Gabriel
Sorelly
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 10/05/17 23:07
Editado: 12/05/17 18:38
Gênero(s): Crônica Drama
Avaliação: 9.9
Tempo de Leitura: 7min a 9min
Apreciadores: 6
Comentários: 5
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Palavras: 1195
Não recomendado para menores de catorze anos
Notas de Cabeçalho

Agora tem capa! u_u

Nos vemos nas notas de rodapé ♡

Capítulo Único Gabriel

De garoto problemático ele havia se tornado herói, não um que almejava a salvação da humanidade, mas aquele que prezava pela vida do seu próprio mundo. E foi esse o pensamento que me veio à mente ao olhá-lo parado em frente ao portão do colégio focando o nada... O nada que havia tornado sua vida. Se todos soubessem o que havia se passado com ele teria sido diferente?

Semanas antes ninguém se preocupava, Gabriel era apenas um desconhecido que foi escolhido e marcado pela sua estranha mania de sair correndo quando as aulas se encerravam. Ninguém sabia o porquê; ninguém sabia sobre ele. Tão calado, o garoto não conversava com ninguém, poucos sorrisos e palavras trocadas era sua única comunicação, o que o tornou uma vítima fácil para os populares que queriam descontar suas frustrações ou simplesmente se divertirem às custas de suas humilhações constantes.

O que havia de errado com Gabriel? A resposta era tão óbvia que ninguém conseguia enxergar. Tudo estava errado.

Todo dia era a mesma cena, a mesma humilhação. O garoto chegava cinco minutos atrasados para no final cair no chão por acidentalmente ter um pé em seu caminho, atraindo diversos olhares e risadas, todavia, nunca um auxílio. Apesar disso, nunca o vi chorar ou descontar sua raiva.

Era sempre o mesmo silêncio.

O mesmo vazio no olhar.

A mesma correria na saída.

Porém, foi naquela tarde que o inevitável ocorreu. Paulo e seus colegas acharam que seria demasiado engraçado se retirassem o grosso moletom que Gabriel sempre usava, na tentativa de expô-lo mais que o normal, afinal, as brincadeiras já estavam velhas, tinham que inovar.

Ninguém havia sido preparado para aquela visão. O corpo antes oculto e nunca revelado do garoto era coberto por algumas tatuagens aleatórias, aparentemente sem sentido. Mas o que chamou a atenção foi o grande ponto e vírgula ao lado de uma âncora situados em seu peito.

O quão estranho deveria parecer?

Mais xingamentos foram desferidos assim como suposições de sua sexualidade. Era cansativo e doloroso, mas novamente ninguém fez nada para ajuda-lo ou parar aquela situação.

Eu não fiz nada.

Gabriel, diferente das outras vezes quando mantinha a mesma expressão vazia sem demonstrar sentimentos ou irritação, encontrava-se com um olhar desesperado, tentando a qualquer custo se desvencilhar de todos para apenas ser empurrado brutalmente no chão.

A bichinha estranha já quer fugir e correr pra casinha, é? Olha essas tatuagens, que homem marca o peito dessa forma?! É um escroto mesmo, não me admira que saia correndo todo dia!” – risadas foram ouvidas, algumas de nervoso e outras por puro divertimento, até que a diretora chega para saber o que ocorreu, abrindo uma brecha para Gabriel se levantar e correr para fora da escola. Era mais um dia normal. Era mais um dia que riam dele quando o viam sair correndo após o fim das aulas.

Era o mesmo ciclo. Até aquela tarde.

No dia seguinte Paulo se encontrava no portão da escola para começar sua diversão matinal, mas Gabriel não apareceu. Nem aquele dia, nem no próximo e nem pela semana inteira. O que era estranho, afinal, ele nunca faltava.

A explicação veio posteriormente, assim como o silêncio que remetia ao arrependimento. Era uma tradição, quando algo acontecia com algum familiar de qualquer aluno, a diretoria intervia quando necessário e comunicava os demais para que todos mostrassem solidariedade.

Foi nesse momento que as coisas se esclareceram.

A mãe de Gabriel sofria de depressão e se automutilava devido os anos violentos passados ao lado do ex-marido, sua irmã mais velha ficava no período da manhã ajudando em casa para que a tarde e noite pudesse trabalhar e sustenta-los. Havia um intervalo de uma hora que Dona Martha ficava sozinha, e por isso Gabriel todo dia corria após o término das aulas.

O garoto apenas queria ter certeza que sua mãe estava bem e impedi-la de atentar contra a própria vida. E ninguém nunca havia entendido... Até aquele dia.

