Garraduende (Em Andamento)
Sabrina Ternura
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Tipo: Roteiro (Longo)
Postado: 03/06/23 02:19
Editado: 27/11/23 00:44
Qtd. de Capítulos: 5
Cap. Postado: 26/11/23 23:24
Cap. Editado: 26/11/23 23:43
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 33min a 45min
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[Texto Divulgado] "Apenas o momento " Luísa foi ao bar sozinha o que pode ser muito bom ou muito ou muito gostoso
Não recomendado para menores de dezoito anos
Garraduende
Quarta Cena Todas as Batidas de Seu Coração

QUARTA CENA: INT. MANSÃO DE BLACK (SALA DE CHÁ CINZA) - NOITE (22H40)

Blake estava sentado no braço de uma das poltronas da incompleta Sala de Chá Cinza, enquanto focava seu olhar nas chamas que dançavam na lareira. Mesmo com as janelas fechadas e perto do fogo, um arrepio gélido percorreu seu corpo, fazendo-o estremecer e instantaneamente esfregar de modo frenético as mãos nas laterais dos braços. Apesar de conhecer o afago nada sutil da solidão, o jovem nunca se acostumava com ele, principalmente após ter sido tocado pelo amor. Nesses momentos amargos, ele buscava mergulhar em seus devaneios secretos que, embora tivessem sido vividos há muitos anos, eles ainda eram capazes de aquecer até os cantos desconhecidos de seu coração.

FLASHBACK: INT. VELHA CABANA (BOSQUE DAS FLORES) - 15 ANOS ANTES.

[...]

Quando o tecido deslizou pelos ombros dela em direção ao chão, revelando o secreto das singularidades de seu corpo, ele foi tomado por um deslumbramento quase espiritual: ela era a personificação de todo o seu amor e a materialização de todos os seus desejos. Como se não acreditasse na imagem que se projetava em seus olhos, ele lentamente esticou a mão e tocou-lhe o rosto com carinho, como meio de provar a si mesmo que ela era real… que eles eram reais.

Por mais que estivesse quase em combustão pelo desejo, Blake aproximou-se devagar e tocou-lhe os lábios com gentileza, pois queria que a primeira vez dela fosse a mescla perfeita entre desejo e amor. Conforme o gesto se intensificava, Tortura entrelaçou suas pernas ao redor dele e foi conduzida até a mesa mais próxima. Assim que o corpo quente dela tocou a superfície gelada, Blake passou a distribuir carícias por ele, como se estivesse desvendando todos os enigmas da pele sedosa e perfumada dela. Ele mordiscou o lóbulo da orelha e, com um rastro de beijos, desceu até a curva do pescoço. Em seguida, demorou-se, com a boca, nos seios. Por fim, ele se ajoelhou no meio das pernas dela e, após deixar mais uma trilha de beijos na barriga, aproximou-se de sua intimidade.

TORTURA (com a voz ofegante): O que… você está fazendo?

[Antes de respondê-la, ele mordiscou e beijou levemente as laterais de suas coxas, até que finalmente tocou-lhe no íntimo com a boca, fazendo com Tortura gemesse baixo e agarasse com força os cabelos de Blake.]

BLAKE (sussurrando): Eu estou… amando você.

JUMP CUT.

FIM DO FLASHBACK.

QUARTA CENA: INT. MANSÃO DE BLACK (SALA DE CHÁ CINZA) - NOITE (22H41)

O devaneio de Blake foi interrompido por um toque sutil na maçaneta. Quando ele se virou para verificar quem era, deparou-se com Fubuki parada na porta, carregando uma bandeja com um bule de chá e duas xícaras.

FUBUKI: Não consegui dormir, então resolvi fazer um chá. Posso me juntar a você?

[O jovem apenas acenou positivamente com a cabeça. Ela sorriu e dirigiu-se para a pequena mesa de centro que separava as únicas duas poltronas do cômodo. Assim que ela começou a preparar a xícara de chá de ambos, Blake não pôde deixar de reparar no quanto toda a situação lhe parecia extremamente familiar. Talvez isso derivasse da convivência de exatos dez anos com os Calígula. Portanto, não era de se estranhar que Fubuki soubesse como ele gostava de seu chá — dois cubos de açúcar e uma pitada de canela no fundo da xícara — e da naturalidade com que ela adentrara a sala descalça, trajando sua roupa de dormir recatadamente coberta por um sedoso roupão verde musgo e com o cabelo solto. Após ela ter lhe dado sua xícara e o alertado acerca da temperatura do líquido de modo quase maternal, Blake não estranhou o fato dela se sentar na poltrona ao lado e dobrar os joelhos, protegendo os pés com a almofada com o intuito de aquecê-los.]

