Garraduende (Em Andamento)
Sabrina Ternura
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Tipo: Roteiro (Longo)
Postado: 03/06/23 02:19
Editado: 27/11/23 00:44
Qtd. de Capítulos: 5
Cap. Postado: 03/06/23 15:54
Cap. Editado: 03/06/23 23:37
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 30min a 40min
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Garraduende
Segunda Cena Lampejo de Lôstrego

SEGUNDA CENA: INT. MANSÃO JASON (SALA DE CHÁ VERMELHA) - NOITE (22H58)

Tortura caminha de um lado para o outro na frente da lareira, ansiosa pela chegada de seus tios. Em sua mente, a jovem ensaia as palavras a serem ditas a eles acerca da situação com o duende. Tamanha é a concentração da irmã mais velha, que ela não nota os olhares curiosos de suas irmãs mais novas. Ternura está sentada no carpete, acariciando Salem, enquanto Tristeza está no sofá. Do lado de fora, uma forte chuva cai, fazendo com que o vento uive ameaçadoramente nas janelas. De modo abrupto, um clarão invade o cômodo em que as trigêmeas estão e, após desaparecer, um trovão reverberou pelos céus, fazendo com que as irmãs colocassem as mãos sobre os ouvidos. Por conta desse acontecimento, elas não notaram a chegada dupla de Diablair e Sarah através de portais diferentes que se abriram no instante em que a luz tomou o ambiente. Quando o som do trovão cessou, Tortura, Tristeza e Ternura ficaram pálidas, tendo em vista que, de todos os trovões até aquele momento, aquele havia sido o mais forte. Era como se a natureza estivesse reagindo de modo assustador à proximidade de Rumpelstiltskin; como se ela, em toda sua magnitude de poderio, temesse o Senhor das Trevas assim como as três irmãs assustadas dentro da Sala de Chá Vermelha. Ou, talvez, houvesse uma outra justificativa para os fenômenos naturais assustadores. Os recém chegados se entreolharam, notando que algo estava errado tanto com suas sobrinhas, quanto com o próprio ambiente.

DIABLAIR (pigarreando e cruzando os braços): Por que estão tão tensas? O que vocês aprontaram?

[Tortura, Tristeza e Ternura se sobressaltam com a voz do tio. Elas se viram para encará-los com olhos cheios de temor. Sarah arqueia a sobrancelha direita, desconfiando da falta de animação das sobrinhas e tal sentimento potencializa-se quando a mesma encara a mesa de centro e observa que não há uma bandeja de chá, como de costume, para recepcioná-los.]

SARAH (com severidade): O que houve?

TORTURA (pigarreando, com hesitação): Olá, tios. Talvez vocês queiram se sentar…

[Sarah caminha até o sofá, senta-se ao lado de Tristeza e segura a mão fria da afilhada. Diablair caminha até uma poltrona e se acomoda na mesma com o olhar sério. Salem pula do colo de Ternura abruptamente e, encarando o líder Infernal com seus olhos verdes reluzentes, solta um miado, como se o homem fosse uma ameaça. Diablair bate um dos pés no chão para assustar o felino, fazendo com que o animal saia em disparada do cômodo.]

DIABLAIR (com ironia): Esse gato sempre gostou de mim!

TERNURA (levantando-se, com preocupação): Salem, volte aqui! Você não pode sair andando pela casa sozinho!

[Os tios encaram a sobrinha mais nova com curiosidade.]

SARAH (com desconfiança): Por que ele não poderia andar pela própria casa sozinho, Ternura?

DIABLAIR: E onde diabos está a Imperatriz?

[Tristeza e Ternura encaram Tortura em desespero, buscando amparo da mais velha para responder os questionamentos dos tios. A jovem de cabelos negros solta um suspiro cansado e, após apertar as pálpebras com os dedos, começa a contar desde o início tudo o que aconteceu, sem revelar, no entanto, o nome do duende. Diablair e Sarah escutaram atentamente toda a história e suas únicas intervenções ora ocorriam através de um arquear de sobrancelhas, ora por meio de uma troca de olhares entre eles mesmos.]

TORTURA: Depois que tudo isso ocorreu, minha madrinha partiu para a Romênia através de um portal com o intuito de encontrar Blake e nós três ficamos aqui, com um cadáver empesteado de miasma no porão, a espera de vocês para saber como proceder.

