No Evangelho encontramos numerosos exemplos de expulsão de demônios. A leitura de hoje revela, especialmente, muito a respeito das propriedades dos espíritos malignos. Antes de tudo, o que nos impressiona demasiado é sua força, o poder que podem ter sobre uma pessoa e o horror que são capazes de provocar. O endemoniado gadareno despertava um medo tamanho em todos, que era mantido preso com correntes e grilhões; mas ele quebrava as cadeias e era impelido pelo demônio para o deserto (Lc 8:29).
Ao mesmo tempo, no entanto, nós também enxergamos a fraqueza e até mesmo a total impotência dos demônios. Eles não podem atravessar a linha que Deus desenha. Eles nunca conseguiram matar sua vítima, tampouco arrastá-la para longe da costa.
O demoníaco, quando viu Jesus…, prostrou-se diante d’Ele (Lc 8:28), algo que os demônios certamente não desejavam fazer.
Também vemos a imprudência desmedida dos demônios: atormentaram o demoníaco, sem a menor intenção de cessá-lo, não obstante ousaram pedir a Cristo para não serem atormentados.
Sabemos que demônios são espíritos que não ocupam qualquer espaço; aqui há uma legião deles em uma só pessoa. Eles, porém, podem estar somente em um lugar — estão aqui agora, mas logo serão expulsos, espalhar-se-ão e entrarão em muitos outros corpos.
Novamente vemos a impotência deles diante de Deus: não podem sequer entrar em porcos sem a permissão Dele. De novo, em contramão, vemos também seu grande poder quando Deus permite a eles que tomem o controle de alguém. Eis que um rebanho de animais de repente e em debandada atirou-se no mar, afogando-se.
Esse trecho cobre os primeiros cinco minutos do documentário, naquela edição chamada de “sem cortes” ou, ainda, “versão do diretor”. Não temos informações a respeito de sua produção, mas, certamente, podemos contar com alguns pontos-chave: trata-se de um texto traduzido, de forma indireta, do russo para o português. Zielinski afirma “ter narrado ele mesmo o segmento, pois a ausência de vozes do Instituto [1] impossibilitou a ideia inicial” (ZIELINSKI, 2018; p. 22–21).
O motivo pelo qual foi incluída é incerto. Todavia, o efeito que se observa ao se deparar com a abertura de “Por Dentro do Veado Branco” [2] é o de aparente calmaria: a filmagem caseira começa abruptamente, enquadrando um bando de veados pastando, com pouco ou nenhum tratamento claro; a luz transforma as pedras da campina em ouro, as árvores, embora sem copas, resplandecem debaixo do sol; com a aproximação de quem segura a câmera, os animais não fogem; a câmera foca o maior deles, um cervo com marcações no rosto, que continua comendo a grama; o monólogo segue, os veados pastam. Toda essa sequência vem em cores levemente apagadas, a fim de emular, talvez, um equipamento de baixa qualidade. Ao todo, temos cerca de três minutos até a próxima transição, abrupta como o restante da versão do diretor, porém sem métrica anterior [3], não há como atestar se de fato essa inclusão faria diferença a não ser conferir mais tempo de duração.
Zielinski termina sua narração — em tom de voz contundente, com consoantes plosivas estouradas devido ao microfone pouco refinado, traço comum da obra —, e aquilo com que nos deparamos é uma tela preta de, mais ou menos, trinta segundos.
Em estudos, tentou-se diagnosticar o fim abrupto com o conteúdo do documentário: “a paz onírica, via de regra, acaba quando se desperta de um sonho, porém nesse despertar há a escuridão, elemento presente, vivo, palpável e ao mesmo tempo intangível” (BAPTISTA, 2018; p. 18). A escolha foi de qualquer forma frutuosa. Criou-se um assoalho para o que viria ao final, um recurso chamado de foreshadowing, embora sua utilização seja dúbia a partir do momento em que Baptista coloca que não se trata de foreshadowing propriamente dito, mas de uma falha no
— Meu Deus, aonde você estava? Estamos te procurando há horas!