FUBUKI: Quando você disse que Black era uma região muito fria, eu não acreditei e me arrependo muito disso… e de não ter trago as minhas pantufas.

[Ela continuou a falar sobre a importância de pantufas forradas em regiões frias, porém Blake já não mais a escutava, apenas a encarava. A xícara quente que ele segurava provocava um leve formigamento nas pontas de seus dedos, mas nada se comparava com as lágrimas que queimavam em seus olhos. Porque, apenas talvez, Fubuki fizesse com que ele se lembrasse de sua falecida mãe, Catharina. Ambas eram pequenas, transbordavam benevolência em todos os gestos e tinham uma forma extremamente delicada de ver o mundo. Quando Catharina foi brutalmente assassinada*, Blake, ainda que fosse apenas um menino, já era mais alto do que ela, e em momentos como esse, vendo Fubuki sentada e quase encolhida na poltrona semelhantemente à sua mãe nos dias que os dois viveram na velha cabana do Bosque das Flores, ele se pegava pensando em um futuro no qual ela pudesse fazer parte e pudesse lhe alertar sobre os riscos de não usar uma pantufa forrada em regiões frias.

Ou, apenas talvez, após dez anos de convivência, Blake tivesse se dado conta que, assim como Pablo fora o pai que ele não havia tido, Fubuki era, ao seu modo, a mãe que haviam lhe roubado. Ambos foram o alicerce que o jovem havia tido apenas pela metade da infância e cuidaram dele no momento que ele mais precisou.

Mergulhado em seus devaneios, Blake não notou que Fubuki parou de falar e o encarava com os olhos tão cheios de lágrimas quanto os dele. Ela posicionou a xícara delicadamente no pires e limpou os olhos com as costas das mãos.]

FUBUKI (com a voz embargada): Você sabe que ouvi seus pensamentos, afinal não é algo que consigo controlar o tempo todo, mas…

[Ela se interrompeu ao perceber que ele ainda não havia tomado o chá e, com essa repreensão silenciosa, Blake tomou em um só gole todo o líquido avermelhado, quase queimando os lábios no processo. Fubuki retornou ao seu estado emotivo e prosseguiu sua fala.]

FUBUKI: Mas fico feliz em saber que você pensa isso, porque… me faz acreditar que eu teria sido uma boa mãe para todos os filhos que perdi e que Pablo seria um excelente pai, como sempre sonhei.

[Blake sentiu o coração congelar por alguns segundos ao ouvi-la comentar acerca dos Meninos Perdidos — como Pablo carinhosamente os chamava — e isso o fez lembrar da primeira vez que estivera no escritório de Fubuki, onde, acima da lareira, havia seis pequenos quadros, cada um contendo uma toquinha verde costurada a mão e, abaixo delas, os nomes de seus respectivos donos. Todos eram nomes de meninos.]

FUBUKI: E eu quero que você saiba, Blake, que durante todos esses anos em que te vi chegar ensanguentado em casa após uma missão ou com as botas sujas de terra após você ter trabalhado no jardim, o espaço vazio do meu coração e do Pablo foi completamente preenchido. Você nos mostrou os pais que seríamos para os nossos filhos e, no processo, acabou se tornando o nosso filho precioso e que amamos com todo o nosso coração, mesmo que tenha um péssimo gosto para decoração.

[Só então Blake se deu conta de que estava sentado aos pés da poltrona de Fubuki e, enquanto segurava a mão dela e algumas lágrimas escorriam do rosto de ambos, eles também riram sobre o último comentário feito pela mulher.]

BLAKE: Talvez eu deva voltar para casa e pegar algumas dicas de decoração com vocês.

FUBUKI (apertando a ponta do nariz de Blake): Talvez você deva ir atrás da mulher que ama, encher essa maldita casa de filhos e entender que nem as melhores mobílias do universo podem substituir um lar construído com amor. Você vai perceber que a melhor parte do casamento é tomar decisões em conjunto sobre tipos de tecidos que você nem sabia que existia e que isso pode ser a pior parte, também.

[Ela riu, mas Blake endureceu suas feições com um misto de insegurança e medo.]

BLAKE (apreensivo): E se… eu não for bom para ela? Tenho tanto medo de perder ela de novo…

[A mulher suspirou e acariciou gentilmente os cabelos de Blake, como se o gesto de carinho pudesse apaziguar a dor dele.]

FUBUKI: Você sempre foi bom, Blake, especialmente quando o assunto era amar Tortura. Não deixe o medo subjugar o seu amor.

