O farfalhar das folhas das árvores alertava que uma possível tempestade de inverno estava por vir. Não era uma noite tão fria quanto a que estavam acostumados a enfrentar naquela época do ano, por isso Diablair e Ternura não usavam agasalhos pesados.
A jovem corria desesperada, como se pressentisse que algo terrível estava para acontecer. Seus cabelos encaracolados quase não conseguiam acompanhar sua maratona descompassada, assim como Diablair, que questionava o motivo de tamanha comoção e a seguia apenas por pura curiosidade.
Ternura só parou de correr quando chegou à beira de um lago totalmente congelado. O inverno ainda não havia se anunciado propriamente, por isso o fato inusitado fez Diablair arquear uma sobrancelha e se pronunciar pela primeira vez desde que começaram a incursão.
— A primeira neve ainda nem caiu e o lago já está congelado? O que está acontecendo aqui?
— Shhhhhh! Eu estou vendo alguma coisa ali.
O céu nublado escondia parcialmente o brilho da lua cheia, mas ainda era possível enxergar as margens do lago. Ternura puxou Diablair para próximo de uma árvore de cedro, afim de se esconder de quem quer que estivesse chegando do outro lado da margem.
A dupla conseguiu ver perfeitamente quando duas criaturas se aproximaram do lago. Pelo porte esguio e as asas cintilantes, chegaram à conclusão de que eram fadas da lua. Ternura estava naquele mundo por tempo suficiente para saber que fadas da lua só iam ao território humano quando alguma coisa realmente catastrófica acontecia.
Mesmo de longe, conseguiram perceber que uma das fadas segurava um pacote consideravelmente grande, enquanto a outra empunhava uma lança trovão. A fada de cabelos dourados, que segurava o pacote, tomou a dianteira e chegou o mais perto possível do gelo espeço, enquanto a outra, de cabelos flamejantes, assumia uma postura defensiva.
— Então é isso, Amara? Nós apenas deixamos a criatura adormecida aqui?
— Sim, Amélia. A criança deve ser deixada a própria sorte. Uma criatura tão abominável não deveria sequer existir.
— Não entendo, irmã. Olhe para ela, tão pequena e frágil. Até parece humana. O que esse pacotinho de carne poderia fazer? Que tipo de criatura poderia se tornar?
— Não existe nome para a raça da criatura, ela apenas seria um ser entre este mundo e todos os outros. Poderia até mesmo nos governar. Sua tirania ultrapassaria a de qualquer criatura do inferno.
— É realmente uma pena, eu até gostei dela.
Após uma breve olhada no pacote, as fadas seguiram pelo mesmo caminho que haviam trilhado anteriormente, deixando a criança adormecida na beira do lago, entregue à própria sorte.
Diablair e Ternura, ao constatarem que as fadas estavam longe o suficiente, aproximaram-se cuidadosamente do embrulho arroxeado, afim de entender melhor a situação. Sabrina foi a primeira a chegar na criança, que dormia serenamente. Ela removeu minimamente o cobertor roxo repleto de facas bordadas a mão, revelando uma menina de pele clara, que emanava um fraco brilho negro, com cabelos ondulados e que aparentava ter no máximo três anos.
— Mas o que acabou de acontecer? — Diablair relutava em se aproximar da criança.
— É ela. Com toda certeza, é ela!
— Ela quem? Do que você está falando, Sabrina?
— É a Imperatriz. É a Flávia. Eu sei que é ela!
Diablair estava confuso. Ternura não parava de repetir que aquela criança era a Imperatriz do Massacre. O único problema, é que não existia um ser, na terra, no inferno ou no ilusório céu, que ele não conhecesse.
— Respira e me explica essa história direito!
— Eu não sei. Eu só sei que você precisa cuidar da criança. Tem que ser você, Diablair.
Ternura então pegou a suposta Imperatriz nos braços e começou a caminhar na direção de Diablair, que se afastava lentamente, até suas costas baterem em uma árvore e ele ficar sem ter como escapar.
— Você precisa confiar em mim. Eu senti uma forte ligação com a criança. Algo me diz que ela fará grandes coisas no futuro. Não sei te explicar, mas você precisa cuidar da Flávia.
Ternura estendeu os braços, entregando a menina para o Líder Infernal. Uma confusão mental tomou conta de Diablair. Ele não sabia o que fazer, apenas segurou a menina sem muito jeito, acreditando que não poderia simplesmente cruzar os braços e deixar a criança despencar no chão. Olhou para a criatura, que ainda dormia, e percebeu que o brilho negro estava cada vez mais fraco.
— Aquelas malditas envenenaram a criança, mas acho que ela vai ficar bem. — Ao levantar os olhos, Diablair sentiu que o pouco ar que restava em seus pulmões foi totalmente drenado. — Ternura? TERNURA! APAREÇA, MALDITA!
Ternura havia sumido, como em um passe de mágica. Agora, restavam apenas Diablair e a suposta Imperatriz nas dependências do lago de gelo. O líder das Hordas Infernais amaldiçoou o momento em que decidiu estender os braços para a pequena, mas decidiu não ser indiferente a criança e levá-la para sua mansão, na dimensão infernal, acreditando que encontraria Ternura e se livraria daquele pacote de carne possivelmente problemático.