mãe e irmãos
6 de Janeiro
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 16/02/19 03:53
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 4min a 6min
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Comentários: 4
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Palavras: 767
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Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

faz muito tempo que penso em escrever isso, as palavras estão escritas, tristes e insuficientes. minha alma sabe mais, mas não existem palavras para cheiros de lembranças, e certos tipos de aperto no peito... algum dia, minhas palavras farão jus ao que eu sempre quis dizer perfeitamente, mas a tristeza é tão grande, que insiste em transformar até minha arte mais enraizada, em uma coisa imperfeita. talvez eu exclua.

Capítulo Único mãe e irmãos

tenho saudades de um ombro macio para deitar, pois eu me deitava nos seus e de repente tudo estava curado e toda canseira se ia, e sua voz que cantava no meu ouvido estremecia meu coração a cada solene segundo seguido, tenho saudades dos seus olhos, das suas histórias e de palavras amorosas, que me amavam sem condições nenhumas, apenas por eu estar lá. sinto falta de saídas secretas depois da escola (eram nossas horas secretas, de filha mais velha privilegiada) eram momentos alaranjados e estufados como nuvens brilhantes nos céu, eram momentos valorizados, cada filho tinha o seu. sim, eu sinto falta, das nossas culinárias de madrugada, das pizzas de sexta feira preguiçosa, e das músicas de ninar que você sempre cantou pra mim, ao meu lado na cama - e que você ainda canta, aqui, em meu coração. sinto falta da falta que você nunca antes fez. sinto saudades de como nossa pequena família cheia de erros e acertos, supria e curava cada feridinha interna e externa. sempre fomos nós quatro, contra o mundo, guiados por Deus. e eu cresci, mãe, eu me tornei uma mulher, e eu lamento, lamento pois a infância passou tão rápido, e agora em minha cabeça não existem mais sonhos, mas eu decoro números e senhas e protocolos e sigilos e filas e paciências e observações devastadoras que só a vida adulta insiste em nos proporcionar. nunca mais panqueca de chocolate? nunca mais história para dormir? nunca mais coração curado por um abraço quentinho e suado, nunca mais caminhadas espontâneas do bairro até o centro da cidade, só pelo prazer de ir... em minha língua estão estampadas as palavras que eu tive vergonha de dizer, palavras da criança fútil que fui, palavras que eu queria ter dito melhor. palavras que na verdade, vieram quando tinham de vir - e elas me golpeiam, piso em minha língua hoje em dia, e ela corta meu pé, a vida adulta e solitária é interessante às vezes, mas a questão, é que eu nunca mais soube aonde exatamente era minha casa, desde que eu parti. sinto que sou a mulher que eu sempre quis ser, mas me sinto tola e ingrata, por infelizmente não conseguir ser o que você e meus irmãos esperavam, e estou perdendo passeios, e apertos financeiros, e conversas animadas, e surtos psicóticos da pré adolescência deles, e estou perdendo as músicas, os desenhos animados, a vida singelamente boa e suficiente que eu tinha... eu vivo de saudades, sempre viverei. estou planando entre infernos cíclicos que consistem em uma semana terrível e fins de semana que eu finjo que vão me levar direto para a casa na segunda, mas só me levam aos próprios labirintos corriqueiros na consistência de ser quem sou, algum dia vou acordar na segunda feira e vocês vão estar aqui - apesar de eu não os merecer - sinto muito por ter crescido, sinto por ser um fracasso, sinto muito por vocês tentarem me convencer de que não o sou, sei do amor de vocês, eu simplesmente não o mereço, mas como eu tenho saudades... como me arde o peito, como as noites são curtas e longas ao mesmo tempo! como eu fui me perder? da última vez que me perguntaram qual era meu sonho, eu chorei. a resposta é ter vocês, é claro, para sempre vocês. as escolhas me fizeram ir embora, por mais feliz e sincero que fosse nosso lar, e sou feliz nestas escolhas, mas sei que seria muito mais, se todos ainda pudéssemos comer na mesma mesa juntos, com os gatos ronronando nos nossos pés. é que nunca serei completa estando longe de qualquer coisa que me faça sentir digna minimamente do ar que respiro, tudo e cada mísero detalhe está envolvido, uma paixão que me têm exclusivamente, amigos que finalmente são duradouros e sinceros, o egoísmo de ter um pai só para mim, a minha infelicidade em não conseguir dizer adeus seja para uma sorveteira, ou todos os parentes... e aí, dentre estas e oito entra bilhões de coisas mais, estão vocês, minha força diária e fonte inesgotável de inspiração e vitalidade, a família que me ensinou a ser bondosa e expressiva, uma família que as pessoas olham e dizem "queria que fosse a minha"... mas, a vida adulta, te impede de ter tudo ao alcance dos braços, algumas coisas, permanecem apenas ao alcance do coração... e um ano se passou, sou raptada por guerras, os fins de semana são eternos, mas desde que parti, nunca mais tive um lar. rezo para voltar a ter. rezo, para que eu, um dia, ainda possa caber em vocês.

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Notas de Rodapé

crescer é doloroso e solitário.

Apreciadores (3)
Comentários (4)
Postado 16/02/19 14:11

Tem tanto dos meus sentimentos e de quem eu sou nestas palavras. Ler isso foi como observar meu próprio reflexo em um espelho; foi como sentir na pele o que sinto lá no fundo. Crescer é difícil e a vida adulta é uma grande merda. Tudo o que nos resta são as lembranças de dias bons que não voltam.

Obrigada por compartilhar essa obra conosco. Queria poder dizer coisas melhores, mas as palavras me fugiram. Tudo o que posso fazer é sentir.

Meus parabéns <33333

Postado 08/04/19 21:40

Crescer é uma merda. E é bom ao mesmo tempo. Mas na maioria das vezes, é uma merda.

Postado 18/02/19 14:42

Muito lindo...caramba.

Postado 08/04/19 21:41

Obrigada

Postado 17/04/19 17:24

Lagrimas se formaram em meus olhos, céus que profundo!

Me sinto assim em partes, ah! Tão dificil explicar, uma obra dessas só se consegue sentir, não dá para formular em palavras....

Bravo! Bravissimo!

Postado 08/05/19 23:51

Obrigada por todo apoio!

Postado 20/09/20 19:37

Que obra dolorida... É palpável o sentimento que assola...

Entretanto também é doído deixar crescer...

Não poder segurar o filho contra o peito e o salvar dos males do mundo...

É terrível não poder estar mais presente para enxugar suas lágrimas, pegar no colo e poder garantir que tudo ficará bem...

É uma sensação de incapacidade ter de aceitar as escolhas dos filhos e não poder dar umas palmadas pra fazer eles voltarem para o rumo certo e seguro...

E por vezes é angustiante saber que não são mais nossos pequenos, mas são grandes e senhores de suas vidas e de suas dores!

Que o bom Deus, lá do alto continue velando por nossos filhos...

Agraciada pelo lindo texto e as lembranças que ele evoca!