[As palavras de Fubuki adentraram o âmago de Blake, enchendo-o de coragem. Ele sorriu para ela em agradecimento e voltou para a sua poltrona, sentando-se na mesma. Os dois ficaram em um silêncio confortável por alguns minutos e o responsável por quebrá-lo foi o próprio Blake, que havia se recordado de algo que Fubuki lhe dissera quando havia chegado.]

BLAKE (com preocupação): Tinha algum problema com o seu quarto, por isso você não conseguiu dormir?

[Ela soltou uma risada antes de responder.]

FUBUKI: Não, querido. O quarto estava muito confortável, quente e três criados passaram lá em um intervalo de apenas cinco minutos. Achei muito atencioso da parte deles.

BLAKE (com um sorriso tímido de satisfação): Eles ainda estão se acostumando com o trabalho e podem ser um pouco atrapalhados, mas são ótimas pessoas. Então por qual motivo você não conseguiu dormir?

FUBUKI (um pouco constrangida): Pode parecer idiota, mas… estou ansiosa para a missão e para conhecer o misterioso Corredor das Mil Portas. Inclusive, você nunca comentou sobre sua experiência lá**.

[O hunter desviou o olhar para a lareira, tentando não encarar as íris esmeralda que cintilavam curiosidade.]

BLAKE (dando de ombros): Para ser sincero, eu não me lembro de muita coisa. Acabei sofrendo um ferimento tentando chegar até lá e acabei morrendo no processo.

FUBUKI: Você não se lembra nem mesmo do momento em que se tornou o portador do Frasco da Bondade?

BLAKE: Não, mas o Colecionador me contou uma história um pouco assustadora na época e me disse que quem me entregou a garrafa foi a Senhora da Escuridão.

FUBUKI (arqueando as sobrancelhas): Senhora da Escuridão?

BLAKE: Sim, é a deusa cultuada pelos hunters e uma das formas da…

[A frase do jovem foi interrompida por frenéticas batidas estridentes no vidro da janela. Os dois se assustaram e levantaram-se abruptamente, em posição de alerta. No entanto, tratava-se do corvo de Blake, Paznic. O hunter abriu a janela e o animal entrou desesperado, passando a voar em círculos pelo cômodo, o que mostrava que havia algo de errado nas defesas da casa.]

BLAKE: O que aconteceu?

PAZNIC¹: Dusman… Dusman… Dusman²

FUBUKI (na janela, confusa): Blake… O que é aquilo?

[O jovem aproximou-se da janela e viu dezenas de corvos voando em círculos acima da trilha de banya’s que ficava a alguns quilômetros da residência e que levava até o portão principal. Em uma situação normal, eles conseguiriam ver, mesmo com a distância, se havia alguém ali, porém uma densa neblina comprometera totalmente a visibilidade do local. Não bastasse esses sinais, ele conseguia ouvir, mesmo longe, os rugidos amedrontados das criaturas pertencentes ao seu Bestiário e que estavam acomodadas no Bosque das Flores. A presença demoníaca afetava não somente o exterior, como também o interior da residência: as chamas das velas estavam bizarramente estáticas, como se o tempo tivesse parado. Repentinamente, uma figura adentrou o cômodo e teria assustado os presentes, se não estivesse usando um pijama e não fosse conhecido pelos mesmos.]

BLAKE (com incredulidade): Damon?

DAMON (coçando os olhos): Já é o meu aniversário? Já se passaram cem anos***?

BLAKE (com incredulidade): Não… Na verdade, não fazem nem dez anos que você está adormecido.

DAMON (com empolgação): Será que a maldição foi quebrada?

[Blake não teve tempo de responder ao amigo com um incerto “não sei”, pois Fubuki fez um som estranho, como se estivesse com dor. Ambos os jovens foram na direção da senhora Calígula, buscando ampará-la.]

FUBUKI (com olhos fechados, atordoada): Eu não consigo te ouvir direito… não consigo ver onde você está…

DAMON (para Blake, confuso): O que está acontecendo com ela?

BLAKE (com incerteza): Acho que alguém está mandando uma mensagem.

FUBUKI (com olhos fechados, exasperada): Não, não desapareça! Me mande um sinal! Flávia, não desapareça!

[Um arrepio percorreu a espinha de Damon, quando o nome da Imperatriz fora pronunciado, pois o pedido aflito de Fubuki deu a entender que a jovem estava em perigo. Uma batida forte no vidro, seguida de um baque oco, fez com que o trio se sobressaltasse: os corvos, que antes estavam sobrevoando a neblina, já que não conseguiam adentrá-la para identificar o inimigo, iam na direção da Mansão de Black e atingiam com violência as paredes e janelas, suicidando-se no processo.]

