O homem da estrada
Nilton Victorino Filho
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 16/08/19 18:54
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 5min a 7min
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Capítulo Único O homem da estrada

Particularmente, sempre fui muito corajoso, de volta do grupo escolar eu, muitas vezes, encarei a subida da jaqueira sozinho, já noite fechada, claro que, quando havia um estalo mais forte vindo do milharal eu corria mas, não era medo não, sempre respeitei almas penadas, só não queria estar ali para conversar, credo em cruz.

Isso era sozinho, com meus amigos do lar 14 eram outros quinhentos, só casca grossa no lance e ficava mais fácil.

Sempre que um guri olhava pela janela do meio do segundo dormitório via uma imagem na estrada do cenáculo, isso quem tinha coragem para olhar, a maioria nem punha a cara na janela.

A imagem era a de um homem amarrado à correntes, com os braços esticados ao céu, todo mundo via a coisa assim.

Em todos os pavilhões haviam histórias de assombrações, nunca um guri pequeno seria encontrado, noite alta, fora do seu respectivo pavilhão...então eu fico imaginando quem morava na vila dos funcionários, com o lago e a mata da olaria tão perto.

Nessa noite o pavilhão não tinha vigilante, no segundo dormitório os meninos não conseguem dormir, aquela imagem toma os pensamentos.

O Viana que era o neguinho mais cabuloso do mundo veio com essa conversa:

_Pode ser que a alma queira conversar...só a gente indo lá para saber.

O Lucídio que, dentre nós, era a alma mais iluminada disse:

_Não é de bom tom brincar com almas em noite de lua cheia.

O Oscar que, tinha medo de um tudo nesse mundo, desconversou:

_Gente, já é tarde, tenho que acordar cedo para trabalhar na padaria.

O Mônica, que tinha os dentes projetados para a frente e por conta disso o apelido, o único palmeirense de todo o pavilhão, atacou:

_Mano, eu tenho coragem de ir lá e tirar isso à limpo.

E Niltão, que à essa época era Niltinho disse:

_Gente, aquilo é o tronco de uma árvore do bosque que pende para o lado da estrada, vamos ficar quietos que quero dormir.

Certeza eu não tinha, só queria evitar o que se deu depois disso.

Encorajado pelo que o Mônica havia dito, o Viana se levantou da cama em sinal de sentido:

_Só se for agora.

O Mônica fez o mesmo, eu também, o Viana cutucou o Oscar:

_Bóra moleque.

_Não, tenho que acordar cedo.

_Todo mundo sabe que você é bunda mole, até o Lucídio tá indo.

O que aconteceu na cabeça do Oscar foi assim:

Uma coisa era ser chamado de bunda mole, outra coisa era ter menos coragem que o Lucídio, se esses moleques forem e eu não for, amanhã eu vou estar abaixo do mais inferior dos animais rastejantes.

Isso pensado em frações de segundos, cá estava o albino preparado para a aventura.

Nem bem abrimos a porta do segundo dormitório e demos com uma alma no corredor, pulamos de volta para dentro.

Fechamos a porta e ficamos em pânico, a maçaneta rodou e o Tequinha entrou no quarto:

_Onde os moleques pensam que vão???

O Tequinha era maior, dormia no terceiro quarto.

Dissemos o que íamos fazer e mostramos pela janela do meio.

_Cês tão doidos muleques, ninguém sai sem mim.

O que, aliás foi providencial mesmo, o amigo além de ser maior que nós, tinha todas as chaves do pavilhão e um farolete.

Vencemos o corredor com cuidado para não acordar o seu Odilon, o salão, o refeitório e chegamos na cozinha, do lado da porta dela a porta da sapateira, pegamos qualquer chinelo no escuro, abrimos a porta e saímos na área, o vento gelado da noite congelou as almas já petrificadas pelo medo.

Evitando o caminho do barranco das uválhas para que o cachorro Leão não nos denunciasse, caímos na estrada e ladeamos o barranco no bosque, dava para ouvir o bater dos dentes do Oscar, o Viana ria, o resto quedava num silêncio e os pinheiros assobiavam, noite clara iluminada pela linda lua cheia.

Precisamos andar uns vinte metros, se muito, o Tequinha jogou o farolete e iluminou o meio da estrada do cenáculo.

Eu tinha razão mesmo, um galho mais baixo da paineira subia e descia com o vento, nada de alma.

Foi um alívio até para mim, respiramos juntos e nos encaminhamos de volta, todos aliviados e felizes com a aventura.

Na encruzilhada que faz divisa com o pavilhão 17 estávamos com as almas libertas do medo, me deu vontade de tripudiar:

_Ah, viram aí, eu estava certo, eu sou f...

Nesse exato momento, uma aragem sombria nos envolveu, os passos vinham de todas as direções, misturados com barulhos de cascos de cavalos e os pinheiros cantaram mais alto, vozes abafadas de lamúrias e ficou mais escura a noite.

Esquecemos o Leão a latir e corremos por lá mesmo, ao entrar batemos a porta da cozinha, a porta da sala, do corredor e passamos o resto da noite acordados mas, sem falar nada, ainda dava para ouvir a bateção de queixo do Oscar.

No dia seguinte o seu Odilon disse que sonhou que haviam invadido o pavilhão, foi verificar e as portas estavam todas trancadas, a dona Ana atribuiu o sonho à feijoada da véspera.

O Mônica amanheceu numa poça de urina, nem por um decreto ele iria ao banheiro naquela madrugada.

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Apreciadores (5)
Comentários (5)
Postado 14/03/20 15:12

Seus textos são bons demais!!! Meu Deus!!! Você é incrível, seu enredo é fantástico

Postado 29/07/20 23:50

O seu jeito de construir a narrativa é muito bom, e o modo como você consegue assustar e fazer rir ao mesmo tempo é muito incrível, realmente incrível!!!

Gostei demais da sua história!!!

Abraços!!

Postado 16/08/20 17:40

Texto fantástico! Fui transportada no tempo...

Me lembrou muito o "Doidinho" de José Lins do Rego...

Grata pela aventura!

Postado 06/09/20 22:19

Eu amei a narrativa, sério! O conjunto de detalhes, descrições, é realmente incrível.

Parabéns!

Postado 12/09/20 14:31

Nossa, que texto maravilhoso.

Parabéns!

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