Há um longo corredor preto e branco, não existe outra cor, apenas outros tons e nuances...
As paredes - tijolos.
A escaria em espiral - tijolos.
Estou em um bueiro?
Estou em uma torre...? Sim... É uma torre.
Pouco a pouco, subo os degraus, meus dedos estatelam no chão molhado, salpicando os demais degrais dequela água morta...
Subo quase sem respirar, mas... Espere...
Senti um gelo na espinha. Meus ossos tremeram, é um cheiro forte, como saliva e ferrugem... Como as duas coisas juntas.
Algo se moveu entre as sombras, serpenteou bem atrás de meu pescoço, e eu não pude ver...
Continuei minha jornada. Degrau por degrau, joelhos doloridos, rangendo como portas milenares...
Nheeeec nhec nheeeec nhec
O tempo todo.
O frio na espinha passou assim que meus pés tocaram o último - ou o primeiro degrau, mas, meu coração pareceu afundar ainda mais dentro do peito, pareceu soluçar.
Uma porta.
O tipo de porta que se vê em desenhos animados, porta-de-casa-de-bruxa. Bruxa Má do Oeste...
Mas é apenas um sonho... Não é?
O medo de abrir a porta me faz arrepiar, meus nervos perdem o controle, caio no chão... Aluscinando, minha cabeça pesa demais agora... O que se movia nas sombras, parece estar tão perto agora... O cheiro é inconfundível... Sinto que já o conheço de algum lugar desprezível.
Ouço seu barulho.
Cleck cleeeck CLECK...
Como goma de mascar que já está se desfazendo depois de horas a fio em contato com a saliva.
Preciso entrar! Preciso fugir!!!
Arrasto minha grande cabeça pesada, abro a porta esticando meus braços, mesmo assim parece tão longe, sou tão fraca para girar uma maçaneta...
"Hããn" - me esforço, gemo de consternação, e atrás de mim... Cleck cleeeck CLECK...
ESTÁ CHEGANDO!!!
Há urgência.
Finalmente, abro a porta e tranco... Ufa... Olho para meus pés, ensopados... Mas minha cabeça parece ter voltado ao seu peso normal.
Me deparo então, com o lugar...
Uau...!
Estantes e estantes com todos os tipos de alucinações.
Areia movediça, bolotas de petróleo, árvores podres, balões, escuridão, índios, carros, planetas, demônios, vermes, sorrisos torcidos, braços necrosados, gordura pelas paredes, lagartos, cães pavorosos, tudo desorganizadamente bem arquivado naquele cubículo, me lembro da torre aonde o Merlim se abriga na terrível noite de tempestade...
Ele tinha livros, eu tenho... Oh... Não sei explicar. Eu os tenho...
- Estou em casa! - concordo com o sentimendo mais prazeiroso no peito, já que as alucinações, parecem me conhecer e me querer tão bem...
Eu estava em casa, com todos os sonhos empilhados, todos tagarelando e tagarelando entre si, saindo de caixas, pratos, copos, livros... Esgueirando-se, saindo de seus esconderijos, dos relógios, dos quadros, das meias, brotando da madeira... Aqueles divinos assassinos que eu, vergonhosamente, escondi por tanto tempo.
Conversamos por... Bom... Não sei ao certo, mas nos conhecemos melhor.
Percebi o gotejamento no teto, eles se entre-olharam como se já soubessem uma fofoca nova... Hihihi.
Repouso então, meus cotovelos e meus seios na janela, também preta e branca, também de pedra... É um mundo de pedra, chuvoso e monocromático.
Reparo ao longe... Pessoinhas... Tochas...
Ei... Espere, lá... Forço minha vista... Oh não!
Me abaixo num susto...
- Eles te viram...!!!- as criaturas constatam e se empolgam na parede, gritam grotescamente, como amigos bêbados.
- VAMOS MORRRERRRRRRR!!!
Eles só dizem isso, eu tento fazê-los calarem a boca, me distraio com a confusão, mas todos eles estão tão furiosos... Por sorte, estão pregados aos seus respectivos lugares.
Não podem se revoltar...
Sem perceber, a criatura que faz cleeeck, passa pelo buraco da fechadura, se instala então ali... Em uma parte escura da sala de pedra.
Ao mesmo tempo, flechas voam, matando meus amigos, meus filhos, minhas alucinações...
- Não!!! - imploro para que parem, me coloco na frente de meus protegidos, mas as flechas atravessam meu corpo, como se eu fosse um espírito invisível, pousam nas extremidades de minhas criações sombrias e... Pluft...
Elas se foram.
- Não!!! - rasgo minhas roupas, sem perceber no que a criatura, por trás de mim, vai se transformando...
Uma aranha... Uma aranha grande, peluda (?) gosmenta, pingando piche... Sua teia enrosca-se por sobre o teto inteiro... As alucinações que restaram, imitam o emoji de "SUSTO", com suas mãozinhas no rosto em pânico, elas gritam um coral de "Ós"... Olham para a criatura gigante, apavorados, mas com respeito.
Não compreendo, não sinto medo como elas... Quero tocar na aranha, deixar com que ela acaricie minhas penas...
- Não... Você não sabe quem ele é!!! - elas gemem com temor.
- É um de vocês... - eu sorrio, tento não ser preconceituosa.
Elas negam balançando suas cabeças e extremidades de um lado pro outro.
Tudo então, se torna apenas cinza. Cinza bem claro, que cega.
- É seu... - suspense - ASSALTO-PESADELO! - me alertam, como se fosse óbvio.
Só de pronunciar este nome, todas as maravilhas demoníacas, choram, lamentam por constatar o triste significado dele.
Meu estômago embrulha, minha cabeça pesa, sinto o odor fétido, demoníaco.
- NÃÃÃÃÃÃÃÃO! - minha palavra final, enquanto o Assalto-Pesadelo, me devora com seus olhos possuídos, sorrindo com milhares de dentes.
- NÃÃÃÃÃÃÃÃO! - urro de dor, ainda mais...
Não há volta!
Estou perdida!!!