FUBUKI (um pouco ofegante e desviando de mais um corvo que passara pela janela quebrada): Acabei de receber uma mensagem da Flávia… Eu acho que ela está… .

[A senhora Calígula apontou para o caminho de banyan’s, onde a neblina começava a se dissipar, e Damon, sem pensar na possibilidade de dar de cara com o inimigo, usou sua velocidade vampírica para ir ao encontro de sua amada.]

BLAKE (gritando): Damon, não saia assim! Pode ser peri…

FUBUKI (interrompendo-o): A presença parece ter ido embora.

[O hunter constatou que era verdade, tendo em vista que as luzes das velas se apagaram completamente, assim como não era mais possível ouvir os berros desesperados das criaturas e os corvos pararam de ir em direção a casa. Blake passou as mãos pelo cabelo e encostou na parede com um semblante de confusão e preocupação.]

BLAKE: Pela Deusa Afogada, o que acabou de acontecer?

[Como se respondesse a sua pergunta, Damon ressurgiu na sala repentinamente, mas desta vez tinha Flávia desacordada em seus braços.]

FUBUKI (com preocupação): Ela está bem? Sofreu algum tipo de ataque?

DAMON (com sinceridade): Na verdade, ela parecia muito perturbada quando a encontrei, mas acabou desmaiando pela surpresa de me encontrar e… com trinta demônios, Blake, não há um sofá nessa maldita casa?

IMPERATRIZ (recobrando a consciência, sussurrando): Damon… é você mesmo? Isso não é um sonho?

[O vampiro carregou a jovem até uma das poltronas e acariciou o rosto dela com carinho, buscando impedir uma lágrima de cair. Ele beijou demoradamente a testa de sua amada e abriu um enorme sorriso.]

DAMON: Esse beijo foi o suficiente para provar?

IMPERATRIZ (fingindo estar pensativa): Acho que preciso de mais alguns beijos para ter certeza.

DAMON: Não se preocupe, você sempre terá todos eles.

[O momento romântico foi interrompido pela chegada educada do mordomo de Blake, Emil. Ainda que estivesse mantendo a seriedade requerida pela sua profissão, o homem estava com a feição pálida.]

EMIL (com a voz trêmula): Senhor… o garoto do caixão… sumiu.

[Emil estava na porta e, portanto, não tinha Damon em seu campo de visão, já que o vampiro estava ajoelhado diante da Imperatriz e escondido pela poltrona. Blake suspirou e sentiu-se um irresponsável por ter se esquecido completamente de seus criados durante o ataque. O hunter aproximou-se dele e tocou-lhe afetuosamente no ombro.]

BLAKE: Vocês estão bem? Alguém se feriu?

EMIL (com preocupação): Não, mas… o amigo do senhor

[A frase foi interrompida pela aparição repentina de Damon, que assustou o mordomo.]

DAMON (com gentileza): Muito obrigado pela preocupação, Emil, e por ter afofado o meu travesseiro durante esses anos.

[Ao ver o jovem ruivo, Emil suspirou profundamente, como se um peso houvesse sido retirado de seu coração. Todavia, o mesmo não podia ser dito de Blake, pois, ao ver que a casa estava imersa na escuridão, ele percebeu que havia rastros da energia cruel do inimigo pelo local, mesmo que o ataque houvesse acabado. A iluminação da casa era feita inteiramente pelos espíritos de Gârbova****, que traziam fogo para lares de pessoas bondosas, portanto eles só retornariam quando uma purificação fosse feita na casa.]

BLAKE: Emil, onde os outros estão?

[Assim que fez a pergunta e viu o arquear de sobrancelhas confuso do mordomo, o jovem ligou os pontos: Emil percebeu a ausência de Damon justamente porque, durante o ataque, tinha levado todos para o último nível do subsolo, onde o vampiro estava repousando em seu caixão. O jovem buscou refazer a pergunta.]

BLAKE: Emil, como você conseguiu chegar até aqui, mesmo com essa escuridão toda?

EMIL: O meu poder é conhecer muito bem cada canto dessa casa, senhor.

BLAKE: E como vocês souberam do ataque?

EMIL: Não sei como foi para os outros, mas…

FLASHBACK: INT. MANSÃO DE BLACK (1º NÍVEL DO SUBSOLO - ALA DOS CRIADOS) - NOITE (23H)

Os olhos de Emil estavam quase abraçando o mundo dos sonhos, quando seu coração disparou repentinamente, alertando-o para um perigo iminente. O medo pungente fez com que o homem se levantasse mais rápido do que seu corpo conseguia acompanhar e o moveu até a maçaneta da porta. Só quando chegou diante da mesma percebeu que a escuridão diante de seus olhos não desapareceria quando os abrisse, pois ela era real… tão real que pareceu-lhe mais pálpavel do que a fria maçaneta que estava segurando.