Quando Gabriel retornou às aulas uma semana e meia depois ninguém ousou sequer falar algo. Não havia nada a ser dito. Ninguém sabia o que dizer. Todos os dias eram o mesmo ciclo de xingamentos, humilhações e agressões, todavia, não houve ao menos um dia que algum aluno perguntou como foi o dia ou se precisava de ajuda.

Ninguém lhe ofereceu a mão. Muitos silenciavam a tentativa de auxílio por mais que quisessem mudar o comportamento alheio, e entre o desejo e a realização há uma linha tênue complexa envolta de suas consequências.

Nesse dia, ao final das aulas, toda a atenção era focada ao garoto de uma maneira diferente. Todavia, Gabriel não correu como sempre fazia, ele apenas baixou a cabeça e passou pelo portão, caminhando lentamente pela calçada. Foi assim que a percepção do que ocorreu submergiu.

Era tarde demais.

Dias se passaram após o ocorrido e nenhum aluno teve coragem para perguntar aquilo que já sabiam. Ninguém mais ria ou faziam piadinhas. Paul surpreendeu a todos ao abraçar Gabriel e pedir perdão por tudo que causou. Mas nada amenizaria o arrependimento que cada um carregava dentro de si.

No mural se encontrava todas as redações que a professora pediu aos alunos, e uma delas se destacava ao meu olhar. A redação de Gabriel.

“Não sou a pessoa forte que minha irmã julga que sou, ou aquela pessoa que me tornei no decorrer dos últimos anos fingindo não ter sentimentos ou ignorando toda a situação a minha volta. A verdade é que eu sentia tudo. Toda a dor, toda a humilhação, a realidade de não possuir amigos. Mas nada se comparava a ligação com minha mãe. Eu podia suportar enquanto a tinha e via seu sorriso de alívio quando eu chegava em casa.

Ela ainda tinha medo de ser abandonada.

A âncora significa firmeza, segurança e convicção, e era isso que eu queria mostrar a minha mãe, que apesar de tudo estávamos seguros e firmes; essa foi a minha primeira tatuagem. Quando a mostrei foi o primeiro dia que a vi gargalhar e chorar de alegria, e foi quando ela me contou a história do ponto e vírgula.

Os professores ensinam que o ponto e vírgula é a pausa em uma frase que não termina; nossa vida era assim, você pode parar, mas sempre deve continuar. E essa foi a minha segunda tatuagem.

Antes que eu percebesse usei o meu corpo como um escape da realidade, onde as palavras de incentivo pudessem ser marcadas e lembradas, assim como as coisas que não poderiam ser ditas. Meu corpo se tornou um mapa seguindo padrões de uma história a ser contada.

O tempo passa e tudo se transforma, mas essa história se eternizará tanto em minha alma quanto em meu corpo. E aqui cito e deixo marcado a minha conclusão:

O suicídio não ocorre quando alguém causa uma overdose ou dá um tiro na própria cabeça, mas sim quando o coração vazio permanece vazio. Quando a alma morta permanece morta. Talvez seja uma conclusão errada. E sinceramente? Não me importo.

A única coisa certa que fiz foi amar e cuidar dela enquanto me foi permitido.”

Se todos soubessem o que havia se passado com ele teria sido diferente?

❖❖❖
Notas de Rodapé

Sentiram saudades? Pois é, já faz alguns meses que não posto nada. Se já escrevi algo melhor? Sempre. Se fiz faltando algumas horinhas pro prazo? Imagina! Enfim, não saiu bem como planejei, não tô feliz, mas foda-se também.

Não julguem os outros por seu estilo, não pratiquem bullying, ofereçam ajuda sempre que puderem, sejam humanos nesse mundo escroto. Tia Pão deseja o melhor pra vocês, meus bunnies de caramelo ♡

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Comentários (5)
Comentário Favorito
Postado 28/08/17 01:08

Depois de muito, muito, muuuito tempo, cá estou eu. Dessa vez eu vim apenas como sua Gemada e não como "juíza" do DQ. Em outras palavras: Agora eu posso babar ainda mais.

Eu não sei exatamente se eu conheci um Gabriel da vida, na verdade, não lembro exatamente o que aconteceu. Eu só lembro que existia uma pessoa que passou por coisas parecidas. (Perdoe minha memória fraca).

Eu acho o tema que eu escolhi foi perfeitamente tatuado no seu drama. Não sei se eu vou saber bem como explicar, mas vamos tentar: O drama está tão profundamente marcado na sua personalidade que até mesmo parece uma tatuagem. Sabe aquela marca que você olha e já sabe de quem é? É tipo isso. O gênero Drama é a sua primeira tatuagem e você nem se quer percebeu. (O bom é que pelo menos esse tipo de tatuagem não dói tanto assim quando se faz).