[Quando terminou de falar, a mais velha soltou um suspiro e sentou-se no sofá, como se parte de sua energia vital houvesse sido drenada após relatar os longos ocorridos. Diablair se levantou da poltrona e caminhou até a lareira. Ternura e Tristeza encaravam com atenção o tio, tentando decifrá-lo através de suas expressões, porém o mesmo estava ilegível.]

SARAH (com preocupação): Vocês não estão feridas e ele não as atacou diretamente, parece que o duende está apenas tirando sarro de vocês.

[Diablair se virou para encarar as sobrinhas e o fez com tamanha intensidade, que as três dariam um passo para trás, se não fosse pelo sofá as impedindo.]

DIABLAIR (com severidade): A única coisa que não compreendo neste relato todo é a exasperação de vocês… Sim, a energia que emana de Narciso é maligna e claramente não é deste mundo, porém como um simples duende conseguiria assustar a própria natureza? Além disso, não sinto os rastros dele por aqui, o que só prova que não se trata de uma criatura tão poderosa e…

TRISTEZA (interrompendo Diablair, com seriedade): O senhor não sente os rastros, porque ele se camufla bem, tio. Nem mesmo eu pude rastreá-lo através das linhas mágicas…

SARAH (com exasperação): Não conseguiu? Com trinta diabos, então não se trata de um duende qualquer!

TERNURA (encarando Sarah com desconfiança): Ou ele está sendo convidado a estar aqui por alguém, como é típico dos duendes ou…

[Tortura levanta-se abruptamente, completamente pálida, fazendo os demais ficarem confusos.]

TORTURA (com a voz trêmula, encarando Diablair com desespero): Ou Narciso é um portal para ele entrar na casa e o acesso ao sangue da Imperatriz o permite atravessar as defesas mágicas da residência.

SARAH (com ambas as sobrancelhas arqueadas): O sangue da Imperatriz?

[A Sacerdotisa, que até então não havia direcionado uma palavra e um olhar sequer a Diablair, o encarou com o intuito de encontrar alguma resposta, porém ele estava com os olhos fechados, como se houvesse acabado de receber uma péssima notícia. Após alguns segundos, o mesmo os abre novamente e suas íris avermelhadas emanam um misto de raiva e preocupação.]

DIABLAIR (com severidade): Por que diabos vocês trouxeram Narciso para cá?

TORTURA (aflita): Porque é o procedimento padrão e…

DIABLAIR (interrompendo Tortura): Não, o procedimento padrão é levar o corpo até o Covil dos Assassinos e reportá-lo. Quem era o responsável por essa missão?

TORTURA (engolindo em seco): Não havia um nome, porém a quest pagava bem e apenas eu e a Imperatriz possuíamos uma classe alta o suficiente para pegar a missão. Além disso, quem quer que fosse o responsável, ele solicitou que fôssemos nós as escolhidas para realizá-la.

SARAH (exaltada): Tudo isso não pareceu suspeito? Quem entregou o papel de anúncio da quest para vocês?

[Tortura sentou-se no sofá e colocou as mãos nas laterais da cabeça, como se estivesse em um estágio de confusão.]

TORTURA (desnorteada): Foi… minha madrinha que trouxe a quest até mim no Covil... Ela disse que alguém tinha dado a ela.

DIABLAIR (com raiva): Foi tudo friamente planejado para enganar vocês! E, com trinta diabos, vocês caíram na armadilha de Rumpelstiltskin como dois coelhos inocentes.

TORTURA (levantando a cabeça abruptamente para encarar Diablair): Como você afirma com tanta veracidade que se trata de Rumpelstiltskin? Eu nem ao menos o citei enquanto contava a história, pois não temos certeza se é ele ou apenas um outro duende.

DIABLAIR (com severidade): Rumpelstiltskin tentou roubar o sangue da Imperatriz quando a mesma era pequena. Não pensei que ele houvesse conseguido, mas, talvez, só talvez…

TERNURA (com os olhos arregalados, interrompendo Diablair): O portal não é Narciso, mas, sim, a Imperatriz! A natureza está reagindo não a proximidade de Rumpelstiltskin, mas, sim, a ausência dele!

