Eu nasci para morrer aqui
Jadi Araújo
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 27/04/25 16:31
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 4min
Apreciadores: 1
Comentários: 1
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Usuários que Visualizaram: 2
Palavras: 483
Não recomendado para menores de doze anos
Notas de Cabeçalho

Olá! <3

Estou tentando voltar a postar textos aqui no site depois de muitos anos inativa. Senti muita falta de escrever e esse ano resolvi que quero retornar com esse hábito. Vamos ver se vai dar certo, haha.

Esse texto em específico veio de uma das fantasias que tenho na minha cabeça, um cenário que imagino de vez em quando e que tentei traduzir para fora de mim. Espero que tenha dado certo!

Capítulo Único Eu nasci para morrer aqui

Eu me sento na grama molhada, ignorando os calafrios que sobem conforme a minha roupa vai ficando fria pelo contato com a água. Ao contrário, eu quero mais: quero ficar mais fria. Tiro os tênis e as meias e deixo meus pés afundarem no verde-musgo e, em seguida, na terra gelada. Olho para cima e me sinto em casa, rodeada por pinheiros verdes e por nuvens cinzas e cheias. Eu retorço meus dedos na terra, ouvindo o barulho dos insetos e o balançar das folhas e dos galhos. Ao longe, enxergo montanhas e colinas, cobertas pela névoa branca.

O clima não é agradável para muitos, mas para mim parece um lar. Estou sozinha com meus pensamentos. Fecho os olhos e só enxergo troncos, caules verdes e raízes grossas. Nada é mais instigante do que observar as gotas de chuva escorrendo pelas folhas. É nesse espaço-tempo que eu me reconheço; é onde sei onde estou. É quando não há nada e o nada é reconfortante. Longe assim, com o mapa e a bússola descansando no solo ao meu lado, é quando não tenho ninguém. Não existem laços aqui, todos os rostos conhecidos desaparecem na névoa e eu me sinto tão enraizada quanto o pinheiro mais forte dessa floresta. É quando posso ser quem eu quiser e expressar tudo o que eu quiser: é quando grito, choro, rio e não existe ninguém que desaprove. As árvores são minha plateia, a terra me absorve aos poucos e as nuvens descarregam o que estou sentindo.

Eu poderia ficar aqui para sempre. Poderia nascer e morrer aqui, deixando a terra me tragar, pele por pele, órgão por órgão, sentido por sentido. Eu poderia permanecer de olhos fechados pelo restante da minha breve existência, tremendo de frio, suportando a chuva escorrendo por mim, a escuridão da floresta à noite e os lobos me farejando, certificando-se de que estou, ainda, nesse plano.

Imagino meu corpo criando uma silhueta na terra, afundando com cautela, me levando com carinho ao submundo de Perséfone, onde tudo é feito de almas perdidas, lamúrias e fogo. Me sinto tão alheia que, se fosse queimada viva, não soltaria nem um grito sequer. Eu olharia a fumaça subindo, imponente, e acompanharia minha alma se dissolvendo junto a ela. Me percebo tão longe que, se fosse julgada como uma bruxa, pegaria todas as ervas do campo e as queimaria comigo, como se fossemos uma coisa só.

Penso, então, que gostaria de ser parte do verde, do marrom e do cinza. Desejo ser parte do musgo que cobre as árvores, do solo que abraça as raízes ou da água que evapora para o céu. Gostaria de ser algo, qualquer coisa que não fosse eu. Penso que preferiria me abster de qualquer sinal de consciência. Tenho a certeza instantânea de que não fui feita para ser parte de qualquer outra coisa que não essa floresta.

Eu nasci para morrer aqui.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Se você abriu esse texto e leu até o fim, espero muito que tenha gostado :)

Apreciadores (1)
Comentários (1)
Postado 10/05/25 09:28

Acredito que quase todos nós já passamos por uma floresta gelada. Eu mesmo me lembro de uma viagem para o interior de São Paulo, de outras inúmeras para o sul, e é difícil não pensar em como elas são frias pela manhã. Até mesmo o Sol parece frígido acima da multidão de árvores, que rasgam o céu azul, a neblina, o inverno.

É interessante como a sensação do frio se segue pelo texto. A floresta, a terra, a relva, o orvalho — é tudo tão congelante quanto possível —, e mesmo quando a imagem infernal surge com o fogo, com as almas sem rumo, com os lamentos dos mortos, ainda existe a frieza. Ela domina a suposta sensação de calor abrasivo e terrível que vem do lar do Tentador, transformando-a na massa gelada da não-existência metálica de uma bússola deixada de lado; não há queimadura letal que a descongele.

A aceitação do pertencimento à morte é igualmente assombrosa, pois ela chega devagar, conforme a protagonista deixa assentar em si mesma o fato indiscutível de que irá morrer naquela floresta. Não é somente o morrer de frio, mas também o morrer entre os dois mundos: o de pertencer a nenhum deles.

Excelente texto, Jadi. Parabéns e obrigado por compartilhá-lo!