Basílio não respondeu. Queria poder voltar no tempo para conversar com a sra. Konhe, mas, conforme a dor de cabeça piorou com o passar das horas, decidiu permanecer um pouco mais na sala de aula. Em vez de encarar Sônia e Marisa, apenas fixou o olhar nos próprios pés e assentiu.
— Você sumiu por três horas — disse Sônia.
— Três horas? — repetiu ele.
— O que estava fazendo?
— Procurando um banheiro — murmurou Basílio.
Você estuda aqui há quase dez anos e não consegue achar um banheiro? Era o que Sérgio diria. Ele agarraria Basílio pelos ombros e o sacudiria também. Sônia, no entanto, não se moveu, apenas trocou olhares com Marisa. A primeira era uma mulher de meia-idade, com longos cabelos castanhos descendo pelas costas, enquanto a segunda era um pouco mais velha que Basílio. Ele gostava de observá-las conversando, como faziam naquele momento, apenas entre si, pronunciando palavras que ele não compreendia totalmente — o corredor estava barulhento. Os alunos estavam saindo das salas. Logo, Sérgio também estaria. Talvez fosse hora do almoço. Ou apenas outra classe.
— Vamos ao banheiro, Basílio. — Sônia sorriu.
Ele deixou o corredor onde ficava o banheiro do primeiro andar, usado pelas crianças menores. Todas as cabines estavam ocupadas. Alunos entravam e saíam sem parar. Sônia vinha logo atrás, mas em pouco tempo passou à frente, liderando o caminho.
Ao alcance dos olhos de Basílio, os pátios da escola logo se enchiam de meninos e meninas. Ele seguia por dentro do prédio, atrás de Sônia — os vasos suspensos reluziam em tons de roxo e verde sob o sol. Quando as janelas deixaram de aparecer e as paredes ficaram mais escuras, viraram à direita. As sombras engoliram Sônia, e Basílio também se viu engolfado pela escuridão. Ainda assim, podia sentir o leve perfume de lavanda, lírios, orquídeas e velas. De repente, a luz os atingiu de novo. O banheiro ficava no fim do corredor. Os pátios estavam vazios, e não havia copas acima dos troncos nus.
— Vou esperar aqui fora — disse Sônia, parando na porta do banheiro masculino —, e depois a gente pode ir.
Basílio passou pelo arco, e o vazio o alcançou com um sopro frio, branco e úmido.
Cada cabine era idêntica à anterior. Nove no total, todas encostadas na mesma parede, de frente para as pias, o espelho, o reflexo. Basílio empurrou uma das portas, olhou dentro — nada. Precisou abrir mais duas para convencer a própria mente de que estava realmente tocando madeira, que o ar cheirava a cloro, que as janelas estariam lá no final. Que ano era? Em que ano estava? As paredes foram pintadas, mas quando?
Logo estava de volta à entrada, e Sônia tomou a dianteira novamente, guiando-o mais fundo pelo corredor, vazio feito uma urna. Não soube por quanto tempo andaram, ou por quanto tempo subiram as escadas.
Basílio entrou pela porta onde ela entrou, ouviu o clique da maçaneta e tentou avançar pela sala, mas tropeçou em uma infinidade de cadeiras. As luzes estavam apagadas. Mesmo assim, seus pés puderam levá-lo mais longe, e logo ele estava apoiado na mesa principal, sob as lâmpadas fluorescentes do teto, de repente acesas.
— Por que saiu da sala, Basílio? — soou a voz de Sônia.
— Eu precisava ir no banheiro.
— E ficou fora por três horas. — Ela suspirou. — Se você precisar de ajuda, sabe que pode contar comigo.
— Yani disse que eu podia sair. Ele ficaria de plantão por mim.
— Yani não pode ficar de plantão por duas pessoas. Ele é um só. Sua turma tem quinze.
Basílio sentiu as palavras se esconderem na garganta; abriu a boca, mas nenhum som saiu. Quis dizer que só fora ao banheiro, e que Yani havia se oferecido para cuidar da turma dos reformados, já que também era superintendente. Sônia entenderia isso se ele apenas falasse de novo. Talvez até o perdoasse, quem sabe lhe desse um daqueles papéis amarelos, com linhas, quadradinhos para marcar e um espaço em branco para o nome, que dispensavam os alunos do trabalho. Papel de dispensa, era como se chamavam. Basílio enfiou a mão no bolso, mas não havia nenhum daqueles ali — apenas seu próprio papel de sempre, amassado como embalagem de chiclete.