Quando abriu a porta, seu peito foi invadido por um sentimento tão desconhecido que a palavra crueldade pareceu pequena para descrevê-lo. Emil sabia que os outros estavam ali, parados mortalmente diante de suas portas, calados pelo medo e sendo puxados para o escuro, porém não conseguia senti-los: era como se aquela presença maligna fosse egoísta demais para permitir que eles sequer pensassem em algo que não fosse ela. Não havia vento, neblina, ruídos, gritos, sussurros ou figuras fantasmagóricas… havia apenas aquele vazio que o puxava, mastigava e o vomitava de volta apenas pelo prazer de vê-lo tremer na sua desmascarada covardia. Emil repentinamente descobriu o significado de desespero.

Os breves minutos em que ficou subjugado a esse sentimento soaram-lhe eternos dentro de seu âmago mortal, no entanto quando a presença se foi, ele pareceu se lembrar como se respirava e seu coração reaprendeu a bater. Ainda havia a escuridão, porém o perpétuo desespero que se escondia atrás dela havia ido embora.

Emil, como líder dos empregados, tinha o dever de protegê-los, portanto não pensou duas vezes antes de seguir as ordens dadas por Blake outrora: se algo acontecer, leve todos para o último nível do subsolo. Mesmo no escuro, ele conhecia a localização de todos os móveis e não teve dificuldade de encontrar todos os 32 criados. Em silêncio e de mãos dadas, eles começaram a descer para o último nível do subsolo guiados por Emil, o único que conhecia as passagens que os levariam até lá.

Quando chegaram no fim do terceiro subsolo, no entanto, Emil percebeu algo: havia luz atrás da porta. Ele segurou a maçaneta com as mãos trêmulas e a energia de esperança pareceu ser transferida para todos que estavam atrás dele. O mordomo sentiu lágrimas queimando em seus olhos e instantaneamente soube que humanos eram simplórios: um pequeno rastro de luz era capaz de gerar um imenso quebrantamento em corações que haviam acabado de ser tocados pelo desespero.

Quando a porta se abriu, as tochas tinham fogo, mostrando que os espíritos de Gârbova não haviam sido expurgados totalmente pela energia maligna. No fim do corredor que os levaria até o último subsolo, Emil viu de relance uma mulher morena com um vestido branco repleto de flores acenando para eles. Ela sumiu antes que ele pudesse vê-la por completo, porém ela deixou no coração de todos a sensação de estarem sendo abraçados pela mais calorosa ternura. Repentinamente, todos pareceram receber um sopro de vida e houve uma mistura de choro, vozes e sentir. Emil percebeu que, embora o medo fosse capaz de subjugar e silenciar, nada era mais forte do que a simplória bondade.

FIM DO FLASHBACK.

QUARTA CENA: INT. MANSÃO DE BLACK (5º NÍVEL DO SUBSOLO) - NOITE (23H10)

Emil narrou a história enquanto guiava o grupo pelos corredores escuros da casa. Quando chegaram ao último nível do subsolo, constataram que realmente havia luz e que a energia do local destoava do restante da casa.

EMIL: Eu só não entendi bem o motivo desse local ter luz… Será que foi alguma mágica daquela mulher?

[Blake e Damon se entreolharam e sorriram um para o outro pela ingenuidade do mordomo. Eles sabiam que a Deusa sempre acolhia os corações desesperados, ainda que estes não a conhecessem, porém decidiram deixar a cargo do destino essa descoberta. Ainda que estivessem em um corredor estreito, a atmosfera de gentileza os tocou, levando-os a abraçar Emil.]

DAMON (sorrindo): Às vezes, Emil, a bondade vem dos lugares mais inesperados.

[Atrás deles, Fubuki e a Imperatriz conversavam.]

FUBUKI (suspirando): Que bom que o corvo chegou a tempo de avisá-la e que Damon conseguiu salvá-la.

IMPERATRIZ (parando no meio do corredor): Corvo? Eu não recebi nenhum corvo, tia. Vim pedir a ajuda do Blake, porque… é complicado.

[Fubuki, no entanto, não ouviu mais nada depois que a sobrinha informou-a de que não havia recebido o recado e congelou no meio do corredor. A parada das duas chamou a atenção de Damon e Blake. O hunter instruiu que seu mordomo continuasse sem eles e assim ele o fez.]

FUBUKI (encarando a Imperatriz): Então, quem está na mansão?

