D. P saiu da porta de sua casa e encontrou na calçada seu amigo Paulo Jaime.
-E aí Jaime?
-Fala D.P.
Os dois bateram as palmas em um cumprimento.
-A galera já chegou? - Indagou D.P.
- Não, disseram no zap que ainda vão demorar um pouco.
-Qual vai ser o esquema?
- Acho que vamô a pé mesmo. Não é tão longe.
-Tá certo. Só espero que o cinema ligue o ar condicionado dessa vez. Calor intankavél hoje.
Começaram a andar rua abaixo.
-Mas e aí, Jaime. Deu certo aquele teu esquema lá?
Jaime fez uma careta.
-Não teve esquema nenhum. Eu não fiz nada.
-Ué? Você não disse que ia fazer alguma coisa?
-Eu não disse que ia fazer alguma coisa. Disse que ia pensar no que fazer.
-E resolveu não fazer nada?
-Não é bem isso. Só não faço bolhufas de como fazer isso.
-Qualé maluco, faz alguma coisa logo, não fica nessa de esperar um momento perfeito.
Jaime se irritou.
-Tu não entende.
-Fala aí pô. Qual o problema.
Jaime hesitou.
-É que eu não quero ficar numa situação chata com ela, cara. Ela pode me ver só como esse cara minimamente simpático e não como amigo. Mas ainda assim eu preferia deixar ela mais a vontade em relação a mim do que perturbar ela com a ideia que eu gosto dela.
-Cara, isso é normal. Esse medo irracional vai te deixar impotente. Não deixe que isso te impeça de tentar alguma coisa com a mina.
-Eu não diria que é um medo irracional. Essa merda acontece o tempo todo e tem casos até piores, tipo a mina te ridicularizar. Esse medo é bem real. Em segundo lugar, eu não sei se realmente vale a pena. O não eu já tenho e o sim eu provavelmente nunca vou ter.
-Tu não vai saber se não tentar.
-É possível saber sobre coisas sem experimentá-las. - Jaime cutucou a própria cabeça- Chama-se teoria.
-Ah mano, tu tá é procurando desculpa.
-Mas é verdade, cara.
- Você tá enrolando faz uns três meses, só tá se torturando com isso. Chegar nela não pode ser tão ruim.
-É ruim se meu amor for ofensivo.
Desviaram de algumas sacolas de lixo na calçada. D.P perguntou:
-Amor ofensivo? Papo de tuiteiro isso ai.
- O amor é ofensivo dependendo de quem sente e por quem se sente, apesar de que não deveria ser assim.
-Como diabos o amor pode ser ofensivo, Jaime?- D.P riu.
Jaime refletiu.
-Eu vou fazer um rodeio pra explicar, então preste atenção. Sabe o Hitler?
-Começou bem. - D.P riu ainda mais alto.
-Sabia que ele gostava de animais? Não suportava ver eles sofrendo, tanto que até era vegetariano por causa disso. Porque Hitler era vegetariano, isso faz o vegetarianismo ruim?
-Lógico que não.
-Certo. Agora imagine que uma pessoa tenha estudado a fundo todas as maldades dos nazistas e o que Hitler fez, mas essa pessoa não sabe o que é um vegetariano é e nem que esse doido era um. Imagine que um belo dia ela pega um livro de historia e lê, pela primeira vez, que Hitler era um vegetariano. Me diga, seria de todo impossível que a primeira coisa que passasse pela cabeça dessa pessoa é a ideia de que vegetarianismo é algo ruim?
D.P pensou um pouco.
-Não. É até bem provável. Só não entendo por que você teve que meter justo Hitler na conversa.
-Foi um exemplo. É só pra mostrar que algo que a gente não conhece pode parecer mau por associação.
-Beleza, e daí?
- E daí que isso funciona pro amor também. Se uma pessoa não sente ou não tem ideia sobre o amor de um outro cria que ela não gosta ele se torna repulsivo. Pode ser alguma coisa pura mesmo, típico de filme de menininha apaixonada, mas se ela não sabe sobre isso e não gosta do cria o valor desse sentimento é associativo.
-Ah! Mas isso aí não é novidade.
-Sim, sim. Mas não deixa de ser zoado? Vivem dizendo por aí que o mundo seria melhor se as pessoas amassem mais, “All You Need Is Love” e os escambau, mas se o amor vier de uma pessoa que elas não gostam simplesmente não é mais válido; vira um troço nojento e repulsivo. As pessoas só querem ser amadas, na maioria das vezes, por indivíduos escolhidos a dedo, isso em qualquer tipo de amor. Que importa se aquele esquisito gosta de você? O importante é falar, não sentir. É melhor só ter uma imagem bonitinha pras pessoas que você quer impressionar do que realmente ser uma pessoa bonitinha. Sabe, as vezes parece que as pessoas preferem ter o ódio do que o amor de alguém que não gosta.
-Porque é mais fácil manter distância do que ter convivência.
-Exatamente. Agora imagine que você seja tão repulsivo pra alguém ao ponto de que uma mera insinuação que vocês são iguais é recebida como insulto por ela. Aí o amor é ofensivo.
-E tu acha que o teu caso com essa mina seria ofensivo?
-Não tenho certeza. Às vezes ela parece amigável em relação a mim, às vezes eu pareço uma irritação. Só o tom de voz já indica isso. Se ela fosse consistente em seu comportamento seria mais fácil decidir. Mas não dá pra saber. Provavelmente ela só está sendo gentil, se gostasse de mim já teria feito algo mais substancial. Talvez. Talvez seja ofensivo.
A essa altura chegaram no shopping onde iam assistir o filme. Jaime pegou seu celular e digitou algumas vezes.
-Vão chagar daqui a pouco, bora pra praça de alimentação.
-Beleza.
-Outra coisa. Mandei mensagem pra ela; disse que preciso falar sobre uma coisa amanha.
-Presencialmente?
-Sim. É uma merda falar sobre esse tipo de coisa no zap.
-É mesmo. Mas e se ela achar sua declaração ofensiva?
Jaime guardou o celular no bolso.
-Então nunca fomos amigos.
Os dois entraram no shopping.