Queria ter em mãos um papel de dispensa e, então, dizer tudo aquilo para ela, mas ela já estava diante dele: uma mão acariciando-lhe o cabelo, a outra pegando o pertence.
— Você tem uma cópia disso? — perguntou, levando-a até a mesa atrás de Basílio. — Precisa mostrar ao Fábio se ele te pegar passeando por aí.
— Eu não estava passeando. Eu só fui no banheiro — disse ele. — Preciso voltar pra sala.
— Você não pode voltar no tempo.
Sônia deixou o papel de lado e foi até a única mesa desocupada; sobre ela, repousava um monitor de tubo pesado, desligado, enquanto o computador principal zumbia. Ela lançou um olhar a Basílio ao se sentar.
Os outros carreiristas já haviam comentado sobre Sônia, como era complacente, como seguia Basílio de um lado a outro, mas falavam mais de Marisa. Sérgio dissera uma vez que tentara conversar com ela, conversar daquele jeito, mas Marisa sequer o olhara. Não era de joguinhos igual os outros. Era diferente, embora às vezes o fitasse de relance, enquanto perguntava sobre os outros superintendentes, os outros alunos, os outros reformados, e Sônia a mandava fazer outra coisa assim que a flagrava. Ele sabia o que ela pensava. Sérgio também sabia. Talvez fosse ciúme. Basílio ouvira nos corredores, pela boca de Emanuel, que Marisa falava muito dele. Sônia não, embora parecesse: os olhos dela brilhavam sempre que o olhavam e, em seguida, dizia a ele como ele havia crescido.
Contudo, Sônia não o conhecia havia tanto tempo assim. Conhecia há oito meses, talvez um ano. Quando ele lhe dissera isso, ela ficara em silêncio por uma semana e, em vez de abrir a porta como o relatório mandava-a fazer, deixou-o no banheiro, trancado.
— Não tem ninguém na porta — repetiu ela.
Basílio não se moveu. Apenas a encarou, com o olhar vazio.
Ele estava vagando havia três horas. Impossível. O que Sérgio diria? Talvez você devesse dar uma olhada dentro do armário em frente à porta, bem ali na cozinha, mas não na que usam para cozinhar a comida, e sim naquela onde deixavam as crianças pequenas brincarem de fazer biscoitos. É um enigma. Vá e me diga a hora, o dia — em que ano estamos? — em que sua amiga desapareceu. Certeza que pode achar algo a respeito ali, no fundo, do lado de dentro. Fui até lá com Emanuel e Yani, antes de tudo acontecer, só que tivemos de voltar, pois o chão começou a arfar como se estivéssemos num navio, e ao tentarmos seguir à esquerda, havia um monstro em formato de aranha. Tivemos de voltar. Estávamos trancados naquele banheiro do térreo no dia seguinte. 82572 horas. Esse é o tempo que você esteve perdido. Mas você não pode sair, há um muro no fim do pátio da escola, um muro pelo qual você não pode passar, embora seja transparente. Os carros correm morro acima. Há outra escola lá, para os alunos comportados, e ali o céu é roxo, as estrelas caem sobre nossas cabeças, há quilômetros e quilômetros de floresta. 82572 horas. Dê uma olhada dentro do armário e veja o que há no caminho à esquerda. Veja se pintaram as paredes do quarto com as flores. Não se esqueça de verificar o calendário.
Basílio saiu da sala primeiro. No corredor, o ar fino e fresco era banhado pelos raios solares que perfuravam as janelas. Sônia veio logo atrás.
— Dorinha tem feito o que mandaram que ela fizesse — dizia ela. — Depois que os garotos entraram no banheiro feminino, ela ficou sem saber o que fazer… O que eu acho é que ela deve ter ficado com medo de pedir ajuda.
— Estranho.
— É, estranho.