IMPERATRIZ (confusa): Bom… o trio apocalíptico, o tio Diab e a Sarah. Nós chamamos eles antes de eu vir para cá, porque estamos com um corpo empestiado de miasma maligno na Sala de Desmembramento e tendo problemas com um duende.

BLAKE (com seriedade, cruzando os braços): Sim, Rumpelstiltskin.

IMPERATRIZ (surpresa): Como você sabe disso?

BLAKE (com seriedade): Você ficaria surpresa em descobrir as coisas que eu sei.

[A jovem de cabelos verdes manteve o olhar fixo no hunter, pois tinha a impressão de que, se desviasse, ele iria expor diante dos presentes seus segredos mais obscuros. Portanto, a Imperatriz decidiu deixar o ressentimento que havia guardado por Blake ao longo de dez anos falar por ela, tentando afastá-lo da verdade através de um ataque na ferida que ela sabia que ele tinha.]

IMPERATRIZ (com sarcasmo, aproximando-se do hunter): Isso é um convite, Blake? O mesmo tipo de proposta que você fez para o Damon, o seu melhor amigo, quando o abandonou naquela floresta onírica?

[O rosto do jovem endureceu, mas o mesmo não se intimidou com a investida e deu mais um passo, aproximando-se ainda mais dela. Percebendo que a conversa estava se encaminhando para um campo perigoso, Damon decidiu intervir e segurou suavemente o braço de sua namorada.]

DAMON (em tom apaziguador): Vocês deveriam se acalmar…

BLAKE (com sarcasmo): Aquilo não foi culpa minha e Damon sabe disso, mas se alguém inocente tivesse se ferido hoje, nesta casa, isso sim seria sua culpa, Flávia.

IMPERATRIZ (em pensamento): MERDA! Ele sabe o verdadeiro motivo pelo qual estou aqui!

[Ela deu um passo para trás, recuando, porém continuou com a sua postura firme e, pelo próprio bem, decidiu mentir.]

IMPERATRIZ (com seriedade): Do que você está falando? Não tente mudar de assunto, Blake!

BLAKE (incrédulo e com a voz exaltada): Não seja condescendente comigo! Você tem ideia do estrago que poderia ter causado ao trazê-lo até aqui? Existem pessoas inocentes morando nesta casa! Crianças, mulheres grávidas e homens trabalhadores ficaram em risco, porque você decidiu que a vida deles era menor do que seu orgulho e egoísmo.

DAMON (confuso, com a voz baixa): Mas ela não trouxe ninguém… Ela estava sozinha quando eu a encontrei.

[Tomada pela raiva, a Imperatriz travou o maxilar e voltou para a sua posição anterior, encostando o indicador com violência no peito de Blake em seguida, pronta para arrancar o coração do hunter com um único dedo. Embora Fubuki houvesse se colocado na frente de Blake para impedir que os dois se matassem no meio do corredor, a mulher se sentiu minúscula diante da ira que emanava de ambos.]

FUBUKI (em tom apaziguador): Vocês dois precisam se acalmar, existem assuntos mais importantes para…

IMPERATRIZ (interrompendo Fubuki, com a voz embargada de raiva): Você arrancou o amor da minha vida dos meus braços, Blake! O que você esperava que eu fizesse? Aguardasse sua boa vontade em encontrar alguém capaz de quebrar a maldição do Damon, enquanto eu tomava chá com a mulher que você ama?

BLAKE (com raiva): Não, porque no seu lugar eu faria de tudo para salvar a Tortura, m…

IMPERATRIZ (interrompendo Blake): Então, não me julgue, seu canalha, porque…

BLAKE (interrompendo a Imperatriz): Mas nunca colocaria a vida de outras pessoas em risco, porque eu facilmente poderia passar o resto da minha vida sendo chamado de assassino por ter feito o impossível para ficar com o amor da minha vida, mas a Tortura jamais se perdoaria se soubesse o preço que foi pago… ela jamais me perdoaria…

[As palavras de Blake atingiram a Imperatriz como um relâmpago, porém só naquele momento ela havia se dado conta de algo: o local em seu braço que Damon estava segurando estava frio… tão frio que ela sentiu uma pontada de dor no local. Quando se virou para encará-lo, o jovem ruivo estava com uma feição tão triste que a Imperatriz sentiu seu coração se partir.]

IMPERATRIZ (com a voz embargada): Damon, eu…

DAMON (interrompendo a Imperatriz, com a voz baixa): Você aceitou a barganha daquele homem, não é?

