A cidade envelhecia sem testemunhas. Ruas estreitas e calçadas irregulares sustentavam edifícios que há muito haviam perdido o nome e a função, a Casa de Cera jazia abandonada há algum tempo. Os habitantes de Petrópolis estavam desaparecendo misteriosamente, sem deixar vestígio.
Era dita em sussurros, lembrada em histórias que se recusavam a morrer. Diziam que todos que entravam no local não eram vistos novamente. Contavam alguns frequentadores, das portas dos botecos, que os olhos das figuras de cera observavam os visitantes não como objetos esculpidos, mas como algo à espera—paciente, atento.
Numa noite escura e fria, Karlos chamou alguns amigos para passar a madrugada na Casa de Cera. Ele estava com uma namoradinha nova e com certeza não ia perder a oportunidade de "foder uma bocetinha nova." O cara era o garanhão do pedaço: alto, de porte atlético, negro de olhos azuis, um jovem lindo e atraente, como diziam as gatinhas. Roney, amigo de infância de Karlos, o mais cheinho e brincalhão; Igor, sério, magrelo e alto, de cabelo comprido; e Sandrinha, a namorada de Karlos, loira oxigenada, estilo funkeira, com peitinhos fartos e bunda empinada, resolveram zoar o local e desafiar o que chamavam de mito.
Seus passos ecoavam pelo assoalho inchado de umidade, e o cheiro de cera e algo mais—algo intraduzível—impregnava o ar. Não havia vento ali dentro, mas as chamas das velas tremulavam como se a própria casa exalasse.
No centro do salão, impregnado de teias de aranha e poeira, Sandrinha gritou assustada:
— Ai, que isso, tá parecendo um mausoléu, meninos!
— Que isso, gata, vai peidar na farofa? — perguntou Karlos. — Eu tô aqui pra te proteger, bb. — abraçando a namorada fortemente.
Uma porta os aguardava. Parecia velha e assustadora. Suas inscrições não eram apenas palavras—eram símbolos maçônicos, runas, um pentagrama e um estranho tridente. A curiosidade venceu o medo.
— Caralho, galera, qual é dessa porta? Sinistra, viu? — resmungou Roney.
Igor se mantinha calado, mas meteu a mão na maçaneta. Adentraram todos, um a um.
— Puta que o pariu! — pestanejou Karlos ao dar de cara com dois grandes contêineres cheios de ossos humanos e, no outro, uma substância gelatinosa esbranquiçada, mais parecendo gordura. Mal sabiam que era colágeno.
— Que caralhada é essa? — remungou Igor.
Nessa altura, a namorada de Karlos estava emudecida.
Um vapor estranho parecia ser exalado para dentro da sala pelo exaustor na parede.
— Que catinga braba! — cuspiu Roney, sem perceber que um gás estava sendo liberado no local.
Encontraram um caderno de anotações, todo sujo de digitais de sangue. O local fedia muito, e não era pra menos, com moscas e ratazanas por todo lado.
Ali, descobriram o segredo. Aquelas figuras de cera possuíam algo além da perfeição artística. A textura, o brilho, a essência da pele... eram reais. Não imitavam a vida, “roubavam” a vida. Colágeno humano, moldado, tingido, endurecido por mãos humanas, um psicopata, um serial killer, um canibal—sabe-se lá quem praticara um ato insano, diabólico, com requintes de tamanha crueldade
.
— Chefe, temos mais quatro vítimas para esta noite.
— Calma, Alfred, antes de apagá-los quero tirar o meu atraso. Vamos nos divertir bastante. Tu sabes que não perderia a oportunidade de comer um cu de macho. Bem, agora são três — respondeu o homem de meia-idade com meia máscara de cera no rosto queimado.
—E eu vou rachar a xoxota daquela novinha, hahahá! Afirmava o baixinho corcunda, mostrando os dentes apodrecidos, cheio de verrugas pelo corpo.
Ouviram passos e ficaram petrificados ao verem a figura deformada por trás de tamanha atrocidade.
A Casa de Cera permaneceu onde sempre esteve, indiferente ao tempo e às histórias que a envolviam. Para aqueles que ousaram atravessar suas portas, um aviso persiste: “há segredos que não pertencem aos vivos.”
Continua...