TRISTEZA (segurando o braço de Ternura): Preste atenção nas próximas acusações que fará, Ternura! A Imperatriz jamais faria algo para nos prejudicar e…

TERNURA (desvencilhando-se de Tristeza, interrompendo sua irmã com exasperação): Rumpelstiltskin poderia muito bem ter nos atacado na ausência dela, porém não consegue adentrar a mansão se a Imperatriz não estiver aqui! Ela é o portal! Por isso ela me disse, antes de partir, para lavar o prato azul.

[Antes que qualquer um pudesse apresentar uma réplica, Ternura saiu correndo da Sala de Chá Vermelha e Sarah foi atrás dela, porém a porta do cômodo abruptamente se fechou após a infante ultrapassá-la, fazendo com que a Sacerdotisa não conseguisse sair do local. Sarah bate freneticamente na porta, porém a mesma não se abre.]

TORTURA (engolindo em seco): A história da Ternura faz sentido, porém minha madrinha está resistindo… Por que ela iria atrás de Blake, se não fosse para nos proteger? Ela sabe que está sendo manipulada e, ao sair da mansão, nos deu tempo para lidarmos com toda essa situação.

TRISTEZA: Então qual é o objetivo de Narciso?

[Diablair aproxima-se da sobrinha mais velha e toca com os dois dedos delicadamente a testa da mesma. Sarah aproxima-se do trio.]

DIABLAIR: Revelare¹.

[Subitamente, diversas manchas aparecem pelo corpo de Tortura e a coloração das mesmas é semelhante ao miasma que emana de Narciso. A jovem de cabelos negros sente uma letargia apoderar-se de seu corpo, assim como uma névoa cinza passa a pairar sobre seus olhos, revelando que Tortura estava sobre o efeito de um feitiço de cegueira. A exaustão que invade-a é tamanha, que a jovem deita-se no sofá, como se todas as suas forças houvessem se esvaído.]

DIABLAIR (exasperado): Narciso está aqui para envenená-las, mas, principalmente, para impedir que Tortura veja através do feitiço de Rumpelstiltskin, tendo em vista que ela é afilhada da Imperatriz e, com toda certeza, desconfiaria das ações dela.

[Diablair repete o feitiço Revelare em Tristeza e algumas manchas de miasma também aparecem pelo corpo da garota, porém em menor quantidade; além disso, a letargia não se apodera dela, mostrando que a única que está sendo subjugada pelo feitiço de cegueira de Narciso é Tortura. Tristeza encara a irmã mais velha com temor, pois as manchas de envenenamento dela aparentam ser mais antigas e mais mortais, no entanto um pensamento perpassa pela mente da irmã do meio e uma chama de esperança acende em seus olhos azuis.]

TRISTEZA (para Diablair): Uma das fases do treinamento de Tortura não consistia em mergulhar no Lago Venenoso, onde estão contidos todos os venenos conhecidos? Talvez ela…

DIABLAIR (interrompendo Tristeza com compaixão): Tenho certeza que ela não foi exposta ao veneno deste miasma durante o treinamento, minha querida Tristeza… Todavia, acredito que a exposição demasiada que ela teve, pode estar ajudando-a a resistir com tanta resiliência durante todo este tempo.

[Tortura começou a tossir compulsivamente e, assim que foi amparada por Sarah, a jovem de cabelos negros cuspiu uma substância arroxeada. A Sacerdotisa notou que as veias dela se expandiam, mas, em seguida, retraiam-se com tanta violência que diversos espasmos percorriam o seu corpo. Não bastasse esse sofrimento, as diversas reações agressivas do veneno estavam causando febre e alucinações em Tortura, porém a jovem concentrava-se o máximo possível para não perder sua consciência e lutava resilientemente contra o impulso de sucumbir a morte. Ao identificar os sintomas, Sarah arregalou os olhos.]

SARAH (em desespero): Pela Deusa Afogada, o veneno presente no miasma é o Suplício de Tântalo!

TRISTEZA (com a voz trêmula): Tortura vai… Não! Ternura pode curá-la!

[Como se respondesse ao pranto contido de Tristeza, a chuva do lado de fora começou a se intensificar. Diablair aproximou-se da sobrinha e a abraçou.]

DIABLAIR (sussurrando com preocupação): A única forma de curá-la é matando o hospedeiro do veneno… Isto é, Narciso!

