Licor de nuvem
Holzwarth
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 11/02/25 23:13
Editado: 11/02/25 23:15
Gênero(s): Crônica Reflexivo
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 4min
Apreciadores: 2
Comentários: 1
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Palavras: 584
[Texto Divulgado] "O Jarro De Carne" O recém formado doutor Haward, inicia sua jornada de trabalho ao lado de seu mentor. Juntamente com sua equipe, ele inicia um experimento que mudara, para sempre, o futuro da humanidade.
Não recomendado para menores de dez anos
Notas de Cabeçalho

é um texto sobre nada que nem se você se esforçar muito você entende

Capítulo Único Licor de nuvem

Esmague uma aranha até que ela morra. Ela se mexe mesmo, é normal até que os sinais nervosos cessem. Ela ainda vai se mexer um pouco, mas se você esmagá-la bem, ela estará morta. Por quanto tempo preciso deixar o corpo no quintal? Sim, me livrarei dele para agora.

Tem algum lugar como aqui? Que eu posso chamar de casa? Alguém mais mora aqui? Se puder, alugue um quartinho para mim. Eu não faço barulho, fico sozinho, pensando, bebendo água e vivendo, como uma planta decorativa. Para as plantas você também reserva um tempo?

Como todas as vezes antes dessa. As minhas preocupações não são suas, mas as suas preocupações são minhas. Não é mais como há tanto tempo atrás. Vê: não se matam mais aranhas como antigamente, não se desenham mais sóis de sete cabeças ou falam da sala onde há o piano. Se tenho medo do escuro, do Natal ou do banheiro, se não vai lembrar de mim à tarde ou quando o dia cai, se não vai vir quando eu chamo ou choro ou me visto de planta de casa, de que importa? Vou à Igreja, visito a casa do Padre, rezamos novecentos Pais Nossos e quatrocentas Aves Marias, e nem de lá consegues me ver. Não é porque sou pequeno, é que dói ver. É uma pintura feia.

Nunca quis ter uma pintura como essa? Se caio de cara no chão e nos olhos me entra areia, quem me ajuda a enxergar? Ninguém quis me ver, mas não me abandonaram de pronto. Se fosse o abandono, doeria menos; a ferida ia fechar, ia deixar memória e cicatriz, e quando tem ódio, faz o quê? Espera fechar? Não sei. Não pode fechar. Arde.

Como não acredita e como não serve e não serve mesmo pra nada nadinha mesmo. Queria ouvir uma vez só sobre as nuvens quando chove, sobre aqueles dias em que você tentou e não conseguiu mas estava tudo certo, sobre as aranhas, sobre os parasitas, sobre os vermes e sobre. Você deveria perdoar ele. Por quê? Ele não fez nada de errado. Então por que você trata ele tão mal?

Mas me tornei quase invisível até certo ponto, como um homem morto, mas dos mortos se fala bem ou nada, enquanto dos vivos só se fala mal. Se eu estivesse morto, falaria bem de mim? Falaria que fui bem? Falaria que fiz bem? Que as contas no meu colar são interessantes, que as minhas plantas são bonitas e que eu faço bom com meus pensamentos? O que quer que eu desenhe essa noite? Pode ser uma aranha? Pode ser uma teia? Pode ser o pinhano de cauda? Piano, piano. Piano. Sem nh. Não se tem uma cauda onde tem piano ou uma sala onde tem um piano? Pode ser o piano?

Vou ficar até o final dessa vez, para se lembrar de mim como nos velhos tempos, ainda que não tenhamos mais a mesma voz ou os mesmos cabelos. Tocarei o piano para você e você pode me lembrar a me lembrar de mim. Queria perguntar quais mães comem os filhos e quando é que a aranha deixa de proteger sua ooteca. O que os filhotes precisam fazer para isso acontecer. Eu preciso ser protegido ainda, mas se você quiser pode me deixar aqui, eu não faço barulho, fico quietinho, e você pode ligar a banheira, enchê-la, tomar um banho enquanto pensa em ursos pardos, aranhas, as teias, a cerâmica, o piano. Eu estarei por aqui. Pode ir.

❖❖❖
Notas de Rodapé

eu falei.

Apreciadores (2)
Comentários (1)
Comentário Favorito
Postado 10/04/25 02:43

Eu acho que só tendo provado de uma alta dosagem de solidão e coragem, que obras magníficas assim podem ser escritas - e compreendidas.

Ah... A vida adulta e seus segredos macabros que ninguém nos conta, a gente pisca, e de repente é isso tudo e muito mais, e ao mesmo tempo, em que temos de ser tudo, o tempo passa tão rápido e vagaroso, ao mesmo tempo, que acabamos nos sentindo meio... Nada.

Mas, creio no fundo do meu ser, que pessoas que entendem (e que criam) artes como essa obra tão nua, tão agressivamente mansa, tão absurda, carnal e humana, vieram para este mundo com poderes especiais.

Poderes estes, que não nos fazem melhores que ninguém, mas que nos salvam, na mesma medida que ferem e curam.

Que maldição são, as desventuras e amarguras dessa vida, mas que privilégio é, olhar para os abismos, e saber quando implorar, gritar, desvendar, enlouquecer, e escrever cada esoterismo secreto que surge, apenas para registrar, isso é a chama da vida.

Obrigada por manter sua chama acesa e me dar o prazer dessa leitura tão curiosa e tão familiar para mim.

Excepcional!

Postado 18/04/25 18:38

Acredito que esse texto seja uma coisa que veio de dentro, em tempos pouco amigáveis (não diria de fúria, porque não sei se estou mais nesse tempo de fúria. É um tempo de ver o que passou e se a fúria que foi sentida foi suficiente -- justificada ela certamente foi). Ser adulto é bom, mas só é plenamente bom quando você começa a viver. As pessoas deixam certas fases e vão viver a vida delas. Algumas deixam essas fases e vão catar os cacos, que não são poucos. Depois, precisam colar, e talvez eles tenham uma xícara bonita, igual aquela do livro, e talvez tenham um monte de pedaços que não servem pra nada. E de cor de nuvem resta o quê? Eu não sei, não gosto de usar xícara, por isso nem tenho.

Escrevê-lo demorou um tempo, porque só abria o documento quando sentia uma espécie de dor física vinda de momentos que ainda não acabaram dentro de mim, apesar de já terem ocorrido. Não diria que foi catártico. É como um relatório ou o resumo de um. E entendê-lo nem eu entendo totalmente. Sei que é sobre tudo e sobre nada ao mesmo tempo, como uma memória distante, sem pai nem mãe, sozinha no mundo.

Fico imensamente feliz que tenha pensado isso do meu humilde texto. Estou lendo várias vezes esse comentário e queria ter a memória de um peixe-dourado para ler como se fosse a primeira vez. Muitíssimo obrigado <33