Lugar Nenhum
Calígula
Tipo: Lírico
Postado: 12/12/17 00:32
Editado: 12/12/17 00:37
Gênero(s): Poema
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 3min a 4min
Apreciadores: 4
Comentários: 1
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Palavras: 525
Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

"Aquilo que se reflete em meus olhos não possui significado. Aquilo que não se reflete, não existe."

Capítulo Único Lugar Nenhum

(O que era aquela coisa?

Aquele brilho, aquela

falta?

Eu a via entre o que não existia

e o que não desejava existir.

Ou talvez sequer isso.)

I

Não saberia dizer onde nasci

ou quando me dei conta de onde estava.

Mil horizontes se apresentavam aos meus olhos,

com mil sóis mais pálidos que minha própria vontade;

e eu tentava,

eu lutava,

ao menos até onde entendia o que era lutar,

até onde qualquer significado

ou coisa

pudesse algo.

Naqueles horizontes eu pensava

que devoraria cada sol

caso soubesse que queimaria com eles até o pó.

Mas então olhava para mim:

eu não possuía boca,

por mais que desejasse gritar,

por mais que quisesse mastigar

cada pedaço de mim.

Talvez a houvesse devorado para aplacar a própria fome.

II

Não sei por quanto tempo vaguei,

ou se vaguei sequer.

Sequer sei se havia um tempo.

Cada passo era um quase mergulho

onde qualquer coisa tentava me naufragar.

Ali eu sentia uma matéria que não era minha,

uma penumbra que não vinha de mim ou para mim,

mas na qual não poderia deixar de estar.

Não sei se era pegajosa aquela coisa,

não sei se fedia ou se cheirava,

se qualquer parte dela era algo além dela mesma,

se escondia ou revelava,

nutria ou matava,

curava.

Sabia,

talvez,

que estava enegrecida pelo que absorvia,

e o que absorvia era tudo…

e que me prendia,

puxava…

Mas eu não afundava ali.

Às vezes ouvia lamúrias de um outro lugar,

talvez mais profundo,

talvez mais que a mim mesmo.

Mas eu não as entendia.

Eu não sabia.

III

Os céus não eram céus.

Haviam bocas plantadas em cada nuvem

que nem sequer flutuava,

apenas desejava,

arregaçada a amaldiçoar.

Elas se abriam implorando,

aquelas goelas,

sua saliva tombava desfazendo o que quer que fosse

e ainda assim nada chegava às suas entranhas.

Eu as via,

entendia apenas por olhar.

Como eu,

elas também desejavam devorar algo,

nem que fosse um sonho nunca tido,

um coração,

uma coisinha de nada,

ou menos.

Devorar-me?

Era impossível.

No firmamento haviam tantas fendas

que pareciam guardar algo.

Talvez ninguém nunca houvesse visto

o que quer que fosse aquilo:

entre cada pedido,

talvez cada oração,

a cúpula celeste estava manchada em vermelho,

em feridas e dentes,

pus e línguas,

e qualquer coisa ainda pior.

IV

Mas então aconteceu…

Não saberia dizer quando foi que percebi

qualquer coisa além daquilo tudo:

além dos lagos de um fogo enegrecido,

além das vinhas de carne podre

e dos caminhos de perdas incontáveis.

O que era aquela coisa?

Aquele brilho, aquela

falta?

Um mundo tão branco,

tão desprovido,

que nem sei se era mundo.

A coisa não era coisa,

mas eu a via entre o que não existia

e o que não desejava existir.

Ou talvez sequer isso.

O lugar de nascimento

ou de morte,

de certos objetos translúcidos

como eu.

Eu não sabia

se nele poderia entrar,

como a ele poderia chegar,

quais coisas não eram dentro de si,

e se eu mesmo não seria ainda menos…

ainda menos do que já não era.

Eu apenas percebia,

muito além dos lagos de fogo enegrecido,

aquele lugar nenhum.

❖❖❖
Apreciadores (4)
Comentários (1)
Postado 12/12/17 02:19

Santa mãe da porra, existe uma maneira de comentar uma obra tão estupenda e magnífica como essa? Se existe, eu desconheço. Nem se eu tivesse todas as palavras do mundo, me seria possível dizer o quanto cada verso deste poema, tocou-me a alma.

O eu-lírico parece estar preso dentro de um inferno particular, no qual não existe saída, pois ali é o seu eterno lugar nenhum. É sua condenação, sua perdição, seu infinito sucumbir ao inevitável.

Tudo é descrito com maestria e é proporcionado ao leitor uma visão do lugar e dos sentimentos mais do que palpáveis que ele transmite. Somos transportados para este lugar nenhum em que o eu-lírico se encontra e se desmancha.

Ah, eu queria fazer um comentário a altura de uma obra deveras impressionante, mas me parece impossível. Por favor, perdoe-me se algo dito aqui ultrapassa qualquer interpretação proposta.

Só me resta te parabenizar por uma obra desta magnitude.

Postado 12/12/17 10:25

Eu não sei responder comentários, desculpe-me. Mas posso ao menos tentar, ou deixar minha consideração aqui.

Obrigado por ler, e obrigado pelas palavras. Fico contente que tenha gostado tanto assim.

Obrigado.