IMPERATRIZ (com a voz embargada): Eu queria… eu só queria… salvar você… eu senti sua falta todos os dias…

[As últimas palavras dela escaparam na forma de sussurros de seus lábios. Damon desviou o olhar, sentindo um misto de raiva de si mesmo e triste por ter colocado sua namorada em uma situação tão desesperadora.]

IMPERATRIZ (com a voz embargada): Eu não aceitei a barganha dele… Eu não tive esc…

[A jovem não conseguiu terminar a sua explicação, pois, de modo inumano, seu corpo começou a se contorcer. O barulho dos ossos da Imperatriz se quebrando começou a ecoar pelo corredor, chamando a atenção dos criados. Assim que viu a maçaneta começar a girar, uma espécie de chicote negro saiu da palma da mão de Blake, impedindo que a mesma se abrisse. Damon estava com os olhos arregalados de desespero e, por mais que fosse um vampiro e já estivesse morto, no momento em que viu o corpo da mulher de sua vida sendo torcido com a mesma facilidade que se quebra um galho de árvore, ele sentiu o gosto da morte pela segunda vez.

Fubuki estava petrificada pela situação, porém um forte cheiro de lavanda invadiu suas narinas repentinamente e, em seguida, ela sentiu seu ombro ser empurrado de forma delicada na direção de Flávia. Antes que seu corpo conseguisse reconhecer seus movimentos, ela instintivamente tocou as têmporas da sobrinha e começou a adentrar a região com os dedos, buscando, desta forma, entrar na mente dela e entender o que estava acontecendo. Todavia, assim que o fez, tudo diante de seus olhos escureceu e, por um momento, ela pensou estar dentro da mente da Imperatriz. Quando, no entanto, ela começou a ouvir o choro de diversas crianças, soube que estava revivendo seu pior pesadelo. Fubuki reconheceria a quilômetros de distância o choro miúdo de seus filhos, porém fora o silêncio ensurdecedor o responsável por estilhaçar o seu coração que ansiava desbravar o que era o amor maternal. Por isso, quando nenhum som emanou da escuridão, a senhora Calígula sentiu na pele, nos ossos e no âmago o golpe fatal da perda de seus bebês, mas de uma vez só. O urro primitivo que escapou dos lábios dela fora algo que Blake já havia presenciado e a lembrança, somada a empatia pela mulher que o amara como um filho, fez com que ele se sentisse completamente em pedaços, o que o fez simplesmente correr para abraçá-la. Em contrapartida, Damon não conhecia com profundidade aquele tipo de dor, porém sentiu-se tão devastado por presenciar tamanho sofrimento que se aproximou de ambas.

Quando acolheu Fubuki, Blake sentiu uma opressão melancólica invadi-lo, semelhantemente ao que ocorria quando era mais novo, porém com menos intensidade. Damon, contudo, no instante em que tocou ambas as mulheres, soube que se tratava de um ataque psíquico e que a corrente, canalizada na Imperatriz, continuaria sendo transmitida a todos que viessem a tocá-la, diminuindo de potência conforme uma distância se estabelecia do canal central. Ele já estava acostumado a lidar com esse tipo de situação por conta dos anos que viveu no mundo onírico, o que o tornava imune. Todavia, o vampiro tinha a impressão de que havia algo a mais por trás disso, já que era comum sentir um desconforto ou uma espécie de confusão mental temporária, mas ele não sentia nada e sua mente estava muito clara.

Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, um cheiro forte de lavanda invadiu suas narinas e uma presença gentil confortou-lhe o coração em meio a desnorteadora circunstância. Ele, subitamente, não fazia ideia das respostas que precisava, mas soube o que precisava fazer.]

DAMON: Blake, literalmente empurre a escuridão dos olhos da Fubuki enquanto eu tiro a dor delas. Empurre, não absorva! Mesmo com a Mancha Negra, seria impossível absorver algo maligno assim.

[O hunter, ainda que sentisse um desconforto crescente, não questionou o amigo. Ele se concentrou no cheiro de lavanda que invadiu o ambiente e colocou as mãos sobre os olhos de Fubuki. Ao fazê-lo, ele adentrou a mente escurecida dela e, mesmo com um pouco de dificuldade, empurrou a massa enegrecida que vendava os olhos dela. Damon tocou o braço da senhora Calígula e o rosto da Imperatriz e começou a tirar a dor de ambas, pois, por mais que fosse um ataque psíquico cruel, o sofrimento mental era tão latente que se transformava em uma dor real e palpável. O poder de Damon fez com que a mente até então torturada da Imperatriz não se ferisse tanto e a ação conjunta dos jovens fez com que Fubuki conseguisse ver quem estava por trás do ataque.