Voltando ao dilema do Gabriel: Como eu disse antes, não se pode saber o que aconteceria se todos soubessem pelo que o menino estava passando e não adianta muito ficar pensando no "se". Não é como se o tempo fosse voltar e todos fossem mudar suas atitudes. O que aconteceu, simplesmente aconteceu. Só resta olhar para a frente e tentar seguir da melhor forma que der.

Que a próxima tatuagem deles (sim, todos eles) seja um pouco mais alegre...

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Postado 10/05/17 23:29

Minha vontade é de mutilar a autora... Satan e ela sabem o por quê.

De fato, foram longos meses ee espera por mais um pedaço de Pão. E fomos agraciados após um longo jejum com um texto forte, pesado, dramático em essência e por excelência. Eu particularmente gostei muito do modo como a autora abortou tanto os assuntos polêmicos no conto inclusos quanto o tema do DQ, explicando com riqueza de detalhes e (principalmente) de sentimentos o sentido e a história de cada marca, de cada tatuagem.

É um texto belo, soturno e impactante, pois esfrega na cara de quem lê as mazelas e realidades de um mundo/sociedade que simplesmente diz foda-se para você, seus problemas, sua dor, sua vida.

Foda-se.

Mas, para não causar encrenca com a Srta Pam, vou ficando por aqui, sem parabenizá-la nem agradecer ou nada do tipo. Talvez assim ela fique mais feliz.

Atenciosamente,

Um ser que não quer que se foda, Diablair.

Ps: a vontade de mutilar a Srta Pão não passa nem fodendo.

Postado 11/05/17 08:45

Nossa! Moça, que arraso.

Caramba! Amei. Gabriel me tocou, de verdade. E pensar que existe tantos como o Gabriel, tantos Paulos e Cia espalhados pelo mundo. E pensar que existe tantos outros narradores observadores também. Confesso que já fui uma observadora, e que em certas ocasiões ainda sou.

Os anos passam e as situações nas escolas não mudam. Parece que sempre haverá um Paulo e um Gabriel. E infelizmente nem todos os Paulos pediriam desculpas.

O texto dele, foi tão...

Eu lia de voz alta, mas logo minha voz travou.

" Encobrir, não sentir, nunca saberão

Mas agora vão..." Não foi uma libertação, mas um belo desabado.

Os significados das tatuagens foi bem legal.

Sera que seria diferente? Ah, não sei.

Espero que depois do pedido de desculpas eles tenham se tornado amigos, mas amigos mesmo.

Talvez o Paulo até tinha marcas. Mascas que, talvez, ele tentava esconder com a máscara de valentão.

Quem sabe...

Ou quem sabe estou falando asneira rsrsrs

Bjos e Parabéns

Postado 25/11/17 20:45

É um texto longo. Fala de muitas coisas, dá para se citar muitas coisas, mas, faz alguma diferença? Os sentimentos que esse belo texto proporciona são tão pesados que nem tem o que dizer.

Apenas, continue.

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Postado 03/12/17 15:10

Awn, obrigada, Babe ♡

Postado 28/05/18 14:14

É árduo tentar elaborar um comentário, logo após ser inundada por tantas emoções intensas. Como colocar em palavras uma realidade tão verídica? Como tentar expressar algo, sendo que tudo já foi dito?

Ninguém prega peças mais dolorosas que a vida. É irônico pensar que toda a situação de Gabriel é mais real do que essas palavras. O que mais me surpreende, é o fato de existirem pessoas que absorvem uma suposta cegueira para não ver o outro. Se todos soubessem a importância dos sentimentos, ninguém sairia por aí destruindo corações, almas e vidas por mero prazer.

Ao mesmo tempo que a vida é travessa, ela também é cheia de ensinamentos. Os que rodeavam Gabriel aprenderam da pior forma possível, mas, é como dizem: ''ou se aprende pela dor, ou pelo amor''. Infelizmente, nós, como seres humanos teimosos, temos uma mania ruim de sempre optar pelo mais complicado e doloroso. No entanto, não existe ação sem reação e muito menos reação sem um aprendizado.

Obras desta magnitude só dão ênfase na importância de falar sobre suicídio e como isso não afeta somente a pessoa que passa por uma doença psicológica, mas também aqueles que amam esse indivíduo e almejam por sua melhora. Gabriel teve marcas na alma, mas também no corpo. Ele decidiu eternizar de todas as maneiras uma história. Ele se tornou história. Ele lutou até o fim por aquela que amava, suportou de tudo para vê-la bem e ensinou a nós, leitores, a relevância da empatia e da compaixão.

Se todos fossem como Gabriel, o mundo seria um lugar extraordinário.

Quero te agradecer por compartilhar essa obra e por nos ensinar não somente como fazer uma boa história, mas também como ser história. Obrigada, obrigada e obrigada! ♡