SARAH (com afobação): Não quero desesperá-los ainda mais, mas não há tempo a perder, pois a cada segundo a vitalidade de Tortura começa a desaparecer. Sugiro que eu e Diablair enfrentemos Narciso durante a ausên...

[Todavia, o líder Infernal não prestava atenção na fala de Sarah e olhava ao redor com um desespero crescente em seus olhos ao notar a ausência de Ternura. Tristeza se afasta do tio e caminha até a irmã mais velha, ajoelhando-se ao lado da mesma e iniciando uma prece em voz baixa para a Deusa.]

DIABLAIR (para Sarah, com rispidez): Com trinta demônios, onde está Ternura?

SARAH (com preocupação, acariciando os cabelos de Tortura): Ela saiu correndo daqui! Tentei ir atrás dela, mas não consegui abrir a porta… Temo que Narciso não só esteja envenenando as meninas e cegando Tortura, como também está, pouco a pouco, dominando as estruturas da casa.

[Antes que o homem negro pudesse reagir a ausência de sua protegida, a porta — outrora fechada graças as influências de Narciso — abriu-se abruptamente por conta do impacto do corpo de Ternura. Em seguida, diversos tentáculos de miasma adentraram violentamente o cômodo, indo na direção da infante para atacá-la. A mais nova das trigêmeas, ao ver que atingiria a parede, deu um giro no ar a tempo de colocar seu corpo em um ângulo vertical. Os movimentos de Ternura pareciam leves por conta da liberdade que ela possuía no ar, no entanto, quando seus pés tocaram na parede, várias rachaduras surgiram na superfície de concreto. O impulso da infante fez com que ela fosse de encontro com os tentáculos, o que a possibilitou desferir um soco nos mesmos, que se retraíram para o corredor, enquanto um rugido rouco ecoava. Diablair, por mais surpreso que estivesse com o embate que ocorria diante de seus olhos, não conseguia deixar de se intrigar com o objeto que Ternura estava segurando.]

DIABLAIR (com as sobrancelhas arqueadas): Ela saiu em disparada daqui para buscar um… prato?

SARAH (boquiaberta): Ela se arriscou por um…

[Entretanto, a Sacerdotisa não pôde finalizar a frase, pois Tristeza se levantou e começou a caminhar em direção aos tentáculos com um semblante enfurecido. Antes que eles se recuperassem do golpe, Ternura correu até o tio e entregou-lhe o prato.]

TERNURA (ofegante): Antes de partir, a Imperatriz me disse para lavar o prato azul. Depois da conversa que tivemos aqui, suspeitei que ela tivesse deixado uma mensagem. E realmente há! É um Código Morse, mas não consegui lê-lo, pois assim que peguei o prato esse bicho veio atrás de mim. Decifre isso, tio, enquanto eu e Tris enfrentamos aquele polvo miasmento.

[Ternura voltou correndo até seu posto. Diablair, sem perder tempo, olhou para o prato azul escuro e identificou a seguinte mensagem: “. ... - --- ..- / ... . -. -.. --- / -- .- -. .. .--. ..- .-.. .- -.. .- .-.-.- / -- .- - . -- / -. .- .-. -.-. .. ... --- .-.-.- / . ..- / ... --- ..- / --- / .--. --- .-. - .- .-.. .-.-.- / .-. ..- -- .--. . .-.. ... - .. .-.. - ... -.- .. -. / . ... - / ...- .. -. -.. --- .-.-.- /”. Sarah revezava o olhar entre Diablair e suas sobrinhas mais novas, enquanto segurava a cabeça de Tortura, agora encharcada de suor por conta da febre alta que a assolava. Do outro lado da sala, Ternura e Tristeza preparavam-se para o retorno do adversário.]

TERNURA (levemente ofegante): Por que você está suja assim?

TRISTEZA: É o miasma. Provavelmente você está envenenada, também.

TERNURA: Revelare¹.

[Apesar de ter utilizado o mesmo feitiço que Diablair, o resultado foi outro: nenhuma mancha de miasma apareceu em Ternura. Tristeza arqueou a sobrancelha, confusa, no entanto a mesma não teve tempo de questionar o porquê da irmã mais nova não estar sendo afetada pelo veneno, tendo em vista que os tentáculos de miasma haviam retornado.]

