Há tempos venho pensando em quanto a filosofia antiga nos dá pistas de como viver uma vida plena e bem vivida. Sim, há mais de dois mil anos, alguns de nossos ancestrais dedicavam um grande tempo, se não toda a sua vida, para refletir no modo humano de agir e pensar; modos estes, que parecem, nunca antes, tão ausentes nessa sociedade.
Segundo Pierre Hadot, a SABEDORIA é considerada em toda a Antiguidade um modo de ser, um estado no qual o homem é de maneira radicalmente diferente dos outros homens [...] entre as principais virtudes do sábio antigo, Hadot identifica a Igualdade de Alma, A Ausência de Necessidades e a Indiferença às Coisas Indiferentes, como características daqueles que “possuíam” a sabedoria. Mas, o que exatamente isso quer dizer?
Bem, todas estas são características muito simples, que direcionam o ser humano a ser e se conhecer, mas do que ter e se mostrar. Identificamos a igualdade de alma, como uma espécie de coerência consigo mesmo. Uma sintonia e respeito com seu corpo para com suas atitudes. Outra importante atribuição a este termo, é a adaptação ao que se tem e, ao que não se tem. Aqui, a resiliência aparece, como forma de exercício adaptativo e de certo modo, com a ênfase de viver no presente, possuindo gratidão pelo agora. Como exemplo, Hadot cita o diálogo O Banquete de Platão dizendo: “Assim Sócrates, mantém as mesmas disposições, quer seja obrigado a suportar a fome e o frio, quer ao contrário, se encontre na abundância”.
Aprender a viver com o que se tem, principalmente, se tratando de bens materiais, já são indícios da segunda característica citada por Hadot, descrita como: A Ausência de Necessidades. Dentre os filósofos citados por ele, encontram-se os Cínicos “Só depende de si, basta-se a si mesmo e reduzir ao máximo suas necessidades”; os Epicuristas “que trabalham, limitam e dominam seus desejos, não dependendo das necessidades”; e os Estoicos “que preferem dizer que é a virtude que basta a si só para obter a felicidade”.
Hadot ainda traz o exemplo de Aristóteles, que considera que o sábio leva a vida contemplativa porque não tem necessidade de coisas exteriores para se exercitar e porque encontra, com isso, em si, a felicidade e a perfeita independência. Lembramos aqui, da nossa intitulada sociedade do consumo, de como a ascensão exponencial do poder de compra, (produtos, produtos, produtos! Aqueles que fazem “a roda” girar – e como eu odeio essa roda...) nos imergem em um mundo mecânico de novas aquisições, satisfação instantânea e a perda, muitas vezes, do bom senso da real necessidade.
Estamos cegos e presos e um sistema alarmante, que desvirtua e enfatiza o que você possui e não o que você é (e eu sei que isso pode parecer uma conversa defendida pelos “invejosos”, aqueles que não tem condições de comprar tudo o que desejam, e por isso, acabam criticando), mas, longe deste pensamento, o que desejo expor aqui, é de fato que, independente do meu poder de compra, o importante é aprender a valorizar o que se tem (você pode ter uma roupa que pagou mais caro, em função da qualidade do produto por exemplo) o que critico é ter centenas de roupas, muitas, que você inclusive só usou uma vez na vida (ou nem se quer usou). Qual o problema disso?
O consumo exagerado extrai matéria prima em excesso, gera impactos ao meio ambiente, sem contar no lixo que isso gera (a pergunta que fica é: vale mesmo a pena defender isso dizendo "mas causa empregos e movimenta a economia?"). Outro problema que poderia abordar, é o fato de centenas de pessoas estarem juntando dinheiro para comprar marca e não qualidade. Se pedir porque exatamente você compraria determinado produto, ouso dizer que a maioria não consegue nem argumentar. Sobre isso, um alerta: Platão alertava quanto ao mundo das sombras, hoje, vivemos enganados pelo mundo das aparências, e é preciso um grande esforço para sair dele... alerto quanto ao exercício oneroso de se acumular e uma perda inestimável de não se viver.
E finalmente, a indiferença as coisas indiferentes! Mas, ser indiferente não soa como egoísta? Neste caso não. A indiferença citada por Hadot, diz respeito a indiferença em fatos que não podemos mudar. Citarei um exemplo corriqueiro: O medo que sentimos em perder alguém. O que você pode fazer? Aproveitar cada segundo com quem você ama, valorizá-la como pessoa, nutrir elogios e compartilhar bons momentos, fora isso, sobre a morte, não poderás fazer nada (sinto muito, mas é a mais pura verdade). Então, tratá-la como indiferente, pode ajudar a lhe fornecer a plenitude para continuar vivendo.
Incrível não? São apenas três características que resumem o nosso mais apaixonante modo de ser: a essência de nós mesmos. Pense nisso!
Referências: Referências: Hadot, P. (1999). O que é a filosofia antiga? (1ª ed. francesa 1995). São Paulo, Loyola. Abreviado: FA.
*Um agradecimento especial ao meu Professor Miguel Rossetto, pelas aulas que tanto me fazem refletir (foi na aula dele que aprendi um pouquinho sobre Hadot e os sábios antigos).