Cinco dias
Victoria C
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 29/04/21 19:37
Editado: 01/05/21 20:25
Avaliação: 10
Tempo de Leitura: 4min a 6min
Apreciadores: 3
Comentários: 3
Total de Visualizações: 749
Usuários que Visualizaram: 8
Palavras: 729
Não recomendado para menores de dezoito anos
Capítulo Único Cinco dias

20/04/XX

A sirene toca ao fundo, está se aproximando da casa. Eu não consigo me mover, o corpo inerte paira entre os meus braços, há alguns minutos eu estava balançando o corpo, mas não se movia, nada se movia, um silêncio preencheu o espaço, até o som da sirene me trazer, parcialmente, de volta a realidade.

Ouço passos pesados na escada, estão correndo até chegarem ao quarto. Olhos grandes e escuros me fitam, transmitem um sentimento de pena para mim e choque ao perceberem o corpo. Sou puxada para cima e um cobertor é jogado nos meus ombros, não me sinto aquecida ou coisa alguma.

05h40min

As perguntas são disparadas para mim, tento responder, mas a minha voz falha, tento novamente e consigo balbuciar algumas palavras, gradualmente a história começa a se reconstituir em minha mente. Uma porta aberta, sem vidros quebrados.

19/04/XX

O toca disco é ligado, um jazz suave ecoa pela casa contrasta com a chuva. Desço as escadas e caminho até a sala minúscula de jantar ao lado da cozinha. O ambiente pequeno e claustrofóbico não parece nada aconchegante como o anúncio dizia. Sento-me a mesa, frustrada e cansada. Uma sombra caminha por trás de mim e vejo um braço esticando sob os meus ombros, na mão um prato é colocado a minha frente.

Eu não lembro quanto tempo se passou até a voz grossa me chamar. Levanto a minha cabeça que antes estava focada apenas em cortar o pedaço duro de carne e observo a pessoa a minha frente colocar o dedo sob os lábios, pedindo silêncio. Depois se levanta da mesa e faz um sinal para que eu o siga. Hesito em deixar a faca na mesa, mas levo-a. Subimos os degraus e antes que pudéssemos nos esconder no quarto, algo rompe a porta e outra figura sobe a escada.

Fecho os meus olhos e quando percebo estou no chão, abraçando o corpo e tentando não pensar no que aconteceu. Não me lembro de mais de nada. Tudo o que olhei foram sombras, não tinham rostos, nem voz.

15/04/XX

Ouço o som do “jazz” preenchendo o meu quarto, um barulho que parece ser gritante, sai daquele cômodo e vou até o banheiro em frente do meu quarto, abro o pequeno armário com um espelho acima da pia e retiro um frasco transparente com algumas pílulas, espio entre a fresta da porta, não há ninguém ali me observando, não hoje, pego uma pílula e ao invés de ingerir, coloco-a no vaso sanitário e dou descarga.

Desço os degraus da escada de forma silenciosa, não pretendo ser vista hoje, mas claro que isso é impossível. Aquela figura grande toma a conta de todo o meu espaço. A minha casa já não é mais minha. Vou até à cozinha na pretensão de fazer uma xícara de chá, mas já vejo uma sob a bancada, um líquido esverdeado.

Não recordo de quanto terminei de beber o chá e aquela mão grande agarrar os meus braços e me guiar novamente até o quarto, mas agora estou rumando para o andar inferior, da janela da sala de estar é possível ver o céu escuro e a chuva torrencial lá fora. A sala de jantar a minha frente parece minúscula, abafada... Eu quero fugir.

O jantar é posto, uma carne pálida e não sinto o sabor. A figura se acomoda a minha frente como se a casa fosse sua. Corto o bife em pedaços pequenos e engulo, o sangue jorra da carne mal passada, o líquido vermelho ensopa o pano branco da mesa, como uma pintura. Os meus olhos se perdem ali até eu perceber que o sangue não escorre da carne, mas da cabeça deitada na mesa.

Retiro a faca e paraliso. Quem fez isso? Olho em direção das janelas, portas e percebo a única porta da cozinha aberta, a chuva entra fraca e mais uma vez paraliso. Corro até a porta de vidro e a fecho, não vejo pegadas, não vejo nada. O corpo inerte daquela figura está sob a minha mesa, pego a faca primeiro e arrasto o corpo comigo até o quarto. O processo não é fácil, é muito pesado e a escada é longa, mas consigo. Fecho a porta e fico perto do corpo. Logo a escuridão consome o local e eu só abro os olhos quando ouço o barulho da sirene chegando até a mim.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Olá. Tudo bem? Fico feliz que você tenha chegado até no final do conto. Que tal deixar nos comentários o que você achou?

Apreciadores (3)
Comentários (3)
Postado 01/05/21 02:01

Meu Deus?!

Todas as peças do quebra-cabeça que esse conto (me) parece ser são, na verdade, quebra-cabeças em si. Deliciosamente escrito com imagens (talvez símbolos?) intrigantes (o jazz suave que inicia a narrativa de cada dia, o chá, o bife e os "outros" habitantes da casa são exemplos perfeitos disso), o texto é uma verdadeira obra prima do terror curto, começando já pela capa. Cheio de coisas pra se ler nas entrelinhas. O li três vezes: normalmente, detrás pra frente e depois normalmente de novo, e a cada vez tive mais perguntas (cheguei inclusive a me perguntar se haveria viagem no tempo?)

Meus parabéns, Vic!

Postado 03/05/21 17:08

Obrigadaaa! Fico feliz que tenha gostado. Viagem no tempo? hmmm gostei! Fique livre para interpretar hahaha

Postado 03/05/21 20:25

Aaaa fazia tempo que eu não lia um terror tão GOSTOSO! Extremamente bem escrito e satisfatório! Muito obrigada por compartilhar conosco! ❤️❤️❤️

Postado 14/05/21 10:21

Fico super agradecida e feliz por isso! Obrigadaaa! ❤️

Postado 05/10/21 13:31

Olá, senhorita Victoria!

Fiquei super atenta a leitura! Adorei o modo como a história foi construída!

A melhor parte de todas foi perto do final, quando ela percebe que o sangue não é da carne, mas sim da cabeça hahaha

Muito bom mesmo!

Um grande abraço <3