— Não, estou falando do armário.
Sônia olhou-o com o cenho franzido. Parou de repente. Basílio, em vez de apertar as sobrancelhas e estreitar os olhos, apenas fitou a janela atrás dela. Do lado de fora, um grupo de meninos jogava futebol. Ele viu Soluço e Tartaruga, Bastille e Athos. Totó não estava em lugar nenhum. Os dois primeiros observavam as crianças. Soluço se inclinou para Tartaruga e sussurrou algo em seu ouvido. Bastille e Athos seguiram chutando pedrinhas do pátio. O dia estava claro e azul, com o frescor de primavera; todas as árvores tinham copas, havia alunos por toda parte — de branco e amarelo —, e Basílio desejou estar ali também. Sônia estava diante dele, e a vista de repente foi barrada pela silhueta da professora.
— É melhor você ir, Basílio — disse ela. — Você parece exausto. Dormiu ontem à noite?
— Não.
— A sra. Konhe está indo embora hoje. Acho que você bobeou de não ter ido mais falar com ela.
— Quando isso acaba? — perguntou ele.
Ela lançou outro olhar confuso, e, como antes, havia algo ali que ele não soube decifrar.
— É melhor você ir. — Não era uma sugestão, ele percebeu. — Vá falar com Sérgio, Emanuel e os outros. Hoje vocês têm uma assembleia e, depois, aula de ética. Não se atrase, querem começar a filmar logo, e os superintendentes precisam estar todos…
— Quando isso acaba?
— No fim do dia deve estar tudo resolvido, as câmeras e tudo mais.
— Quando posso ir embora? — Nenhuma resposta veio, apenas uma mão em seu ombro. — Quero ir pra casa. Onde é minha casa?
Sônia sumiu em algum dia entre 25 de março e 8 de maio. Karayel veio ocupar o espaço que ela deixou. Até lá, Basílio teve aproximadamente duas semanas — ou um mês —, dependendo de qual face do prisma se observa ao entrar na sala estreita.
Ela o levou até o pátio da escola, e o sol estava alto no céu. Havia carros no estacionamento, do lado de fora dos muros e das grades — altas, pontudas no topo, para que nenhum dos reformados conseguisse escalá-los e pular para o outro lado. Em algum ponto, colocaram arame farpado sobre o muro mais baixo; mesmo assim, um garoto chamado Carlito se enroscou nele, e Sérgio contou que os fios arrancaram-lhe a pele. O antebraço parecia um pedaço cru de carne moída. A tinta ainda estava fresca no muro. Basílio ainda podia ver as gotas de sangue no cimento enrugado, mas não os fiapos de carne e tampouco os pele, como Emanuel insistia que havia.
Basílio estava novamente encostado contra o muro. As gotas de sangue ao seu lado — secas — esturricavam no sol. Ninguém o procurou, nem Dorinha, nem Yani, nem Brena, só Soluço, Tartaruga, Athos e Bastille. Os de sempre. Menos Totó, Totó não.
Eles o cercaram. Athos falou primeiro:
— Sunny fez alguma coisa com Cal atrás do banheiro hoje.
— Dorinha estava te procurando, ela e a Brena — disse Bastille. — Não é como se a gente quisesse…
— Vão se fuder, vocês dois.
— O quê?
Athos foi o primeiro a se irritar e avançou a fim de agarrar a gola da camisa de Basílio, mas Bastille o segurou, empurrando-o para trás e pondo-se entre os dois. Soluço e Tartaruga riram.
— O que você disse? — Os olhos de Bastille encararam os de Basílio. O rosto dele ardia de raiva.
— Vão se fuder.
— Sunny está fazendo o Cal fazer um monte de merda, e essa é a sua resposta? “Vão se foder”? Tá falando sério?
— O que você quer que eu faça?
— Tenta fazer ele parar? O Cal quase apanhou do Fimose hoje. O Arthur falou pra ele que…
— Tô pouco me fudendo pro que o Sunny faz ou deixa de fazer — disse Basílio, balançando a cabeça. — Se você faz o que ele manda, tem mais é que tomar no meio do cu.