TRISTEZA (com irritação): Ternura, vamos fazer aquilo!

[A mais nova olhou para a irmã com certo receio, pois aquilo significava que elas iriam colocar em prática um golpe duplo que só havia sido pensado na teoria. Ainda assim, ela sabia que sua irmã jamais faria algo imprudente, pois Tristeza era conhecida por sua sagaz sabedoria em momentos decisivos. A infante respirou fundo e saiu correndo em ziguezague pelo cômodo. Os tentáculos começaram a se debater furiosamente, porém, enquanto iam na direção da menina, fundiram-se e transformaram-se em um dragão. Ternura não recuou e, quando se aproximou o suficiente, flexionou o joelho e fechou o punho. Instantaneamente, o dragão de miasma reagiu, curvando-se para atacá-la. A infante sorriu, percebendo que o adversário estava concentrado nela o suficiente para esquecer Tristeza, o que possibilitou a outra irmã lançar um feitiço de teletransporte em Ternura e em toda a nuvem de miasma para o lado de fora da residência.

Sem perder tempo, Tristeza correu até a janela mais próxima e viu que Ternura parecia minúscula diante do imenso paredão de miasma venenoso, contudo, mesmo que a irmã mais nova estivesse de costas, Tristeza notou que não havia um resquício sequer de medo em sua postura, o que significava que ela acreditava com toda sua alma que ela não iria falhar naquele ataque duplo que as duas nunca haviam treinado.

Diablair levantou os olhos do prato, viu Tristeza na janela e Ternura do lado de fora diante de uma muralha de miasma, abaixou os olhos de novo, porém levantou-os abruptamente, confuso com a cena que acabara de visualizar.]

DIABLAIR: Com trint…

SARAH (interrompendo Diablair com seriedade): Concentre-se em decifrar o código. Tristeza sabe o que está fazendo.

DIABLAIR (arqueando a sobrancelha, confuso): E o que ela está fazendo?

[Tristeza respirou profundamente e Sarah abriu um sorriso ao compreender o que a afilhada estava prestes a fazer.]

SARAH (com satisfação): Ela vai fazer chover… de verdade.

FLASHBACK: EXT. DIMENSÃO INFERNAL (PLANTAÇÃO DOS GULOSOS) - 8 ANOS ATRÁS.

Uma chuva leve cai pela costa da Plantação dos Gulosos. Em meio a areia escarlate é possível ver Sarah, que encontra-se com duas esferas roxas saindo de suas mãos, e Tristeza, que está completamente ofegante e ajoelhada há alguns metros da Sacerdotisa. A garota está com suas roupas ensopadas, enquanto a mulher não está sendo afetada pela chuva, o que revela uma das principais características deste local da Dimensão Infernal: aqueles que aceitam suas verdades nunca serão afetados pelas tempestades, enquanto que aqueles que fogem delas são fadados a suportar o peso de conviver com suas mentiras, enquanto estiverem neste lugar — e poucos são os que conseguem sair dele, pois, após a praia, há uma extensa plantação e nem todos são capazes de ultrapassá-la por conta das roupas encharcadas pelo miasma de Belzebu².

SARAH (com a voz grave): Levante-se, Tristeza. Nós só sairemos daqui quando você parar de escapar de suas verdades e encará-las.

TRISTEZA (gritando com indignação): FAZEM SEIS DIAS QUE ESTAMOS AQUI!

SARAH (com ironia): E, ainda assim, você ainda insiste em continuar cega pelas fraudes que criou dentro de si. Não existe pecado maior do que condenar-se a uma vida de mentiras!

[A garota levou o rosto à areia, exausta. Faziam seis dias que ela estava encharcada pelo miasma de Belzebu e a exposição a ele não estava fazendo bem a ela. Quando conseguia escapar dos ataques de Sarah e descansava, tinha alucinações e febre. Somado ao peso de suas roupas, sua madrinha não lhe dava qualquer tipo de alimento, por conta disso seu corpo encontrava-se em um estágio elevado de fadiga.]

SARAH (suspirando): Até quando você vai ver sua dor como inimiga? Até quando irá negá-la, diminuí-la? Até quando você fingirá que ela não existe?

