Tchê! Mas que barbaridade! Eu já estava dormindo, depois de comer aquele baita churrasco e de ter tomado uma chaleira de chimarrão, quando a nega véia me cutucou.
— Balduíno, tem alguém no paiol.
— Tchê! Mas quem teria coragem de invadir um paiol de um gaúcho macho tal como eu?
— Aqui na campanha está cheio de gaúcho macho para fazer estupidez. Vai lá ver.
A nega véia não tinha nem acabado de falar e eu já estava de pé, vestindo minha bombacha. Peguei minha peixeira de oito polegada só de lâmina e já a coloquei na guaiaca. Vá que eu precisasse furar algum vivente abusado que não quisesse tomar seu prumo.
Cheguei em frente do paiol e vi a porta entreaberta. Tchê! Aquela porta sempre ficava trancada a noite. Certamente algum gaudério borracho tinha invadido só para aprontar. Aproximei-me da porta e comecei a abri-la de mansinho, como um cusco recém castrado.
Tchê bagual! Mas que cagaço! Uma criatura negra e rápida passou entre minhas pernas, as quais afrouxaram na hora. Mas eu sabia que aquele demônio estava atrás de mim e, portanto, antes de virar, já tinha puxado a peixeira para começar a peleia. Já estava preparado para ficar duas semanas peleiando. Mas quando virei, tchê! Vi um gato ao lado da caneca de leite. Mas que barbaridade, um gaúcho macho como eu levar um cagaço de um gato.
Mas ao menos, fiquei sabendo quem era o baderneiro no paiol. Esse gato, que na verdade é uma gata, tinha crias e andava zanzando com elas para cá e para lá. Outro dia, as encontrei dentro de casa, próximo aos espetos de pau, onde tinham feito uma baita bagunça. Decidi voltar para cama, já que não tinha nada demais, mas antes precisava fechar a porta do paiol, para que gato não voltasse a me atucanar.
Quando me aprocheguei da porta, senti um calafrio de renguear cusco. Tchê! Tinha um vivente dentro do paiol. De vereda, puxei a peixeira de novo e adentrei o paiol. Com pressa para resolver o problema e voltar a dormir, gritei:
— Tchê! Apareça quem estiver aí. Não quero pelear e ter que te dar uma tunda de laço.
O silencio permaneceu. Tchê, o vivente tinha coragem para comprar briga comigo. Fui indo em direção ao fundo do paiol, despacito, olhando atenciosamente entre as prateleiras de pelegos e de ferros de marcar gado para o encontrar. Mas quando me deparo com as portas do fundo do paiol, as quais dão acesso ao potreiro, vejo que elas estão trancadas e que ninguém tinha passado por ali. Mas como podia ter me enganado, tchê?
Mal sabia eu que aquele seria o último momento de tranquilidade da minha vida. Quando viro para voltar para casa, me deparo com uma criatura apagada vestida de branco. Até parecia uma chinoca com vestido de prenda. Ela estava parada na minha frente e me olhava como tordilho redomão. Tchê, aquela assombração era tri feia, mais feia que encoxar mãe no tanque, e fiquei sem reação. Ela olhou para os meus olhos e com uma voz diabólica me indagou:
— Tu danças chamamé?
— Tch... Tch... Tchê! Ma... mas é claro que... que danço cha... chamamé.
— Então me ensinas.
Tchê barbaridade. Eu que não acreditava em assombração estava dançando com uma agora. Comecei o dois e um, típico da dança, e alma penada me acompanhava. Certa hora, pisei no pé dela e senti um arrepio, mas vi que ela sorriu. Tinha até relaxado, mas logo senti sua mão ficando mais gelada. Algo estava errado.
— Já chega, gaúcho. Vais morrer.
— Tchê! Me desculpe por pisar no teu pé. Até peão criado na lida de campo pode cometer erro.
— Era para me ensinares a dançar chamamé e não milonga.
Tchê! A china véia sabia diferenciar chamamé de milonga. Tentei enganá-la, mas quem tomou um talagaço fui eu. A assombração me pegou pelo pescoço e me ergueu dois palmos do chão. Vendo a morte eminente, agi como um taura: puxei a peixeira e finquei na garganta da alma penada. Atravessou direto, tchê! Me vi no mato sem cachorro. Sua mão começou a ficar cada vez mais gelada e meu pescoço começou a congelar. Quando me dei por conta, já estava no inferno.
Que barbaridade aquela noite. Agora estou aqui no inferno contando causo e lagarteando nesse calor. E estou feliz, pois, depois de tanto tempo solito, conheci uns índios velhos com quem fiz amizade. Jogamos truco gaudério todas as tardes. Mas quando cheguei aqui, foi complicado. Encontrava a china véia de branco todos os dias. Ela aparecia só para me inticar. Um dia, tentei dar-lhe um tapão na orelha, mas acabei descobrindo que ela era filha do diabo. Tomei um baita castigo daquele guampudo. Mas já chega desse causo. Os xirus já estão com a gaita na mão e começaram a tocar uma vaneira. O chinaredo já chegou e está louco para dançar. Agora que estou morto, nada pode parar esse gaúcho macho!