Hoje me peguei me recordando de ti. Passei um bom tempo relendo as cartas que, mesmo nos vendo sempre, nos escrevemos. Olhei todas as fotos, mesmo as que não estavam nos porta-retratos. Revi seus desenhos, das telas às folhas, acariciando a superfície de cada um como se fosse seu próprio rosto. E, antes de contar o que preciso, quero te dizer exatamente do que eu lembrei:

Primeiro, lembrei daquele momento em que a doce alvorada pintava seu rosto. Não como um todo, mas por partes. Uma linha em tons pastéis cruzava o lado esquerdo do teu rosto, deixando seu olho, cabelo e nariz com tom de nuvem. E talvez você fosse uma nuvem de fato, pois quando deitava minha cabeça em seu ombro sentia a maciez das bolotas de algodão que voam no céu e dentro da tua cabeça mil estrelas piscavam.

Depois disso, lembrei de quando você sussurrou docemente para mim “Me deixa pintar teu futuro, que tu pinta o meu.” E eu deixei. Seus traços eram tão lindos, deixaram meu futuro uma verdadeira obra de arte. Sempre falei que você era um Van Gogh renascentista. E agora, devo pedir desculpas, porque nunca me simpatizei bem com o pincel. Pelos meus traços toscos, seu futuro ficou tortuoso, com labirintos de cores desarmônicas e manchas feias. Azar de principiante. Mas você só sorria e dizia que eu só precisava treinar. E era verdade, Theo. Agora sei desenhar um futuro melhor pra ti, e pra nós.

Lembrei também de outros momentos, mas para não pesar a mão na carta te lembrarei daquele. Você sabe bem qual. No escurecer da noite, nos perdemos um do outro, sem falar tchau. Me arrependo, claro. Nunca fui bom com despedidas, mas aprendi – a caro preço – que toda despedida é dor... tão doce todavia, que eu te diria boa noite até que amanhecesse o dia. Você adorava parafrasear Shakespeare, sinto muito por não ter prestado atenção. Eu ficava focado nos versos tristes demais de Moraes. Talvez isso até tenha influenciado em algo. Mas não existe história boa de amor sem sofrimento, não é? Hoje, mesmo que distantes, estamos próximos de nos encontrar. Eu sei, porque sinto, e sei que você também. Não sei onde você está, mas você sabe onde eu estou. No mesmo lugar, naquela esquina, no banquinho da pracinha, onde a luz da lua encontra as ondas do mar e, apesar de pra você não ser tão bonito ver o Sol nascer, é lindo de ver a Estrela D’Alva anunciar o anoitecer. E se não puder vir até aqui, tudo bem, olhe para o céu e você irá me encontrar. E eu encontrarei a ti, teus olhos, duas Aldebarãs me encarando, e eu me sentirei junto a ti.

Quando nos vermos de fato de novo, darei a ti mil estrelas, todas que eu puder nomear. E a esta carta sem remetente, sem endereço a ser entregue, dou os nossos momentos, para que sempre se lembre de recordar. “A memória é importante,”, uma vez você me disse, “e sei que minha mente é oscilante. Pinto porque esqueço, e se pintar não esquecerei, mas se parar de pintar e esquecer, .então quem eu serei?“. Eu adorava quando você fala em poesia. Talvez eu tenha pego um pouco dessa mania.

Não quero me prolongar muito, – na verdade, assim como você, estou escrevendo mais para não esquecer do que para escrever – então terminarei essa carta logo depois que escrever aquilo que eu queria te dizer: Sinto saudades tuas, sinto saudades de quem serei, sinto saudades de quem você será quando eu te encontrar, mas também sinto saudades daquele você que eu já amei. E não se preocupe, logo nós nos encontraremos no crepúsculo. E lá em cima, dançaremos naquelas cores, sujando as solas dos sapatos de colorido. Tudo bem se você não souber voar, o céu está a apenas algumas milhas de distância. Se tu cair, irei te levantar, assim como você me levantou dos tombos que tomei quando subimos as escadas das estrelas quando você me mostrou o céu pela primeira vez. Acho que foi lá que me apaixonei, por você e pelo céu. Dessa vez nosso palco será dia, não noite, e haveremos de espalhar estrelas cujo brilho será tão forte que brilharão junto ao sol, mesmo que hajam nuvens. E mesmo com elas, a estrela mais brilhante do nosso céu será você, Theo. Brilhando dia e noite, nunca apagada. Astrônomos irão te chamar de Sol, R136a1, Eta Carinae e Sirius, mas eu saberei que é você. Decorarei sua localização e nunca mais precisarei de bússola, pois tu és meu Norte e meu Cruzeiro do Sul. E muito mais que estrela, tu será Supernova, Theo. Brilhante por eras, milênios... E quando perigar se apagar, explodirá de novo, irradiando uma luz tão pura e clara que me cegará, de novo. E mesmo assim, continuarei te olhando. Porque tu és minha estrela favorita, mesmo não sendo estrela ainda. Estarei contigo, estrela, amanhã, e tu estarás comigo, estrela do amanhã.