[As palavras da mulher fluíram pelo corpo de Tristeza como uma corrente elétrica e tal impulso fez com que ela tirasse forças de sua própria determinação para levantar a cabeça. Pequenos cascalhos escarlates estavam grudados em seu rosto, porém, quando as íris azuladas dela contemplaram o oceano, o seu sofrimento físico pareceu piada diante da dor psíquica que afligia cada átomo de seu ser. Havia uma melancolia aguda em Tristeza que Sarah conhecia bem e, por conta disso, sua trajetória estava sendo construída a partir de mentiras sobre si mesma e sobre seus reais sentimentos, o que diminuía seu potencial mágico gradativamente, principalmente porque este era alimentado por sua força mental. Tudo isso intensificou-se quando a garota tentou tirar a própria vida, após entregar Ternura ao True Diablair³, alguns anos antes.

Tristeza encarava as águas com uma angústia desoladora em seus olhos. Sarah, compadecida do sofrer silencioso de sua afilhada, aproximou-se dela, abraçando-a por trás.]

SARAH (com a voz embargada): Sinta cada uma das gotas da chuva, a calmaria do oceano, a estática dos cascalhos da areia… Conecte-se com o ambiente e deixe seus sentimentos fluírem através dele.

[A voz da madrinha soou aos ouvidos de Tristeza como um eco, pois a mesma sentia como se estivesse se afogando em águas muito sombrias e nenhuma luz pudesse alcançá-la. Entretanto, apesar da exaustão física e da dor insuportável, ela permitiu que o ar gelado da costa adentrasse seus pulmões, assim como o cheiro da água do mar vagasse por suas narinas; seus olhos encararam o oceano buscando enxergar sua profundidade e as palmas de suas mãos sentiam toda a vida e toda a morte que vagava por baixo da areia. Ao se conectar com o ambiente, Tristeza permitiu que toda sua dor fluísse através dele; ela consentiu que toda a sua verdade se tornasse real, palpável. De repente, as águas do mar agitaram-se, enquanto as nuvens de chuva transformavam-se em uma tempestade. Os ventos tornaram-se mais intensos, fazendo com que o corpo de Sarah fosse arremessado para longe de sua sobrinha. A Sacerdotisa realizou um feitiço e uma esfera roxa formou-se ao redor de seu corpo, fazendo com que a mesma continuasse a visualizar os acontecimentos sem ser lançada para longe.

Um grito rouco escapou da garganta de Tristeza e ia aumentando gradativamente de volume conforme ela compreendia que a sua verdade era aquela, mas que não precisava sê-la eternamente.]

SARAH (sussurrando): O que é a verdade, se não a libertação de um coração oprimido?!

[Tristeza permitiu-se, finalmente, chorar, e as gotas da assustadora tempestade sofreram uma metamorfose por conta disso, passando a escorrer dos céus como se fossem intensas lágrimas. Os relâmpagos acompanhavam os gritos da garota e os fortes ventos eram responsáveis por levar através do ambiente seu desespero.]

JUMP CUT

VOZ DE FUNDO: Após longos minutos, a Plantação dos Gulosos estava completamente alagada. [...] Sarah continuava dentro da esfera roxa, porém, agora, tinha Tristeza desacordada em seus braços. Quando a garota começou a despertar, a Sacerdotisa abriu um sorriso.]

TRISTEZA (com a voz cansada): O que houve?

SARAH (com animação): Você fez chover… de verdade.

FIM DO FLASHBACK.

SEGUNDA CENA: INT. MANSÃO JASON (SALA DE CHÁ VERMELHA) - NOITE (23H04)

Tristeza fecha os olhos e busca se conectar com tudo ao redor. Apesar de estar dentro da residência, ela sente a grama molhada, a temperatura das gotas da chuva e visualiza as diversas tempestades elétricas que ocorrem entre as nuvens. Uma lágrima escorre pelo rosto de Tristeza e Ternura sente algo mudar no ambiente. Abruptamente, as gotas de chuva começam a intensificar-se de tal maneira, que assemelham-se a quedas d’água. O miasma avança sobre a infante, porém a mesma não se move e é engolida pela nuvem. Tristeza respira fundo mais uma vez e, como se respondessem a sua ira, diversos relâmpagos começam a cair no gramado do jardim. Todavia, um círculo de nuvens negras se forma acima do miasma e, em seu centro, uma luz alva começa a reluzir. Como se estivessem empesteadas de ácido, as gotas da chuva começam a queimar o miasma, que se afasta de Ternura soltando um grito agudo. A infante levanta sua mão direita e a luz alva do céu se intensifica, anunciando a chegada de um poder ancestral. Uma gota de suor escorre pelo rosto de Tristeza e a mesma se ajoelha no chão, sentindo o corpo pesar.

