Era uma noite enluarada de Halloween quando Victor Almeida, escritor de 40 anos, trancou-se em seu estúdio na silenciosa Rua 21. Conhecido por romances ardentes e histórias de amor proibido, Victor buscava algo diferente naquela noite — algo que o inquietava desde o amanhecer. Os ventos uivavam como lamentos antigos, e as árvores pareciam se curvar sob o peso de um segredo não revelado.
Enquanto digitava compulsivamente, tentando capturar uma ideia que escapava como fumaça, um som cortou o silêncio: um uivo agudo, quase humano, reverberou pela escuridão. Victor congelou. Aproximou-se da janela, e o que viu não era fácil de descrever — uma sombra disforme, rápida demais para ser humana, rastejava entre os arbustos do quintal. O uivo ecoou novamente, mais próximo. O ar parecia mais denso, como se a própria noite estivesse prendendo a respiração.
Movido por uma curiosidade doentia, Victor abriu a porta. O cheiro que o envolveu era pútrido, metálico, como sangue fresco misturado à terra molhada. Então ele o viu. A criatura. Pelagem negra como carvão, olhos que brilhavam famintos por sangue, dentes que pareciam esculpidos para rasgar carne. O ataque foi silencioso, preciso, cruel. Victor caiu, sentindo o mundo se apagar em espirais de dor e confusão.
Mas antes que a escuridão o levasse por completo, algo sussurrou em sua mente. Não palavras, mas sensações — liberdade, poder, fúria. Quando acordou, ainda estava em seu estúdio, mas o mundo parecia diferente. O tempo tinha um ritmo estranho, e sua pele ardia como se algo tentasse emergir de dentro.
Nos dias seguintes, seus textos mudaram. O romance deu lugar ao horror. Sangue, vísceras, insanidade. Cada palavra parecia escrita por outra mão, uma mente que não era inteiramente sua. E então, na próxima lua cheia, a dor veio. Não como doença, mas como renascimento. Ossos quebrando, pele rasgando, gritos que se transformavam em rosnados. Victor deixou de ser homem.
A Rua 21 tornou-se seu território. A cidade, seu playground de caça. A primeira vítima foi um idoso solitário. Depois vieram os desaparecimentos, os gritos na madrugada, os rastros de garras nas paredes. A polícia não encontrava pistas. Os moradores trancavam suas casas, mas o medo já havia entrado pelas frestas.
Victor, agora dividido entre o escritor e o monstro, sentia-se cada vez mais distante da humanidade. Seus textos tornaram-se profecias. Cada conto que escrevia parecia se realizar na noite seguinte. Era como se o lobisomem estivesse usando sua mente como portal para o mundo real.
Mas em meio ao êxtase da caça, uma dúvida persistia: Victor ainda existia? Ou havia sido devorado pela criatura que agora usava seu corpo? A resposta parecia se esconder nas entrelinhas de seus próprios contos, como um código sombrio que ele não conseguia decifrar.
Na próxima lua cheia, Victor não escreveu. Ele esperou. Observou. E planejou. Porque agora, mais do que um monstro, ele era um autor do terror — e a cidade, seu livro vivo. A Rua 21 nunca mais seria apenas uma rua. Seria um aviso. Um sussurro. Um pesadelo que retornaria a cada Halloween, como um capítulo que nunca se fecha.

