Dançaram à luz da lua, devia estar tocando forró, eles não sabiam e provavelmente nem notariam se estavam escutando valsa ou xote. Só se via os dois naquela luz pálida, o garoto com nome de escuridão e garota com nome de estrela.
Os cabelos loiros dela estavam lilases, o spray ligeiramente desbotado. Os olhos dele brilhavam com lentes de contato roxas por cima de íris já azuladas. Eles eram um estranho casal, dançando naquele dia dezesseis de julho.
Uma última dança, para minha última alma gêmea.
Escondida da escuridão, uma pequena garotinha esperava quem havia lhe mandado uma rosa e um bilhete convidando-a para ser seu par no baile de inverno. Ironicamente, inverno no hemisfério sul é quente, então parecia mais um baile de verão ameno.
A garotinha aceitara se encontrar com a pessoa, pois já tinha ideia de quem seria pela caligrafia ilegível. Ela ainda se recusava a acreditar que seu amigo de longa data mudaria de país sem mais nem menos, sem previsão alguma de voltar por anos.
Uma pequena lágrima escorreu por seu rosto delicado.
Uma última lágrima para um último encontro.
A menina de nome estranho balançava as pernas sentada na beira da ponte. Ela tinha uma garrafa de Vodka na mão direita e um buquê de suas flores favoritas – peônias, já murchas a dias – na outra. Ela tentava se convencer de que estava tudo bem, embora não estava.
Ela estava tão cansada, e por mais que a entristecesse despedir-se de seus familiares, pessoas que se importavam consigo e outras por quem nutria algo próximo de companheirismo, a menina sabia que não havia outro jeito.
Ela rezou baixinho e beijou as flores.
Um último beijo, para a última brisa noturna sentida.
O rapaz de tênis caro corria. Tinha apenas alguns minutos antes que perdesse o trem; ele precisava parar o trem, necessitava, carecia, devia, era um ato mandatório: ele iria parar o trem a qualquer custo.
À medida que o tempo passava e seus passos ecoavam na rua vazia, o rapaz diminuiu a velocidade. Ainda estava a quilômetros de distância da estação, e àquela hora o trem já devia estar soando seu último apito e tomando velocidade por cima de trilhos férricos, com dezenas de corações pulsantes em seus vagões. Entre eles, um em especial que batia apertado.
O rapaz despiu seus tênis suados, andou apenas de meia pelo asfalto e os jogou no riacho.
Eles fizeram um barulho engraçado, o rapaz deu uma risada.
Uma última risada para sua última lembrança do pai.
Dentro de casa um homem falava ao telefone, ele parecia aborrecido. De certo terminava com a décima sexta namorada, e ainda tinha menos de trinta anos. Um homem como ele deveria estar casando, tendo filhos, com um emprego fixo e uma boa casa.
A realidade do homem eram casos esporádicos que raramente duravam mais que três meses e uma interminável fila de manhã sempre que era demitido do emprego por causa de seu gênio estressado.
O homem olhou para o sofá verde-limão, presente de seus pais quando decidira morar sozinho no centro da cidade. Aquele sofá já fora testemunha de tantas facetas do homem que agora se acalmava, o telefone quebrado em algum lugar do outro lado da sala minúscula.
Agora, o homem decidiu se mudar novamente, começar uma nova vida. Ele foi para o quarto, afundou o rosto no travesseiro e gritou o mais alto que conseguiu: aquele seria seu último dia no apartamento apertado, encarando aquele sofá velho e fingindo ser doce com mulheres que fingiam estar interessadas.
Um último grito sufocado de desafio, uma despedida de braços abertos.
No riacho, dois peixes se analisavam.
Seus olhos esbugalhados observavam as cores vibrantes das escamas de cada um, pensando do jeito abstrato que peixes pensam, de um modo tão único e incompreensível que o garoto com nome de escuridão e a garota com nome de estrela faziam barulhos bobos tentando imitar a melodia de amor dos peixes.
Devia estar tocando forró para os humanos, e valsa para os peixes.
Os peixes se tocaram, e assim também fizeram o garoto e a garota.
Um último toque no último dia dezesseis de julho que passariam juntos.
Um último inverno, uma última flor, uma última memória, um último apartamento.
Uma despedida triste, sufocada, melancólica, nostálgica, neutra.
Sentimento único dentro de cada um que trocava o último olhar, as últimas palavras.
“Adeus.”