TRISTEZA (ofegante): Agora é com você, Ternura…

[Os olhos de Ternura estão completamente brancos e seus pés passam a levitar do chão. Quando a palma de sua mão levantada passa a reluzir, um clarão toma todo o local e um relâmpago branco cai do céu, indo em direção a mais nova, que o absorve. A nuvem de miasma, como se ouvisse o som de sua derrota, tenta escapar pela floresta, porém é impedida por uma barreira de coloração acinzentada que havia acabado de ser levantada por Tortura.]

SARAH (com preocupação): Tortura, você não deve se esforçar dessa forma.

TORTURA (ofegante, mas sorrindo): Eu não posso permitir… que minhas irmãs mais novas trabalhem tão duro sozinhas.

[Ao ir de encontro com a barreira, o miasma foi expelido com violência. Ternura, notando que o adversário vinha em sua direção, voou sobre o gramado e fechou o punho. Diversas fagulhas escapavam da pequena mão fechada da menina, que adentrou novamente a nuvem de miasma. Ao fazê-lo, ela apenas abriu a mão e o relâmpago explodiu com violência, fazendo com que a energia de luz branca exorcizasse o miasma sombrio. Enquanto o inimigo começava a desaparecer, o impacto do relâmpago ainda se propagava e, por ser um elemento de natureza ancestral, não podia ser completamente controlado. Por conta disso, a explosão quebrou todas as vidraças da Mansão Jason, fez com que todas as árvores ao redor ficassem curvadas e lançou o corpo de Ternura em direção a residência com agressividade.

Tristeza encontrava-se ajoelhada diante da janela e, enquanto hiperventilava, diversos cacos de vidro se espalharam por seus cabelos. Sarah colocou uma almofada para apoiar a cabeça de Tortura, que encontrava-se desacordada, e correu para amparar sua afilhada. Assim que a Sacerdotisa se abaixou para acolher Tristeza e verificar que a mesma estava desacordada, o corpo de Ternura passou voando pela janela. Diablair largou o prato e correu para pegá-la, porém, assim que o líder Infernal estendeu os braços para recebê-la, a infante colocou o corpo na vertical e atingiu com os dois pés o peito do padrinho, derrubando-o em seguida. Assim que pousou delicadamente no chão, Ternura correu na direção do tio.]

TERNURA (com preocupação): Tio, qual era a mensagem do prato?

DIABLAIR (colocando as duas mãos sobre o peito, como se estivesse ferido): Obrigada, Ternura, eu estou bem.

TERNURA (com sinceridade): Você está bem mesmo! Nem um meteoro te derrubaria!

[Sarah, que estava colocando Tristeza inconsciente no outro sofá, soltou uma risadinha pela fala de Ternura. A Sacerdotisa, porém, ao levantar a cabeça, sentiu algo diferente na atmosfera do local que não estava relacionado a Narciso e nem ao miasma.]

SARAH (com curiosidade): Há partículas mágicas ancestrais por toda a casa… Qual conjuração vocês usaram?

TERNURA (com tranquilidade): Nós invocamos um dos relâmpagos primordiais, Lôstrego*.

[Diablair não estava mastigando nada, porém se engasgou. O líder Infernal se sentou e, apesar da tosse, encarava Ternura com reprovação. Sarah estava com os braços cruzados e encarava a sobrinha mais nova com um olhar de descontentamento. Ternura se encolheu.]

DIABLAIR (com a voz grave): Vocês invocaram Lôstrego com nós e toda a Cidadela Submundana presente? Não há imortalidade que possa continuar existindo diante das forças ancestrais!

SARAH (com seriedade): Isso foi imprudência! Vocês poderiam ter causado um dano muito maior do que só entortar árvores e quebrar as janelas da casa.

TERNURA (com severidade): Nós pensamos em tudo isso! Por isso, foi uma conjuração incompleta. E, com trinta diabos, homem, o que estava escrito no maldito prato?

