinha a tranquilidade da certeza de que a reencontraria um dia. Sabia que, no momento certo, eles pertenceriam um ao outro. Desta vez, ela não lhe estendeu a mão, e ele não pôde enxergar a cor de seus olhos nem seu semblante, mas terminou o caminho até que seus dedos pudessem tocar a face morna. As velas restantes se apagaram e a escuridão os alcançou, o silêncio absoluto caiu sobre eles, e o reino dela se revelou grandioso para ele.