— Ele tava tentando armar uma briga entre o Cal e o Totó, se isso te interessa — disse Soluço.
— Eu não vou falar com o Sunny. Se vocês quiserem, tudo bem, mas eu não vou perder meu tempo com ele.
— O Cal já roubou duas Fantas da cantina — disse Bastille. — Ele e o Totó pularam o balcão e abriram a geladeira enquanto a moça não olhava. A Brena e o Yani contaram pra Sônia, mas só o Totó foi pego, mesmo tendo voltado pra sala antes do Cal. Estranho, né?
— Ele acha que o Cal colocou ele em alguma cilada? — perguntou Soluço.
As árvores acima deles lhes ofereciam sombra. Basílio ficou parado, calado, observando os outros especularem sobre Totó e Cal. Se Sérgio estivesse ali com Emanuel e Yani, faria alguma piada sobre o pescoço do Tartaruga ou a altura de poste do Soluço, talvez repetindo o que Athos dizia: “Esses dois filhos da puta parecem que roubam o dinheiro dos outros só pra jogar na privada e ver se faz caldinho na água.”.
Tartaruga murmurou algo sobre Marisa; Soluço riu. Bastille os repreendeu, e Athos revirou os olhos, mas ficou em silêncio. Basílio sentiu a testa se franzir — o som, um baque surdo e distante, fez com que ele virasse o rosto em direção ao pátio próximo.
Uma bola subiu no ar.
O arco se curvou sobre os meninos cozinhando no concreto.
Um clangor e um estalo tremeram — e a bola ficou presa entre o aro e a tabela.
— E quando o Cal voltar, o Sunny vai cair em cima dele feito a porra de uma pantera — disse Athos. — É impossível falar com ele.
Perto da entrada da cantina — uma caixa isolada sob o sol —, o sorriso queimava a quadra. Os outros garotos olhavam para o centro, de repente aberto; uma silhueta atravessava o corredor.
— Moleque retardado — rosnou Bastille, cruzando os braços. Ele mirava a cantina, onde Dorinha também estava, e a bolha cor-de-rosa de chiclete estourou, muda, em cima da quadra em chamas. — A Bruxa trancou o Cal na chuva porque ele tentou entrar na copa, e isso porque esse merda mandou. Ele ficou sem voz semana passada inteira e agora tá aí. Filho da puta.
A cabeça loira de Cal surgiu acima dos outros num piscar de olhos.
Ele subia rápido no poste, escalando-o como um esquilo.
— Quem te contou isso? — perguntou Soluço, erguendo a sobrancelha, embora o medo em seu rosto gritasse, pronto para a fuga.
— Totó me disse que é verdade — respondeu. — Aí ele falou que tem uma passagem no armário, viu quando foi pegar as fruitellas, mas aí apareceu um monstro.
Cal estava tão alto que parecia ser capaz de pegar o sol com os dedos — uma bola entre o céu e os meninos do pátio. Basílio viu suas mãos tentando puxá-la, arrancá-la dali. Mas ela estava presa. Cal puxou mais uma vez, e o solado do tênis escorregou na barra de metal. Seu corpo inteiro escorregou. Ele caiu de uma só vez.
O impacto da queda nunca veio, porém. Os arquejos foram sufocados, o grito de Cal dilacerou o dia. Ele estava acima do chão, pendurado, preso pela mão, pressionada entre uma intersecção e perfurada por um grande rasgo do metal no poste.
Os garotos debandaram de vez, correram em direção à quadra em frenesi completo, rapidamente unindo-se à multidão ao redor de Cal, que gritava e gritava e berrava e urrava e se sacudia no ar e chorava de dor. Basílio tirou as costas do muro, fez menção de arrancar, quando viu a faísca de prata mergulhar na carne.
A sobra desceu na pele, rasgando, Cal caiu no chão com uma pancada seca.
Na noite de 15 para 16 de maio, aos 65 anos, o Arcipreste Vyacheslav Reznikov, clérigo da Igreja da Intercessão da Santíssima Theotokos, na vila de Cherkizovo, distrito de Pushkinsky, morreu repentinamente de insuficiência cardíaca.