[Diablair arqueou a sobrancelha e Sarah soltou uma risada por conta da impaciência da infante. Ternura encarava o tio com intensidade.]

DIABLAIR: O recado da Imperatriz confirma nossas suspeitas. No prato, ela escreveu: estou sendo manipulada. Matem Narciso. Eu sou o portal. Rumpelstiltskin está vindo.

SARAH: Bom, sem o miasma fica mais simples vagar pela casa e localizar Narciso. Por isso, vocês três ficam aqui e nós dois iremos atr...

[Ternura levanta-se abruptamente, interrompendo Sarah.]

TERNURA (com severidade): Eu irei com o tio Diab. Faz mais sentido que um adulto fique aqui, enquanto o outro sai.

SARAH (com irritação): Se nós dois formos, será mais rápido e poderemos encontrar uma solução para lidar com o duende antes do retorno da Imperatriz. Voltaremos mais rápido do que um piscar de olhos e vocês estarão seguras.

[Ternura aproximou-se de sua tia e, mesmo que a menina fosse infinitamente menor, a mulher sentiu um rastro de intimidação percorrer seu corpo, fazendo-a recuar um passo para traz.]

TERNURA (com sarcasmo): Você não está se contradizendo, tia? Como vocês dois irem poderia significar a nossa segurança, sendo que estamos aparentemente vulneráveis? E se o duende tiver mais alguma carta na manga? E se ele tiver... mais alguém para usar contra nós?

DIABLAIR (cruzando os braços): Além disso, você é madrinha de Tristeza. Seu dever é ficar aqui e protegê-la.

SARAH (encarando o homem com desprezo): Eu não preciso que você me lembre dos meus deveres, Diablair.

TERNURA (de modo levemente imperativo): Então os cumpra.

[Tristeza, vendo que a situação começava a se complicar, colocou-se entre a irmã mais nova e a madrinha.]

TRISTEZA (em tom apaziguador): Creio que esse não seja o melhor momento para isso, Ternura.

DIABLAIR: Tem razão, Tristeza. Por isso, Sarah ficará aqui para protegê-la e Ternura irá comigo, já que sou seu guardião. Como foi acordado entre os três guardiões da Trindade, na ausência de um de nós, a tutela da protegida fica com aquele que está no lugar mais seguro. No caso, este local é aqui, portanto Tortura, que está desacordada, fica sob a tutela de Sarah até o retorno da Imperatriz.

[Sem esperar uma resposta por parte da mulher, o homem começou a caminhar em direção a porta, com Ternura em seu encalço. Sarah travou o maxilar como modo de suprimir sua raiva e desviou o olhar de ambos, fixando-o nas cinzas da lareira.]

DIABLAIR (para Sarah, ao alcançar o batente da porta): Você sabe o que precisa ser feito.

VOZ DE FUNDO: Assim que tio e sobrinha cruzaram a porta, uma barreira arroxeada começou a se levantar em torno do cômodo em que Tristeza, Sarah e Tortura estavam. O líder Infernal, logo que pisou para fora da Sala de Chá Vermelha, foi assaltado por uma presença demoníaca extremamente potente. As chamas das velas que iluminavam o corredor estavam completamente estáticas, apesar do vento que adentrava o local através das vidraças quebradas. O cheiro pútrido de cadáver em decomposição está empesteando todo o ambiente, fazendo com que Ternura coloque uma das mãos sobre o nariz. Mesmo assim, tio e sobrinha começam a caminhar pelo corredor, indo em direção a Sala de Desmembramento para enfrentar Narciso.

FIM DA SEGUNDA CENA.

❖❖❖
Notas de Rodapé

¹ Tradução do latim: Revelare = Relevar.

² Belzebu é um dos Sete Príncipes do Inferno e está associado à gula, por conta disso o miasma da Plantação dos Gulosos advém desta entidade. — Fonte.

³ Acontecimento da trama da obra Desígnio da Deusa do grande @Diablair, porém a questão do suicídio de Tristeza será narrada em uma outra obra.

* Lôstrego: clarão resultante de descarga elétrica que se produz entre duas nuvens ou entre uma nuvem e a terra. É um dos sinônimos da palavra relâmpago. — Fonte.

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