Assim que a senhora Calígula conseguiu ler brevemente a mente da Imperatriz, uma onda de choque explodiu de dentro do canal emergente do ataque, afetando e afastando a todos. A investida havia terminado e um silêncio pairou pelo ambiente, enquanto os presentes tentavam digerir o que havia acabado de acontecer.]

BLAKE (passando as mãos freneticamente pelos cabelos): O que diabos foi isso?

IMPERATRIZ (com a voz embargada): É o que acontece quando eu tento contar a alguém o que está acontecendo…

[Fubuki, ainda sentindo o impacto tanto do ataque físico e quanto do mental, não conseguia se levantar, por isso caminhou com os joelhos até a sobrinha e colocou a cabeça da jovem delicadamente sobre suas pernas, acariciando com afeto os cacheados cabelos verdes dela. O ataque causava alguns danos ao corpo da Imperatriz, impossibilitando-a de se mexer por um tempo depois da ocorrência do mesmo, por isso quando as lágrimas de sua tia começaram a cair sobre o seu rosto, ela também chorou, permitindo que aquelas lágrimas de bondade e amor abraçassem as suas lágrimas de solidão e desespero.]

FUBUKI (com voz embargada): Eu sinto muito, querida… Sinto muito que você tenha carregado esse fardo durante tanto tempo sem conseguir contar a alguém.

[A Imperatriz sentiu seu coração ser acolhido de tal maneira que sua expressão se transformara em um misto de dor e alívio. Ela chorava enquanto fazia barulhos semelhantes a um animal ferido, sem conseguir verbalizar o quanto tudo aquilo havia sido angustiante para ela. Damon, sentindo-se completamente culpado, colocou a cabeça na barriga da namorada e escondeu seu rosto banhado pelas lágrimas e pelo constrangimento de não ter conseguido protegê-la, como se o gesto de rendição pudesse pedir o perdão necessário pela sua ausência. Blake aproximou-se, também, e segurou a mão da amiga. Por mais que os dois se odiassem por inúmeros motivos, eles sabiam reconhecer as qualidades um do outro e, acima de tudo, sabiam que ambos eram capazes de fazer o impossível por aqueles que amavam. Eles se culpavam na mesma proporção que se gostavam, como se um fosse o receptáculo para o ódio e a admiração do outro; como se a amizade dos dois fosse forte o bastante para suportar as instabilidades e erros sem se partir. Além disso, Blake não podia ser injusto, afinal Flávia havia cuidado e protegido Tortura durante todo aquele tempo sem o amor de sua vida, enquanto lidava com um segredo que não podia compartilhar com ninguém.]

VOZ DE FUNDO: A atmosfera de afeto e acolhimento duraria apenas alguns segundos, pois a paz nunca fora o ponto forte da Família Infernal. Blake era o único do grupo que estava inquieto, como se pudesse sentir o prenúncio implacável de uma tempestade em meio a calmaria. Todas as batidas de seu coração clamavam ansiosas, como se sentissem a proximidade da mulher que lhe tocara com o mais gentil amor.

FIM DA QUARTA CENA.

❖❖❖
Notas de Rodapé

* Acontecimento do capítulo 4 de Caçada Sombria.

** Acontecimento do capítulo 6 de Caçada Sombria.

*** O aniversário de um vampiro acontece de 100 em 100 anos.

**** Os espíritos de Gârbova são entidades romenas atreladas ao elemento do fogo e passaram a existir após uma trágica e longínqua história de amor: Gârbova era filha de um nobre rico e se apaixonou por Foc, um rapaz pobre que gostava de contar histórias ao redor da fogueira ao anoitecer. Ao saber do romance, o pai da garota imediatamente obrigou-a a se casar com outro homem e acusou o jovem de ter roubado a honra de sua filha. Sem direito a defesa, Foc fora condenado à morte na fogueira no dia do casamento de sua amada. Completamente inconsolável com a crueldade do pai, Gârbova escapou da cerimônia e se lançou ao fogo. Dizem que, após isso, a cidade ficou na mais completa escuridão dia e noite. O fogo só voltou a queimar quando os camponeses da região mataram o pai cruel. Desde então, a cidade passou a se chamar Gârbova e todos se reúnem ao anoitecer para contar histórias ao redor da fogueira. Em romeno, Foc significa “fogo” e esse elemento tão trágico tornou-se a essência espiritual desse casal que, juntos, acendem as velas nas casas dos camponeses da região de Gârbova e nas casas de pessoas bondosas.

Essa lenda foi baseada em uma crença real da Transilvânia. Caso queira saber mais, clique aqui.

¹ Tradução do romeno: Paznic = Guardião.

² Tradução do romeno: Dusman = Inimigo

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