Estava desolado...

Como mais uma vez precisava achar forças, sabe-se lá de onde para superar tudo aquilo?!

Com o coração despedaçado, imensa tristeza o dominava, de todas as tragédias de sua vida, aquela tinha o gosto mais amargo...

Loretta, o professor... segundos...

Lembrou-se de sua infância...

A-N-S-E-L-M-O = Anselmo

Desde pequeno seu nome o intrigava, separava as letras, juntava, separava em blocos...

Mas o que sempre lhe ocorria era uma alma que anseia por algo e ao mesmo tempo era protegida com um elmo, como nos contos de cavaleiros medievais que adorava desde criança...

A primeira ideia de que seu nome teria um significado mais profundo, veio de um bilhetinho apaixonado que recebera da Loretta na 2a série... Lera tantas vezes que o decorara, guardou o pspelzinho consigo até que o mesmo se desfez...

Podia enxergar a bela letra da menina e a escrita de cada palavra ligada por ela ao seu nome...

Se sentia uma farsa e indigno daquelas palavras de Loretta e no recreio, quando ela veio com as amigas confirmar se ele havia recebido o bilhete durante a aula, a reação dele foi afastá-la!!!

Mostrou a língua, puxou sua trança loira e saiu gritando: "Sua menina boba! Odeio meninas!!!"

Falou no impulso do momento, com vergonha de alguém realmente ter reparado nele... se sentia tão, mas tão pequeno, tão mas tão inútil...

Aquele bilhete repassava em sua mente, ardia em seu coração...

Desde o primeiro momento em que leu aquilo, ficou perturbado: "Como alguém podia ver tanto nele, um simples menino?"

Anselmo ansiava, ansiou a cura da mãe que morreu ao seu lado a dois natais passados...

Como sentia falta dela, das histórias lidas ao pé do leito, das novas palavras que a mãe lhe explicava... Três anos prostrada na cama, o filho ao lado, ouvia, chorava, rezava e sentia todo aquele frágil amor que aos poucos saía num fio de voz...

Anselmo ansiava e ansiou que o pai o tivesse levado para morar com ele e a nova esposa e não o tivesse deixado com o bruto do tio Jorge e a pobre e sofrida tia Amélia...

E o elmo, ah o elmo... Será que a vida realmente achava que ele estava protegido de tantas dores???

Será que a vida realmente achava que não ter pai nem mãe e viver de favor, como constantemente lhe falava o tio, era fácil???

Era repetente, contava dez anos quando recebeu o bilhete e aquilo mexeu no profundo da alma de Anselmo...

Matou aula, foi para o terreno no fundo da quadra e chorou!

Chorou tão dolorosamente e tão alto, que o professor de Educação Física o ouviu, saiu do depósito e entrando no meio do mato, encontrou Anselmo encolhido, vermelho e sem fôlego...

_Calma rapaz! O que foi? Por quê tanto pranto?

E Anselmo falou, falou do abandono e de suas dores... Mostrou o bilhete e repetindo a fala do tio:

_Sou um lixo! Todos se foram porquê eu sou só decepção, não mereço o feijão que eu como... E olha isso! - Estendeu o bilhete para o professor - sou indigno, uma grande mentira! Como a Loretta me viu assim???

O professor incomodado e comovido jurou naquele instante que faria de Anselmo seu pupilo.

_Anselmo, ela não errou! Você é isso e muito mais, só não está no caminho certo... Quer que eu te ajude a ser como Loretta te vê?

_Quero muito! Mas é impossível...

_Anselmo, nada é impossível, só não vai ser nada fácil... Tu é homem pra encarar essa batalha?

E naquele momento Anselmo jurou que sim!

E o professor combinou que iria conversar com o tio e o menino seria seu ajudante...

_Agora, Anselmo, lava o rosto que eu vou com você na sala de aula e converso com a professora que tu estava me ajudando e acabamos perdendo a hora... E assim foi feito.

E o professor de Educação Física cumpriu a promessa, conversou com o tio que o menino estava muito na rua, mas que era um desperdício, pois tinha talento para o esporte e ele queria ensinar o garoto pessoalmente a lutar judô. O tio disse que não tinha como pagar e o professor disse que o menino podia pagar trabalhando na escola de judô e ainda receberia duas refeições.

O tio achou ótimo! Menos tempo olhando para aquele traste de moleque e ia economizar na comida! Trato feito!

E os anos correram, Anselmo cresceu, se tornou judoca, ganhou competições, evoluiu nas faixas e graduações do esporte, se esforçou muito, pois era bem desajeitado, mas perseverou e venceu!

Aos 18 anos se tornou instrutor de judô, alugou um quartinho e saiu pra sempre da casa do tio.

E sim, namorou Loretta, iam se casar, mas agora vem a parte triste do começo da história...

Casamento, o grande dia, igreja cheia, Loretta linda como um anjo, o professor na porta, pronto a avisar a ele no altar assim que ela descesse do carro...

Loretta estava tão bela, que o professor parou encantado e orgulhoso das conquistas do pupilo...

Igreja pequena, simples de bairro da periferia, ele abraçou a noiva e ia entrar quando...

Tiroteio entre polícia e traficantes, todos correram Loretta tropeçou no vestido, o professor correu para levantar ela e os dois acabaram levando vários tiros...

Alguns dias depois ambos faleceram...

Anselmo mais que atordoado se perguntava:

Anselmo = ânsia + elmo.

Será que um dia a vida iria dar folga?

Será que a ânsia e a luta acabariam?

Só queria ser feliz, ter a alma tranquila e um pouquinho de paz, mas agora perdera seu amor e o único pai que conhecera...

E pela primeira vez, resolveu buscar o real significado de seu nome:

[O nome Anselmo tem origem germânica, derivando de "ans" (deus) e "helm" (capacete/proteção), significando "proteção divina" ou "protegido pelos deuses". É um nome com raízes antigas e carrega um significado forte e tradicional, remetendo à ideia de proteção divina.

Além da proteção divina, o nome também pode ser interpretado como "aquele que recebe proteção especial" ou "hábil e talentoso"].

Ok, pensou Anselmo, não podia negar, fora protegido por um anjo na terra, o professor e sua doce Loretta protegera sua autoestima e o seu coração.

Se esse acontecimento era necessário por alguma misteriosa intervenção divina, que fosse, estava triste, devastado, mas não iria desistir!

Loretta e seu singelo amor lhe reescreveram a história, o professor lhe deu nova perspectiva de vida, nunca, jamais iria desonrar a memória deles...

_Que da vida venha o que vier! Sou Anselmo! Anseio por uma vida feliz e digna, trago em mim a proteção divina e o amor eterno daqueles que se foram mas vivem dentro em mim!